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nem tudo são flores

 

Por Ana Júlia Maciel

 

Arte: Breno Queiroz e Lucas Tôrres Dias

Cercados por cerejeiras, no Japão, pais negociam silenciosamente o amor de seus filhos. Uma boa educação, um trabalho invejável e uma boa condição financeira. “No futuro, tudo isso vale muito mais que um sentimento besta que só se sente uma vez na vida”, dizem os responsáveis que pensam no melhor para o casal. De cabeça baixa e sem escolha, os noivos confirmam.

Na Índia, as calêndulas enfeitam os colares de flores que são trocados por noivos que nunca cruzaram olhares. Ele, apreensivo, coloca o véu para cima e fita os olhos que jamais havia visto. Flores caem sobre o casal e uma dança se inicia. Enquanto a música toca, ambos idealizam a vida que podem viver: um bom trabalho e uma casa bonita em que vão criar seus filhos e envelhecer juntos, assim como seus pais planejaram. 

Nem todos os casos são assim. Um arranjo de jasmim e uma carta são entregues a alguns quilômetros do deserto da Arábia Saudita. Por essa, chega a fotografia de um homem. A mãe prepara o véu e as espadas para a dança que todos irão assistir mais tarde na cerimônia. A garota sente o frio na barriga por aguardar pelo amor que sempre lhe contaram. Mas, tão jovem, treme só de olhar a roupa que sua ama separa para a noite de núpcias. Nada a protege disso. Se aprovada pelas autoridades islâmicas*, não há idade mínima para o casamento. Desprotegida, a menina pensa em como pode acabar com alguém que detesta para sempre. 

Nem tão distante assim, as flores dos cactos do árido sertão brasileiro, também desabrocham cedo demais. 

Quinze, dezesseis, dezessete… mas nem todas têm a sorte de serem arranjadas tão velhas assim. Uma em cada dez meninas brasileiras se casa com menos de quinze anos. Seus maridos costumam ser nove anos mais velhos e saem para trabalhar. Seus antigos livros, todos encaixotados, dão lugar pros lençóis dobrados e vassouras no canto do quarto. Ela não vê mais seus colegas de sala ou amigos, não tem mais “tempo para perder na escola”. Pelo menos foi isso que seu marido disse. Para sempre enclausurada em sua própria casa, ela é mais uma vítima do casamento infantil como forma de escravidão moderna.

Em algumas histórias longínquas, garotas podem ganhar uma casa, um turbante ou uma joia. Na quarta nação com mais casamentos infantis do mundo, às margens do rio Xingu, ganha-se uma bacia, um bucho e dez outras crianças para cuidar. 

*Autoridades que seguem a Sharia, conjunto de leis derivadas do Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos

Colaboradores: Josefina Pimenta Lobato, doutora em Antropologia Social pela Universidade Nacional de Brasília (UNB); Ela vai no meu barco, pesquisa por Alice Taylor; dados da Organização das Nações Unidas (Onu), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Promundo; relatos de mulheres coreana e marroquina islâmica

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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