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A violência destrói, mas a vida se impõe

 

Por Maria Paula Andrade

 

Era final de tarde de uma quarta-feira. Fazia frio, depois de dias de calor intenso. O termômetro do celular marcava 18 graus, mas parecia menos por causa do vento gelado. Combinei de encontrar Denise em seu prédio. Quando cheguei, ela disse que desceria para me encontrar; não queria me contar sua história em casa, onde seus filhos estavam.

 

Denise chegou, me cumprimentou e logo acendeu um cigarro. Eu estava um pouco aflita pelo que estava prestes a ouvir. Começou contando que em 2015 iniciou um relacionamento com Carlos e ele acabou se mudando para sua casa. Desde então surgiram os ataques de ciúmes que a proibiam até mesmo de sair sozinha. Depois de onze meses de um inferno, num acesso de raiva, Carlos quebrou a televisão e a ameaçou com um facão. Denise conseguiu chamar a polícia e desde então nunca mais o viu; tem uma medida protetiva contra ele. Mas, se um dia isso acaba, tem que ter um recomeço.

 

Hoje em dia ela conta que às vezes não acredita que isso tenha acontecido em sua vida. Que tenha, muitas vezes, aceitado os abusos calada. Mas ela está longe de ser a única. Só no ano passado, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas no Brasil e 42% dos casos aconteceram dentro de casa. Enquanto conversava com Denise, me perguntava o que faz alguns homens se sentirem no direito de tomar a vida de uma mulher como posse. Também me sentia impotente por não poder fazer muita coisa para protegê-las.
Enquanto acendia outro cigarro, Denise contou que, mesmo depois de três anos do ocorrido, seus pensamentos ainda a traem. Todo dia é uma luta. “Será que ele vai aparecer?”. E se aparecer, o que fazer? Como consequência, perdeu sua independência e levou tempo até que ela não tivesse mais medo de estar sozinha em casa. Também deixou de sair sozinha na rua, mesmo que São Paulo, onde mora, tenha nove Delegacias da Mulher. Esse não é o caso em 91% das cidades do país, nas quais não existe uma sequer.

 

 

De vez em quando, Denise também se pega traída pelos sentimentos. Desabafa que até hoje sente culpa por ter trazido essa pessoa para dentro de casa, junto a seus filhos. Também se sente frustrada, porque sabe que ele está solto. Já chegou a sentir até saudade das “partes boas” com Carlos. Imagino que muitas coisas a gente não consiga botar em palavras. Leva tempo para entender.
Em todos os relacionamentos que iniciou depois desse período, tinha certeza de que seriam iguais ao com Carlos. Hoje, não consegue receber elogios de ninguém e reforça que não acredita que os mereça. Ela também não consegue se apegar a um homem por muito tempo. Quando a pessoa se mostra interessante, foge por medo. Quanto mais interesse o outro instiga nela, com mais receio ela fica.

 

 

Mas, aos poucos ela vem retomando a vida. A família e os amigos foram importantes redes de apoio e ela repete diversas vezes que, hoje, sua prioridade são os filhos. Depois de muito perguntar a ela se consegue se imaginar com outra pessoa no futuro, Denise diz que só pensa em ter algo mais sério com alguém quando seus filhos saírem de casa. Não quer trazer outra pessoa com eles morando lá. Certamente, ainda há desconfiança.
Ao final do nosso encontro, queria ter abraçado e dito a ela que tudo o que passou não é sua culpa. Às vezes, recomeçar é um processo doloroso. A violência destrói, mas a vida se impõe.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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