Arte: Yasmin Araújo
Pelé recebe a bola na pequena área. Sem deixá-la tocar no chão, ele aplica um “chapéu” no zagueiro, chuta a bola ainda no ar e marca seu primeiro gol na final da Copa do Mundo de 1958, que rendeu o primeiro título mundial ao Brasil. Aquela seleção ficou marcada por seu futebol mágico e ofensivo, representado pelo Rei do Futebol e, também, por outros jogadores negros, como Garrincha, Didi e Djalma Santos.
Mesmo responsáveis por garantir um espetáculo ao público durante os jogos, esses atletas tiveram que driblar o racismo para garantir seu lugar no pódio – uma metáfora com um fundo de verdade. Isso porque, quando negros e brancos passam a jogar juntos, com a profissionalização do futebol na década de 30, o preconceito racial é transportado para os campos. Havia pouca tolerância para o “tranco”, o contato entre oponentes. Para os negros, o mínimo toque significava punição, que, muitas vezes, vinha na forma de violência física.
É, então, que o drible adquire um significado histórico, afirma Mauricio Murad, fundador do Núcleo de Sociologia do Futebol da UERJ. Em suas pesquisas, ele concluiu que o drible era usado como um instrumento de resistência dos jogadores negros contra o racismo dentro de campo, já que, com sua ginga, eles evitavam tocar no oponente branco.
De estratégia de sobrevivência, ao longo do século XX, o drible virou paixão nacional e contribuiu para a construção do estilo de jogar espontâneo do brasileiro. O Rei Pelé jogou sua última Copa do Mundo em 1970, que rendeu ao Brasil o tricampeonato. O racismo só passou a ser considerado um crime por lei, na Constituição de 1988, 18 anos depois.
De lá para cá, o Brasil foi campeão do mundo mais duas vezes, em 1994 e 2002, mas segue perdendo a partida contra o racismo. Segundo o Observatório da Discriminação Racial, em pesquisa realizada entre julho e agosto de 2023, 41,8% dos trabalhadores negros do futebol disseram terem sido vítimas de racismo durante o exercício de atividade relacionada ao esporte. Em 2022, foram 111 casos noticiados pela mídia brasileira. Dentro de campo, muitos ainda precisam encontrar formas de dar uma “caneta” no preconceito, que não se resolve com um simples cartão vermelho.
Colaboradores: Fábio Nunes, treinador; Fernando Lourenço, historiador; Gabriela Leveque, atleta; Paolo Demuru, pesquisador.