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Pequenas gentilezas

 

Por Suzana Petropouleas e Matheus Alves

 
a nova capa do guardachuvah
Arte por Amanda Mazzei e Luana Benedito

 

Após um péssimo dia de trabalho, a barista Mei Melo andava até o metrô quando sentiu as gotas de chuva começarem a respingar na calçada. Uma tempestade começava, e ela, sem guarda-chuva, teria um longo caminho a pé à frente.

 

Olhou o relógio: 20 minutos até a estação fechar. Parar não era uma opção. Seguiu na tempestade. Até que, inesperadamente, outra moça a abordou e se ofereceu para compartilhar o próprio guarda-chuva: “Vamos juntas?”. Mei ainda se lembra do rosto da gentil desconhecida. Mesmo no caos do pé d’água que lavava a metrópole paulistana, o pequeno gesto de empatia a fez sentir que tinha ganhado o dia.

 

Atos como esses desafiam a máxima do filósofo Sartre de que “o inferno são os outros’’. Na brutalidade de épocas como a atual, marcada por uma confluência de crises e individualismo, pequenos atos de gentileza e solidariedade resgatam a ideia um tanto utópica de que é possível nos reconectarmos e viver em harmonia.

 

Você certamente já vivenciou gestos assim, que podem ser grandes ações heróicas ou sutilezas que aquecem o coração. Eles mostram a capacidade de nos colocarmos na pele do outro e surgem quando menos esperamos: como um senhor que ajudou um rapaz a pagar o ônibus após um assalto; ou um trabalhador que, no trajeto ao emprego quando o sol mal nascera, se ofereceu para ajudar estudantes perdidos em uma cidade desconhecida.

 

Pode ser também o sorriso de uma desconhecida no aeroporto que, anos depois, ainda é lembrado como o mais gentil já recebido. Ou uma escritora que coletava doações de lápis amarelo, tonalidade favorita da avó com Alzheimer, para ajudar a colorir os dias da vovó artista. E o alívio sentido pela jovem que escolheu a máscara errada para viajar e recebe outra, melhor, das mãos generosas de uma desconhecida.

 

Embora muitas vezes nos pegue de surpresa, a empatia foi fundamental para a sobrevivência da nossa espécie. Faz parte da capacidade psíquica de se identificar com o sofrimento de outros e nem sempre é tão despretensiosa assim. Se nos solidarizamos com vítimas de grandes desastres que aparecem na TV, é porque também tememos o risco à nossa sobrevivência que aquele incidente expõe.

 

Nessas situações, nos deparamos com um desamparo imenso, que também nos ameaça. É o famoso “Nossa! Poderia ser eu!”. E é essa identificação com o sofrimento alheio que pode nos mover na direção de ajudar.

 

Mesmo gestos modestos de empatia afetam a vida de quem os recebem. Também tornam-se o legado inesperado de quem virou mestre na arte de se colocar na pele do outro. Esses serão lembrados com carinho por aqueles que ajudaram, além de inspirarem outros a adotarem a empatia cotidiana.

 

Dias após o momento em que Mei foi ajudada, ela se viu sob um novo temporal paulistano. Dessa vez, munida de sua sombrinha, avistou uma moça que caminhava na chuva. Inspirada pelo gesto que recebeu anteriormente, ofereceu-se para acompanhá-la até o metrô.

 

 

Colaboraram:

Alissandra Moura Gomes, bióloga;

Adela Stoppel de Gueller, psicóloga e professora na PUC-SP e Instituto Sedes Sapientiae;

Brena Lacerda, jornalista e escritora;

Eduardo Manhães, estudante;

Gabriella Rizette Antunes, psicóloga;

Gabriella Salles, estudante;

Guilherme Carone, estudante;

Lucas Alves, estudante;

Luciana de Campos Pires, psicóloga, mestre pelo IP-USP e especialista em Estudos sobre Observações Psicanalíticas;

Mei Melo, barista;

Pamela Shu, artista;

Ricardo Godoy, estudante;

Santina Rodrigues de Oliveira, psicóloga, supervisora clínica e membro da International Association for Jungian Studies;

Tainã Castilho do Amaral, estudante.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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