
“Fiquei emocionado e com vontade de chorar tanto com o diagnóstico dos meus filhos quanto com o meu. Mas, essa foi apenas uma reação de momento, porque na verdade foi libertador. Fez com que eu e minha família soubéssemos como agir de agora em diante.”
O depoimento acima é de Ronaldo Duarte, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) aos 40 anos. Ele conta que, à medida que acompanhava seus filhos gêmeos em especialistas, começou a lembrar de sua infância e adolescência e percebeu que também tinha características semelhantes às do transtorno.
O professor diz que em alguns momentos do trabalho apresentou crises de ansiedade e irritação por se sentir sobrecarregado. Ele lembra que mudanças na rotina o deixavam desorientado, desorganizado e perdido.
A história de Ronaldo se repete com certa frequência ao falarmos de pessoas que descobrem-se autistas durante a vida adulta. Na maioria dos casos, a descoberta tardia acontece porque o TEA se manifesta de forma leve (grau um de três) sendo mais evidente em situações de interação e comunicação social, por exemplo, ao ter dificuldade para entender metáforas e piadas, desconforto com demonstrações de afeto, apreço por rotinas, hiperfoco e maior sensibilidade.
Segundo o Center of Diseases Control and Prevention dos Estados Unidos, 1 a cada 110 pessoas no mundo estão no espectro. Desse modo, estima-se que no Brasil haja cerca de 2 milhões de autistas. Por isso, em 2022, o IBGE incluiu uma pergunta sobre o transtorno no Censo Demográfico. Os resultados ainda não foram divulgados até a publicação desta matéria (28/06/2023).
Assim como Ronaldo, Adriana Czelusniak também passou a desconfiar após receber o laudo do filho, em 2008. Em contrapartida, ela pensava que aquelas características, por serem muito brandas, não eram de autismo. Apenas em 2020 ela foi atrás de respostas após começar a conviver com mais adultos autistas. A jornalista, então, se enxergou neles e descobriu aos 38 anos que pertencia ao espectro.
Esse diagnóstico é feito por uma equipe multidisciplinar composta por médicos, psicólogos e terapeutas. São analisados o histórico de neurodesenvolvimento e os resultados de uma avaliação neuropsicológica, que aponta as habilidades cognitivas do paciente: como funciona sua memória, linguagem, percepção visual e auditiva, e o nível de inteligência por meio do teste de QI, explica Joana Portolese, psiquiatra do Hospital das Clínicas.
No entanto, há quem nunca tenha desconfiado de estar dentro do espectro. Esse é o caso de Camila Gregorio, 29, que teve um processo de investigação diferente. Primeiro recebeu o laudo de TDAH do psiquiatra e uma recomendação para realizar uma avaliação neuropsicológica em que foram apontados traços de autismo. Em seguida, procurou uma psicóloga e fez uma nova avaliação, desta vez focada no TEA. Para sua surpresa: grau um no transtorno.
A base das intervenções com os adultos é a terapia cognitivo comportamental feita pelo psicólogo. Esses adultos também podem ter algumas alterações sensoriais e com isso há o trabalho da terapeuta ocupacional, afirma Joana.
Apesar da surpresa com o diagnóstico, o processo de aceitação foi positivo para todos. Descobrir que aquelas marcas que eram questionadas e incompreendidas, na verdade, fazem parte de um transtorno de neurodesenvolvimento.
Giulia Marotti, psicóloga especializada no tratamento de pessoas com autismo, explica que esse processo costuma ser tranquilizador, pois a notícia ajuda a dar sentido e esperança para o paciente: é uma possibilidade de tratamento que o auxilia a aprimorar as habilidades e lidar com as barreiras.