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Em cartaz: O Corpo Horripilante

 

Por Lucas Zacari

 

Arte por Rebeca Alencar

 

Um festival, cheio de flores, rituais e uma claridade que se espalha. É possível ouvir passarinhos. A trilha animada dá lugar à tensão. A câmera foca no oráculo Ruben, que causa desconforto no público. Ruben possui uma deficiência que desfigura seu rosto.

 

Mesmo sendo sobre um culto, o filme “Midsommar” (2019) utiliza do Body Horror para gerar o incômodo. Esse subgênero de terror torna mutações e distorções do corpo humano o fator de construção do medo. Iniciado em “Frankenstein” (1931), o tema chegou ao seu auge nos anos 80 pelo diretor David Cronenberg.

 

Seu filme mais conhecido, “A Mosca” (1986), conta a história de um pesquisador que funde seu DNA com o de um inseto, alterando seu corpo. O longa conquistou o Oscar de melhor maquiagem. 

 

Como em “Midsommar”, distorções corporais são utilizadas para gerar o horror. Segundo Matheus Henrique do Amaral, mestre em Educação Inclusiva pela Universidade Metodista de Piracicaba, a exploração de corpos com deficiência para o entretenimento remonta aos freakshows, espetáculos circenses que usavam de PcD para criar o espanto e a curiosidade. Essa atração perdurou até meados do século XX. 

 

A diferença entre esses produtos culturais é a de que, no terror, a personagem com anomalias físicas é geralmente colocada como vilã. Assim, o enredo costuma opor as vítimas indefesas e os seres anômalos. 

 

No ensaio “A doença como metáfora” (1978), a ativista Susan Sontag explica que, em uma história, as características dos personagens são artifícios metafóricos para a forma com que a sociedade os enxerga. “Uma vez que o vínculo se dá sob a metáfora da monstruosidade, é um tanto impossível não se criar um paralelo de repulsa, ainda que inconsciente, entre monstruosidade insólita e deficiência física”, explica Marcio Markendorf, professor de Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina.

 

A colocação desse ser como vilanesco, incapaz de ser empático e bom por conta de sua aparência é, também, capacitista. Amaral ressalta que essa é uma tendência não apenas do terror, mas de toda Indústria, que faz da deficiência uma indicação da falta de humanidade.

 

Daniel Gonçalves, primeiro PcD a dirigir um longa no Brasil — “Meu Nome é Daniel” (2019) — explica que não devem, também, ser retratadas como se a vida fosse perfeita, capazes de superar tudo, ou como “coitadinhos”. Gonçalves aponta que um exemplo de antagonista é Isaac, da série “Sex Education” (2019). O personagem possui traços vilanescos desenvolvidos por seu caráter, não por ser cadeirante. 

 

Apesar da boa construção de Isaac, a busca pelo incômodo por meio das deficiências físicas dos personagens, assim como em “Midsommar”, ainda é recorrente em Hollywood. Mesmo considerado um gênero subversivo, com maior liberdade para temas sociais, o terror continua utilizando da figura humana e seus desvios para gerar bilheteria e desconforto.

Colaboraram: 

Daniel Gonçalves, jornalista e diretor de cinema

Marcio Markendorf, professor e pesquisador do Curso de Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina

Hérick Santos, maquiador de efeitos especiais, diretor independente e dono do canal Carnoficina no Youtube

Matheus Henrique do Amaral, mestre em Educação Inclusiva pela Universidade Metodista de Piracicaba

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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