Escorregando pelos lábios e fazendo vítimas sorrateiramente, o ato falho não perdoa. Uma gafe corriqueira pode ser culpa do cansaço, do esquecimento ou até da desatenção. De todo modo, chamar o atual namorado pelo nome do ex é quase sempre uma situação difícil de se safar.
“O ato falho não se refere a um fracasso, mas sim a um ato bem sucedido de realização do desejo inconsciente”, afirma o psicanalista Leonardo Assis. O conceito é definido por Freud como uma manifestação do inconsciente em que um equívoco na fala, memória ou gesto é concretizado. Lapsos freudianos, como também são conhecidos, possuem diversas causas e podem estar ligados a elementos reprimidos.
É possível identificar situações em que constatações conhecidas pelo interlocutor, mas ainda não conscientemente reconhecidas, emergem à superfície em um momento de distração. Nesse caso, não existe a revelação de um desejo, mas de um fato cravado no inconsciente. Na psicanálise, não há receita de bolo.
“Os sonhos, os chistes e os atos falhos são formações do inconsciente que só podem ser lidas com seu devido rigor – na orientação deles de extrair uma enunciação singular – no que chamamos setting analítico”, detalha Assis sobre a expressão referente à dinâmica entre analista e paciente.
A motivação do ato falho demanda autoconhecimento e investigação da psique com ajuda profissional. Uma namorada que insiste em chamar seu parceiro pelo nome do ex pode tanto estar manifestando o desejo de reatar uma antiga paixão, quanto sendo vítima de um hábito ou um costume.
Após a gafe cometida e temendo estar desejando o ex-namorado, ela procura um psicanalista na tentativa de entender seus sentimentos. Com questionamentos, provocações e perguntas, o mistério que permeia o ato vai se dissolvendo na medida em que o “enunciado” vai se revelando – uma frase expressa pelo paciente que desvenda o sentido até então oculto do ato.
Por meio da fala, em uma interpretação conjunta entre paciente e profissional, busca-se entender o que o inconsciente comunica. Para esta namorada, o desejo pelo amor de outrora.
Colaboraram: Eliana Machado é psicóloga, psicanalista, membro da EBP/AMP; Camila Peixoto Farias é professora de Psicologia da UFPel; Marcia Müller Garcez é mestre e doutora em Psicologia pela UFRJ