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É, ele morreu cagando

 

Por Sarah Lídice

 

Arte por Aldrey Olegario

 

O mais poderoso lorde de Westeros é morto pelo seu próprio filho com uma flechada no coração, sentado em uma privada, enquanto terminava de cagar. Nesta cena de Game of Thrones, série de 2011 da HBO, a comicidade está naquilo que ela opta por não ocultar: a grotesque humana.

 

“Morrer cagando” pode ser uma expressão que não se deseja dizer — ou mostrar nas telas. E existe um recurso humano para evitá-la: os eufemismos, figuras de linguagem (ou de pensamento, para alguns linguistas) que expressam o indesejável, dessacralizando uma palavra considerada má e substituindo-a por um equivalente “enfraquecido”. 

 

A transformação linguística de “meretriz” é um exemplo de uso desse acessório. Do latim meretrix, a palavra era usada originalmente para se referir a mulheres que ganhavam salário e, à época, a prostituição era uma das principais fontes de renda. Eis, então, que “prostitutas” viraram “meretrizes”. 

 

A nova expressão viria para cobrir uma lacuna de significado que outras não cumpriam, sendo socialmente útil. E quanto mais replicada — como um telefone sem fio —, mais esse sentido de mais baixo calão se incrustraria na palavra, num movimento típico que caracteriza o nascimento das variações linguísticas. 

 

No caso desses recursos linguísticos específicos, existe até um nome para isso: a esteira do eufemismo, conceito do linguista Stephen Pinker. É quando uma palavra que foi eufemizada para se referir a algo tabu acaba sendo “contaminada” por ele e substituída por outra expressão que, por sua vez, sofrerá o mesmo processo e assim sucessivamente, como explica a pesquisadora Elisa Stumpf, que estuda tabus linguísticos.

 

A família que vive isolada da sociedade no longa de Matt Ross, Capitão Fantástico (2016), tem cena que representa a quebra desse movimento: a filha pergunta, em uma viagem de motorhome, o que “estupro” significa. O pai responde, naturalmente e com termos claros, que é quando uma pessoa, usualmente um homem, força uma pessoa, usualmente uma mulher, a ter uma relação sexual. A conversa segue casualmente com mais perguntas da criança sobre o que significaria relação sexual e a razão da penetração.

 

Pode não ser grotesco para essa família dizer o real significado das coisas a uma criança. Assim como pode ser especialmente importante, para um cineasta, mostrar a grotesque de um rei sendo morto enquanto defeca. Os eufemismos acabam sendo, na verdade, recursos para responder a algo simples: o que cada comunidade deseja esconder?

Colaboraram:

Elisa Stumpf, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Fernanda Amendoeira, doutoranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Heronides Moura, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Karen Sampaio, professora do Departamento de Linguística e Filologia da UFRJ

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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