“Ultraprocessados” são produtos alimentícios mais do que industrializados, com ingredientes feitos em laboratório. Hiperpalatáveis, têm texturas e sabores sempre idênticos, nunca menos adocicados do que o último pacote. O excesso dos realçadores de sabor açúcar, gordura e glutamato monossódico define o “gostinho de infância” pelo menos desde os anos 1980, quando os salgadinhos e sucos de pozinho entraram nas lancheiras, e os primeiros McDonald’s chegaram ao Brasil.
Hoje, o Ministério da Saúde considera os ultraprocessados impróprios até os dois anos de vida. Desde o leite materno, o paladar humano recebe melhor os sabores adocicados e gordurosos, e logo molda essa preferência mostrando resistência ao amargor dos vegetais. Na primeira lambida de um doce, os sensores na língua ativam o sistema de recompensa do cérebro, liberando a dopamina – ou “hormônio da felicidade”. Esse prazer bioquímico se prolonga na digestão do alimento, quando a glicose entra no sangue e chega ao cérebro.
“Mas ninguém come gordura e nutriente, a gente come comida”, diz a psicóloga Andressa Cardoso, especialista em transtornos alimentares. Ignorando o contexto cultural de estar à mesa, as refeições se reduzem ao consumo de componentes isolados, algo que se popularizou na alimentação ocidental desde os anos 2000. No rótulo, ultraprocessados destacam os nutrientes adicionados e subtraídos, como um cereal matinal pode afirmar ser “baixo em sódio e fortificado em vitamina B12”, sem revelar o excesso de açúcar e a carência de outros minerais.
Por mais nutritivo que ele prometa ser, apelar pela praticidade de um empacotado no caminho do trabalho, ao invés de comer um lanche in natura, pode levar à deficiência de nutrientes básicos. Sem tempo na rotina para cozinhar, 4 em cada 10 brasileiros já começam o dia com ultraprocessados no prato, em cafés da manhã apressados com achocolatados e bebidas lácteas. O consumo desses alimentos é inversamente associado, por exemplo, ao nível de vitamina B12 no organismo.
Essa vitamina é ao menos 4 vezes menos abundante em ultraprocessados do que em alimentos naturais e minimamente processados, como queijos e iogurtes. “A B12 nutre a mitocôndria, célula mãe do corpo, e manda energia para todas as funções cognitivas. A carência desta vitamina acomete as emoções com sintomas de ansiedade, estresse e depressão”, explica a nutricionista Juliana Chiquito. Segundo ela, essa deficiência nutricional pode ser mascarada com remédios psiquiátricos, mas resolvida com uma dieta balanceada, desembalando menos e descascando mais.
Colaboradores: Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS-FSP-USP), Fundação Oswaldo Cruz
POR TRÁS DO QUE VOCÊ COME
 
Por Mariana Rossi
 
Arte: Suelyton Viana
“Tá vendo esses cookies?”, pergunta Davi, segurando embalagens conhecidas de biscoito. Aqueles crocantes, com gotas de chocolate que derretem na boca e que dão vontade de comer só de lembrar. “Vou te provar que eles não são feitos de chocolate”, continua Davi, puxando o espectador para a realidade. Ele está certo: enquanto na frente do rótulo está escrito “cookie com gotas sabor chocolate”, atrás, na lista de ingredientes, descobre-se que o “sabor” é feito de açúcar e gordura vegetal – e nada de chocolate.
Esse é apenas um dos segredos nos rótulos dos alimentos que o gastrólogo e influencer Davi Laranjeira leva seu 1,3 milhão de seguidores a desvendar. Em 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) implementou mudanças na rotulagem para melhorar a qualidade das informações disponíveis. O destaque foi a adoção da lupa na parte frontal da embalagem, que revela se um produto é alto em sódio, açúcar ou gordura saturada. Ainda sem estudo oficial, ela já parece dar resultados.
Pesquisa da Bain & Company, publicada pela Folha de S. Paulo em março, revelou que 56% dos consumidores repararam no novo rótulo. Destes, 46% desistiram de comprar o produto ou pretendem reduzir o consumo – por mais delicioso que seja. Apesar do avanço, vídeos como o de Davi revelam que há ainda o que melhorar.
Para Mariana Ribeiro, analista de pesquisa do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), as novas regras ficaram aquém das evidências que a ciência já tinha no início das discussões, em 2014. A escolha da lupa em detrimento de outros símbolos de alerta, a comunicação falsa (como o “sabor” chocolate) e a lista de ingredientes em letras miúdas são apenas alguns dos mecanismos que mantêm os mistérios das prateleiras.
Como informação nunca é demais, a leitura do Guia Alimentar para a População Brasileira é recomendada, além da regra de ouro: evite os ultraprocessados. Para identificá-los, leia a lista de ingredientes. Nela, os elementos são declarados por sua proporção no produto, então, se começar com “açúcar”, vale a atenção, assim como a presença das palavras corantes, aromatizantes e edulcorantes (adoçantes).
Colaboradores: João Peres, co-fundador do Joio e o Trigo, Tiago Rauber, coordenador de Padrões e Regulação de Alimentos da ANVISA
Hemácias precisam comer
 
Por Marcela Campos
 
Perder peso é fetiche. A gente sabe que essa vontade não nasce conosco – em que ponto da vida você se tornou consciente da gordura que carregava? Ninguém sabe que é gordo até que seja notificado de tal. E aí, meu bem, aí não tem quem segure: na falta de pros na lista de pros e contras do sobrepeso charmoso, não há argumento possível que te faça ser aceito na panelinha do mundo que não seja “eu sei, estou de dieta”.
Sorte sua se o seu sangue for tipo O e você tiver uma desculpa pra gastar em bacalhau fora de épocas pascoais.
Explico: se você fizer melhor que a encomenda e não só disser que está de dieta, como que está fazendo a moderna dieta do tipo sanguíneo, deve, por direito, ganhar uma verba mensal pra comprar o peixe, além de carne de carneiro e óleo de linhaça. E cada tipo sanguíneo tem seus alimentos recomendados – seu corpo deve funcionar melhor e seu emagrecimento deve ser mais eficiente se você comê-los.
Não pretendo aqui governar verdades absolutas sobre teu corpo, até porque já tem pesquisa dizendo que isso tem nada com nada e não há evidência de que essa dieta funciona.
Bebê, tire suas próprias conclusões.
Tipo O
Será que são raivosos estes? Ansiosos? Cheios de gastrite? Talvez não. A questão é que produzem muito suco gástrico.
Proteína animal? Com certeza, mas, veja bem, carne bovina ou a chiquetosa carne de carneiro. Bacalhau também pode. Junto da mistura, delicie-se de abóbora, brócolis, batata-doce banhados no azeite ou no óleo de linhaça.
De sobremesa vai uma frutinha: ameixa, figo, goiaba. A que estiver mais bonita na banca da feira.
Lactose? Nada.
Tipo A
Quase nada de suco gástrico, quase nada de proteína animal. Quase lactovegetariano, não fizesse a lactose mal pra eles também.
Se no café da manhã a aveia cai bem, no almoço o salmão e o bacalhau aqui podem trazer benefício, e dá pra juntar a cenoura, a couve, a lentilha e até o feijão azuki, bonito de se ver.
Cereja, limão, damasco e amendoim são luxos, junto com vinho tinto e café. Aproveite.
Tipo B
Vem, lactose! Aqui fazes a festa. Até a coalhada tem lugar no prato.
Se come até sardinha, pode economizar nas compras, mas, se optar pelas carnes, preste atenção: carneiro e cordeiro são indicados, mas não vão sair baratos.
Vá de curry, salsa e raiz-forte pra temperar o inhame, a beterraba, a berinjela e o feijão mulatinho.
O abacaxi pode finalizar, trazendo doce pra boca, assim como a banana, a melancia, a papaia. Uh, a papaia!
Tipo AB
O melhor de dois mundos. Coisa linda! Mas sem carne, hein? Se não resistires, fica no carneiro e no cordeiro. Ou no peru.
Só pra ti o arroz faz bem – seja branco, integral… Acompanhado de couve-flor, acelga e, veja só, soja! Atum, salmão e sardinha também estão no jogo. Ah, e abuse dos laticínios!
Vinho tinto é o luxo. Aproveite.
O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.