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O que vem antes do estrondo

 

Por Ana Carolina Cipriano

 
Ilustração: Thaís Navarro

Ilustração: Thaís Navarro

Assim que um desastre ou acidente vira notícia, surgem cientistas e leigos afirmando que, se prestássemos um mais de atenção em como os animais se comportam, milhares de vidas poderiam ser salvas. Segundo esses relatos e estudos, eles têm sentidos mais aguçados e percebem quando algo não está certo e, por isso, evacuam o local onde estão ou passam a se comportar de maneira estranha, ficando acanhados e em silêncio e emitindo sinais de alerta.

A verdade é que essa concepção é bem mais complicada. André Frazão, do instituto de Biologia da USP (IB-USP) estuda fisiologia sensorial e diz que, de um ponto de vista evolutivo, é pouco plausível dizer que os animais têm uma adaptação comportamental para evitar tragédias. Por esse motivo, podemos considerar que os animais, na verdade, se deslocam ou evacuam um local por se sentirem desconfortáveis.

Juliana Mendes é aluna do IB e estuda a comunicação entre cães e pessoas no Instituto de Psicologia da USP (IP-USP). Usar animais como alerta quando estão se comportando de maneira anormal é difícil, pois depende do ambiente em que vivem e com quem convivem. Para animais selvagens, por exemplo, o silêncio é um sinal de não ameaça.

E, talvez por isso, Ignácia Belén não tenha notado nenhum sinal do forte terremoto que atingiu o Chile, em 2010. Nessa época, a chilena tinha 13 anos e foi o primeiro terremoto que vivenciou. Ela vive em Santiago, nas montanhas, de onde consegue ver toda a cidade. O terremoto começou à noite e, da janela de sua casa, conseguia ver a cidade toda chacoalhando, luzes explodindo e o chão se movendo com muita força.

Ela não conseguia se mexer por conta do movimento da casa, mas também pela surpresa. Ela sentia tudo, menos o silêncio, porque para Ignácia “nós sentimos o silêncio, quando algo atinge o nosso corpo e naquela situação o meu corpo estava experienciando um terremoto e eu precisaVA reagir àquilo.”

Mas, se o silêncio parece não ser indicativo de grandes desastres, ele poderia anunciar algo menor? 

As experiências de Anselmo Carlos mostram que sim. Ele já passou por muitos momentos ruins e, em grande parte deles, o silêncio estava lá. O curioso é que ele nunca tinha percebido isso, até parar para pensar sobre.

Quando tinha nove anos, machucou a mão esquerda em uma máquina que faz caldo de cana no restaurante do pai. Antes do incidente, ele se lembra que o som da movimentada rua onde era localizado o restaurante parecia estar longe e abafado e, enquanto sua mão estava presa na máquina, ele simplesmente não ouvia nada. Assim que conseguiu se livrar, todos os sons repentinamente voltaram.

Um pouco mais tarde, com seus 13 anos, errou um movimento na ginástica olímpica e caiu de pescoço no chão e o mesmo aconteceu: durante o movimento não ouvia vozes, barulhos externos, nada. Assim que recobrou os sentidos, todos os sons voltaram.

Há três anos, quando morava na Alemanha, acordou uma manhã e sentiu necessidade de olhar o celular, o que nunca acontecia. Enquanto passava os olhos nas mensagens, o som ambiente foi ficando cada vez mais longe e enquanto lia a notícia sobre o falecimento da avó os sons sumiram. Assim que terminou de ler a mensagem, o som do canto dos pássaros, o barulho dos carros e as conversas ao longe entravam no apartamento nitidamente.

O silêncio pode ou não ser um indicativo, como um sinal de segurança ou alerta. Mas, para saber como interpretar isso, nós precisamos, primeiro, percebê-lo.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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