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Vende-se tempo

 

Por Duda Ventura e Lorraine Moreira

 

Antes, bastava ligar a televisão, olhar para algum outdoor ou folhear um editorial de revista. Não era fácil evitar o bombardeamento de cabelos escovados, corpos esculturais e bocas cada vez maiores e mais rosadas. Sempre esteve no espelho do olhar das pessoas. Mas tudo piorou com o celular.

Eles sabem quem eu sou. Sabem da minha idade, meus horários, o que angariará minha curtida. Sabem das minhas inseguranças, muitas vezes antes de mim. Por isso, não foi surpresa quando fui tomada por uma enxurrada de propaganda de produtos de beleza, tudo em uma espécie de mercado velado. Eles vendem como se fosse simples: basta alguns passos de skincare, centenas de malabarismos no cartão de crédito para contratar aquele cirurgião maravilhoso e muita vontade de aprender truques de rejuvenecimento. Rugas, manchas e todos os defeitos podem ir embora com os milhares “anti” que aparecem em minha tela: anti-sinais, anti-marcas, anti-escurecimento, anti-flacidez… Sinto que todos são sinônimos para “anti-velhas”.

Como toda modelo que cresceu sendo considerada bonita, sempre escutei que a beleza um dia ia acabar. Lá pelos 25 anos, quando a pele começou a ficar madura, senti as primeiras diferenças. Aos 40, entendi que era o adeus. Nada, desde então, foi suficiente para retornar a aparência jovem ‒ embora os comerciais permaneçam mostrando peles impecáveis de idosas cheias de edições supostamente felizes com sua aparência.

Com as mulheres vivendo cada vez mais ‒ a expectativa mundial para o sexo feminino é de 80,5 anos ‒, é natural que as empresas tenham se voltado para nós com todos esses cosméticos e até nos feito acreditar que temos milhares de defeitos horrendos para comprar mais e mais. A moeda, eu sei, é a autoestima. E os produtos são cada vez mais específicos e se vendem rapidamente: no Brasil, conhecemos bem essa lógica, sendo o país com o quarto maior mercado de beleza e o que mais faz cirurgias plásticas no mundo. 

Me amar é um desafio quando para cada marca em meu rosto há um milagre em pote sendo divulgado. Tempo, de vida, nesse caso, é dinheiro. Eles nos dizem que ter rugas é belo, mas criam centenas de cosméticos para esconder cada uma. Eu ainda sinto na pele os padrões dos quais não faço parte. Nunca mais vou fazer. Me resta enaltecer a beleza de minhas filhas e netas. Com elas, me pergunto quantas gerações evitarão olhar ao redor, evitarão os olhares, com medo de escutar que a beleza não existe mais. Escutando minha filha dizer que tem medo de envelhecer, medo de se enxergar no espelho, me arrisco a dizer que muitas.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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