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pela última vez

 

Por Diogo Leite e Isabel Vernier

 

Arte: Mateus Cerqueira

– Delegado, minha filha sumiu já faz cinco horas.

– Tem que esperar 24 pra fazer o B.O.

– Tudo isso?!

– Sua filha tem quantos anos?

– Tem 20.

– Ih, mãe! Fica tranquila, deve tá com um namorado. Daqui a pouco ela volta.

– Minha filha não namora, seu delegado. Não vou ficar esperando, preciso procurar por ela.

– Mãe, a gente não conhece os filhos que tem, ainda mais essas meninas de hoje. Ela faz o que da vida?

– Estuda artes plásticas, doutor. Passou na federal mesmo tendo feito escola estadual a vida inteira.

– Tá explicado. Artista é tudo doido!

– Boa tarde, dona delegada. Minha filha sumiu faz seis horas e preciso que comecem a procurar por ela!

– Mãe, são 57 desaparecimentos por dia em São Paulo. Daqui a pouco ela aparece. Se não, você vem aqui fazer o B.O. depois de 24 horas.

– Já ouvi isso hoje e não arredo o pé sem o boletim.

– Ai, tá bom, espera ali.

– Já faz dez horas que ela sumiu!

– Quando foi a última vez que você viu a menina?

– Ela saiu pra trabalhar às sete e meia. Vi na câmera que tem perto do ponto e fui na companhia de ônibus, ela nem chegou a entrar.

– Certo. Fiz o B.O. aqui. Depois é só levar na Delegacia de Desaparecidos. O resto é com eles.

– Obrigada, doutora! Agora vocês já vão procurar, né?

– Tem que ver na Desaparecidos.

– Mas o que eles vão fazer com o B.O.?

– Não sei, mãe. Desaparecimento não é crime, não tem lei dizendo como funciona pra investigar, não.

– Moça, deu entrada uma menina aqui? 20 anos, negra, cabelo preto, 1,60. É minha filha! Desapareceu semana passada!

– Deu sim, no pronto-socorro, mas tem um problema no registro, não sei pra onde ela foi. O sistema aqui não funciona muito bem, tem gente que não registra a alta direito. Transferência então…

– A gente está investigando sim! Mas não tem como o hospital saber que ela tava desaparecida: não existe um cadastro geral, não dá pra acessar os outros sistemas do governo, a coisa não conversa. O melhor é a senhora continuar indo nos IMLs, nos hospitais…

– Olha, nenhum aqui bate com a descrição, mas já faz um mês, deve ter ido pra um cemitério. Eles têm seções de corpos assim, mas é bem bagunçado. Tem que ver também em outros IMLs, mas não adianta ligar só, não vão te falar. Vai lá!

– Quando vai ao ar aquela matéria que vocês fizeram aqui em casa, sobre minha filha desaparecida?

– Oi, mãe! eu lamento, mas a pauta caiu, não vamos mais passar ela no jornal.

– Mas vocês me pediram a entrevista tão em cima da hora, isso ia ser tão importante pra mim, faz um ano que tento colocar minha filha no jornal!

– Desculpa, mãe. É que esse assunto não está em pauta.

– Vocês podem postar essa foto nova? É minha filha com 30 anos. Sabe, nem reconheço ela na foto, mas a polícia fez assim, com as técnicas deles lá…

– É, mãe. A gente sabe como é.

– E aí, mãe, faz 27 anos. Depois desse tempo todo, a senhora ainda tem esperança de encontrar sua filha?

– Se você me fizesse essa pergunta cinco anos atrás, eu encerraria a nossa conversa aqui. Mas, hoje, eu sinto que ela pode ter partido. Aceitar isso dói, é como ser cúmplice de uma morte. É como se parar de buscá-la fosse desistir da vida da minha filha. Queria poder seguir em frente, igual a irmã, o pai. Mas não dá. Eu daria tudo, tudo pra que alguém me dissesse “sua filha virou um zumbi na cracolândia”. Eu só não posso morrer sem resposta!

COLABORADORES: Ivanise Espiridião, da ONG Mães da Sé e mãe da Fabiana, Vera Paiva, membro da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e filha de Rubens Paiva, Sandra Moreno, fundadora do Instituto ímpar e mãe da Ana Paula, e Eliana Vendramini, Coordenadora do Programa de Identificação e Localização de Desaparecidos, dados do G1

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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