
Corpos entrelaçados, respiração pesada e closes estratégicos. Uma cena de sexo pronta deve ser imersiva ao espectador. Apesar disso, “a sensualidade cênica é toda coreografada. Ao contrário de outros tipos de cena, onde o improviso é comum, se você faz uma coisa fora do previsto, pode ficar falso, não vender para a câmera ou ultrapassar os limites dos seus colegas”, conta Guilherme Senna, ator e coordenador de intimidade.
“Consentimento” é a palavra imperativa da intimidade cênica. “A gente costuma ser bem recebido pelos atores. Às vezes alguns até mesmo percebem durante a nossa conversa inicial que passaram por situações que não deveriam”, conta Ariela Goldmann, também diretora e coordenadora de intimidade. Para Senna, “o exercício para o ator é entender o personagem, quem é aquela pessoa. Nós montamos a coreografia em conjunto, tudo combinado e conversado. Atuando, é melhor já ter essa parte física bem resolvida e poder concentrar em outros aspectos da verdade cênica”.
A coordenação de intimidade recebeu reconhecimento há aproximadamente dez anos com o movimento MeToo, conforme Ariela, que está na função desde 2000. “Diretores me pediam para organizar essas cenas. Então eu fui fazendo, achando um jeito próprio. Nós dirigimos e organizamos as cenas para que sirva à narrativa e o tom e a estética da obra, sempre garantindo a segurança dos atores.” Atualmente, já existem cursos e manuais de como se faz esse trabalho, mas Guilherme também teve que aprender com a mão na massa e revela que conhece pouquíssimos profissionais no Brasil.
Mesmo com crescente profissionalismo e cuidado por trás da produção do sexo nas telas, a reação cultural é menos receptiva. Na internet brasileira, um mero tweet de 2022 pedindo por um “botão de pular cenas de sexo” foi responsável pela popularização do debate e sua discussão na grande imprensa. O caso americano é mais acentuado, com um declínio de 40% da nudez e sexo em filmes produzidos em Hollywood. Desde então, é um tópico dentro do roda a roda de pautas recorrentes na mídia.
Goldmann considera o momento cultural neo-conservador “uma pena, mas acho que isso vai se agudizar. Também tem outro elemento muito rápido e muito forte, que é a rede social e a perda do corpo. Ou seja, a ideia do corpo e do rosto como uma imagem. Isso é o anti-erotismo total. E eu percebi até em alguns atores, que existe menor costume com o toque”. Essa tendência cria um obstáculo não apenas à possibilidade de haver cenas de sexo na tela, mas também à segurança e conforto no set. Senna diz que “quando é tudo pelo não dito é muito mais perigoso, pode trazer constrangimento”.
O fenômeno é, aliás, atípico no Brasil, que tem obras eróticas desde o início de sua história audiovisual. “Desde os anos 1920, a nudez feminina e o sexo são considerados um ‘valor de mercado’. Os filmes eróticos lotavam salas com o público masculino”, diz Carlos Augusto Calil, cineasta e atual Secretário Municipal de Cultura de São Paulo.
Porém, “os tempos mudaram, os jovens são muito menos interessados em conteúdo erótico do que a minha geração, por exemplo. O pornô é facilmente acessível, banalizou o erotismo. Ele não é mais um valor de mercado, nem na grande indústria nem no contexto brasileiro”, complementa Calil.