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Abominável vestimenta da alma

 

Por Maria Clara Abaurre

 

Arte por Iasmin Rodrigues e Rebeca Alencar

 

T.Angel é um borrão, uma monstra, esquisita. É assim que se descreve nas redes sociais e ao mostrar suas tatuagens, piercings e implantes. Se o corpo é a vestimenta da alma, como sugeriu o papa Gregório, na Idade Média, não sabe dizer, mas certamente não é abominável. Não mais.

 

Nascida e criada na periferia de Osasco, teve o primeiro contato com modificações corporais ao sair da quebrada. Numa feira na Barra Funda, encantou-se com os corpos tatuados, trans e drag queens, que fugiam tanto da rotina casa-escola-igreja. Fascinada pela ficção científica, descobriu que era possível se aproximar dos corpos inalcançáveis daqueles mundos distantes.

 

Foi aos treze anos, com um piercing na boca, que teve o corpo modificado por escolha própria pela primeira vez. Se desde o nascimento o corpo sofre modificações e ganha marcas sobre as quais não se tem escolha, as tatuagens e piercings são algumas das muitas formas que as pessoas encontram de se apropriar desse corpo e das experiências que vivem através dele. Daniel, da cadeira de seu estúdio de modificação na Grande São Paulo, simplifica que é como cortar o cabelo: as pessoas escolhem e pronto.

Segundo pesquisa do Instituto Dalia, na Alemanha, 38% da população mundial tinha tatuagens em 2019 e o Brasil figurava entre os 10 países mais tatuados do mundo.Enquanto grande parte da população escolhe ter o corpo tatuado, uma fatia menor busca, como Angel, modificações mais extremas.

 

Ao longo dos anos como tatuador, piercer e modificador corporal, Daniel Rodrigo ouviu as mais diversas histórias e motivações para as mudanças. Ele brinca que a maca do estúdio é quase como um divã, as pessoas se abrem naquele momento de fragilidade e o papel dele, como profissional, é acolhê-las e apoiá-las, sempre informando e educando os clientes. Os procedimentos, apesar de apresentarem riscos, causam menos complicações do que se imagina, explica o profissional, que estuda e realiza procedimentos há 15 anos.

 

Para Angel, o corpo, assim como a vida, é algo sempre inacabado, passível de mudanças e de compromissos, mas nunca de perenidade. Ao se distanciar daquele corpo que era jaula, por meio das modificações, incluindo a redesignação sexual, Angel precisou ressignificar muitos aspectos de sua vida. O caminho para entender o lugar da família, da religião e das relações, em especial na adolescência, foi árduo. Mas o que não é?

 

Ela olha no espelho e vê um corpo que é casa e acolhimento. Um corpo que passou por tantas mudanças, escolhas que requerem um comprometimento que muitas vezes nos falta como sociedade de relações e quereres líquidos. Angel, que hoje é diretora pedagógica da escola onde estudou quando criança, assim como Daniel, acredita que a informação pode destruir barreiras e preconceitos, por isso busca levar os conhecimentos sobre corpos modificados à comunidade que um dia a viu como algo monstruoso.

Colaboraram:

Daniel Rodrigo, modificador corporal

T.Angel, historiadora e mestranda, idealizadora do FRRRKguys

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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