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Mas eu sempre fui assim

 

Por Filipe Narciso

 

Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Iasmin Cardoso


Com o anúncio de uma gravidez desejada, se inicia uma série de rituais: os
exames de rotina, o chá de revelação, a escolha do nome, a compra do berço e das
decorações, as conversas sobre o futuro do bebê e de seus pais. E, em um dia
ansiosamente aguardado, a criança nasce — e é a coisa mais linda que eles já viram.

Mas nem sempre o projeto de ser humano em seus braços é o ser humano
imaginado anteriormente. Na verdade, na maioria das vezes não é. Se a família é um
microcosmo da sociedade em que está inserida, um Ocidente capacitista
cisheteronormativo incute uma série de crenças em famílias em que crianças com
deficiência ou identidade queer ou ambos, ou seja, com qualquer forma de
divergência daquilo socialmente aceito, são vulneráveis não só por sua relação com
o resto do mundo, mas pela relação com suas próprias famílias.

Os desafios de conciliar a proteção familiar com o direito de uma criança
tomar as próprias decisões é uma das adversidades fundamentais da estrutura
familiar. De acordo com o psicólogo Mauro Luis Vieira, há a necessidade dos pais
considerarem a flexibilidade de seus valores. É relevante para a interação
desenvolver espaços de diálogo, em que seja possível expressar confiança nas
escolhas de seu próprio filho.

A popularização do termo smothering, gerúndio de um verbo traduzido do
inglês como “sufocar”, que em sua estrutura se encontra também a palavra “mother”
— mãe —, ao tratar de pais que ao serem tão superprotetores deixam seus filhos
emocionalmente dependentes e inseguros, expõe as contraditórias dinâmicas
familiares contemporâneas. Se até mesmo o amor e a preocupação podem ser um
impedimento para o desenvolvimento infantil, os desafios da paternidade não são só
uma questão de ser presente, mas também de equilíbrio.

Quanto às promessas que antecedem o nascimento, a psicóloga Amanda
Sehn aponta que o processo denominado luto do bebê imaginário é extremamente
relevante para a parentalidade. De acordo com ela, criar expectativas sobre seu bebê
é fundamental para a constituição psíquica dos pais. Mas, com o nascimento do
filho, é importante deixar a criança idealizada ir para abraçar aquela que realmente
nasceu.

Vieira reforça que criar expectativas é uma característica da natureza
humana. No entanto, expectativas cristalizadas demais são quebradiças. A realidade
é bem mais complexa: algumas crianças nunca gostarão de rosa ou vão sonhar em
ser um jogador de futebol ou sequer vão ser neurotípicas — e isso não as fazem
menos dignas de amor e apoio.

Colaboraram:
Amanda Schöffel Sehn – Professora da UNIJUÍ e integrante do Núcleo de
Infância e Família (NUDIF) da UFRGS;
Mauro Luis Vieira – Professor da UFSC e Coordenador do Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Desenvolvimento Infantil (NEPeDI).

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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