Arte por Aldrey Olegario
Corte em pequenos pedaços o fígado e rins de porco, adicione também tendões, pele e raspas do osso suíno. Misture tudo e junte sal, ácido ascórbico e glutamato monossódico. Adicione na mistura gordura do porco e passe num triturador, após moído, coloque a massa pastosa em um invólucro de colágeno. Pasteurize por alguns minutos e estará pronta a sua salsicha.
Alimentos embutidos como linguiça e presunto são produtos que fazem parte do cotidiano de milhares de pessoas, mas mesmo assim seus ingredientes não são tão conhecidos. A ideia de consumir cartilagem, pele e vísceras é vista de forma repulsiva em algumas regiões do Brasil quando apresentadas em pratos regionais como buchada e sarapatel, mas são facilmente vendidos se possuem a aparência e textura modificadas em alimentos ultraprocessados.
A indústria alimentícia uniformiza o sabor e a aparência de diferentes alimentos, segundo o chef gastronômico e pesquisador Paulo Machado. O consumo massivo de ultraprocessados distancia o brasileiro de experimentar sabores e texturas de outras regiões. Uma vez que o desenvolvimento da culinária brasileira é diversa, o consumo em massa de produtos saborizados artificialmente limita o contato entre as pessoas à gastronomia de diferentes localidades brasileiras.
Não é absurdo estranhar pratos feitos com sangue coagulado, vísceras e animais selvagens, de acordo com a antropóloga Talita Roim. O problema está nas pessoas enxergarem os seus hábitos alimentares como “civilizados” e inferiorizar aquilo que é diferente da sua cultura.
Além de contribuírem para a comercialização em massa de industrializados, na visão da antropóloga, algumas produções midiáticas estigmatizam ainda mais alguns tipos de comida. Ao ver olhos de cabra consumidos crus na televisão, como trouxe em 2021 o programa No Limite, por exemplo, o público reforça mais ainda a rejeição de alimentos tipicamente consumidos em algumas regiões.
Por outro lado, Moacir Sobral, professor de gastronomia da UFRJ, acredita que é possível enxergar benefícios em propostas midiáticas, como o Masterchef. Nos últimos anos, programas culinários têm remodelado cada vez mais a abordagem para evidenciar a riqueza da regionalidade gastronômica brasileira.
As diferentes perspectivas diante da regionalidade culinária do Brasil são inevitáveis. A experiência humana com a alimentação é subjetiva, e discutir aspectos que tornam uma comida agradável ou repulsiva não aborda valores nutricionais, mas sim como é problemático a visão etnocêntrica diante de uma gastronomia diferente. Principalmente quando esse “diferente” está incluso na sua rotina em forma de ultraprocessado e você nem percebe.
Colaboraram:
Moacir Sobral, doutorando em Patrimônios Alimentares pela Universidade de Coimbra e professor de gastronomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Paulo Machado, gastrônomo especialista em cozinha francesa pela Institut Paul Bocuse e pesquisador de alimentos
Talita Prado Barbosa Roim, professora vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiânia