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Não vejo dessa forma

 

Por Diego Bandeira e Pedro Ezequiel

 
Conceito: Caio Mattos e Sofia Aguiar/Desenho: Caio Mattos

Conceito: Caio Mattos e Sofia Aguiar/Desenho: Caio Mattos

 

A deficiência tem a ver com você. Com nós, na verdade. Ela diz respeito ao mundo que não é preparado para receber uma pessoa com determinada característica e que, assim, coloca barreiras para ela. Impossibilitar alguém de viver experiências porque não enxerga é uma delas.

 

Sara Bentes canta, dança, compõe e escreve. E viaja por esse mesmo mundo em festivais de música internacionais — em lugares como Argentina, Estados Unidos, Suíça, Tailândia e Turquia. “A gente enriquece com uma viagem”, a artista afirma. E por quê? “Eu absorvo por outros sentidos, interajo mais com pessoas por não ter a imagem. Percebo mais pelas pessoas, pela música e pela comida. Mergulho em outros sentidos”.

 

A música é a trilha do seu caminho. Muitas vezes, o som se torna o acesso para ler um momento. Na Turquia, quando foi abrir o Festival Internacional de Arte Acessível, ela só se sentiu acolhida no país quando estava em um carro e pôde ouvir a canção que vinha do rádio. “Ali eu ‘aterrissei’ na Turquia. A música criou imagens na minha cabeça”, lembra.

 

Por isso, ela questiona algo: por que não temos cegos na TV, interpretando? As novelas contam com atores videntes e que, muitas vezes, reforçam o estereótipo de que a pessoa sem visão não tem autonomia.

 

Os rótulos criticados por Sara também não se encaixam na amplitude do que é a deficiência visual. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia define a falta de visão como leve, moderada, severa e a cegueira a partir de testes feitos com a capacidade de reconhecer a distância e o campo de visão. E a capacidade de adaptar também é múltipla.

 

“Há outros estímulos do ambiente que são captados pelo organismo de alguma maneira”, afirma Márcio Rogério Penha. O psicobiólogo, que trabalha com o comportamento cognitivo e sua relação com o ambiente, reconhece que a visão ajuda em um reconhecimento primário. Mas não é a única fonte.

 

Sem ela, seu organismo “busca outras informações” com outros sentidos. “Eles se ajustam. Escuto o mesmo que você. Só que tenho uma necessidade auditiva para atravessar a rua. A sua é visual, de ver o carro. A necessidade vai ser canalizada para isso. Assim, algumas informações passam a ser valorizadas”, diz, com o aval dos estudos e da própria experiência.

 

Esse processo de aprender também pode ser uma arte igual a que pratica Sara. A audiodescrição deixa de ser um caminho só de acessibilidade para ser uma abertura de “novas possibilidades”. “Ela aumenta o repertório de imagens e desenvolve relações simbólicas”, define Isabel Machado, audiodescritora há mais de 20 anos.

 

Descrever envolve a forma, o conteúdo, o estudo sobre a obra e, também, uma peculiaridade no olhar de quem está contando. E as cores não ficam de fora. Isabel entende que elas são compreendidas através de associações. “Antes da deficiência, tem a pessoa. Desde que ela nasce, ela tem uma literatura e até um repertório imagético”, afirma.

 

Apesar de a descrição ser fundamental, tem uma preocupação para não descrever demais e acabe interferindo no aprendizado. “A pessoa precisa ter sua própria opinião, seus próprios conceitos. Então tem que ser algo muito cuidadoso”, ressalta Regina Oliveira, coordenadora de revisão de texto na Fundação Dorina Nowill.

 

Outra possibilidade para ler o mundo é o Braille. O sistema com pontos em relevo serve na leitura de textos e até de imagens, com diagramações definidas. “Existe todo um processo para esse aprendizado, preparação de coordenação motora fina da criança, desenvolver o tato”, conta Regina.

 

O tipo de leitura de uma bolinha para outra ou escutando a descrição são caminhos objetivos e artísticos para entender o mesmo mundo. Mas ele tem que parar de criar barreiras, relembra Sara, a artista. “Precisamos de mais inclusão para que a nossa característica seja apenas uma característica”.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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