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humanidade

 

Por Ingrid Gonzaga e Julia Estanislau

 
Arte: Billie C. Fernandes

A “vontade de existir em luta contra a rigidez dos esquemas lógicos, a inércia do passado que oprime o presente, a negatividade total da história”. Foi assim que o crítico de arte Giulio Carlo Argan descreveu o sentimento de artistas que, no século 20, passaram a fazer arte com um intuito único: expressar-se.

Ao romper com o passado, a preocupação em captar o mundo exterior como ele é foi deixada para trás, e a importância dada a como esse mundo é visto passou a ser a regra. Naquele momento, o que estava em pauta era nada menos que a comunicação. A necessidade de expressar o que se pensa e sente sobre a realidade, seja ela qual for, da maneira que preferir.  

O claro! Expressão pretende ter um olhar semelhante. Entendendo que as formas de manifestação são tão diversas quanto nós mesmos, esta edição quer explorar as maneiras plurais por meio das quais podemos pintar a realidade com um pouco de cada “eu”. Por que temos esse ímpeto? Como o fazemos? E se não formos compreendidos ou capazes de compreender?

Os expressionistas não foram os primeiros a darem voz aos seus sentimentos. A inclinação à introspecção, a manifestação das emoções, como externalizá-las e a expectativa da recepção são características do ser humano desde que o mundo é mundo. 

Por meio da arte, da escrita, das roupas, dos grandes — ou pequenos — gestos, da opinião, da fisionomia ou da fisiologia. O que está em pauta são as pessoas, suas diferenças e tudo o que deriva disso. E você, leitor, é o convidado para compor conosco este sentimento que é de todos nós.

Expediente – Reitor: Carlos Gilberto Carlotti Junior. Diretora da ECA-USP: Brasilina Passarelli. Chefe do departamento: Luciano Guimarães. Professora responsável: Eun Yung Park. Capa: Júlia Galvão. Editoras de conteúdo: Ingrid Gonzaga e Julia Estanislau. Editora de Arte: Júlia Galvão. Editora Online: Camilly Rosaboni. Ilustradores: Billie C. Fernandes e Ca Andrade. Diagramadores: Bárbara Bigas, Beatriz Pecinato, Cecília de O. Freitas, Ester de Brito, Júlia Moreira e Tulio Gonzaga. Redação: Alessandra Ueno, Camila Sales, Carolina Sena, Gustavo R. Silva, Julia Ayumi, Maria Fernanda Barros, Mariana Rossi, Nicolas Coelho, Raquel Tiemi, Luana Takahashi e Suelyton Viana. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, prédio 2 – Cidade Universitária, São Paulo, SP, 05508 920. Telefone: (11) 3091- 4112. O Claro! é produzido pelos alunos do sexto semestre de Jornalismo como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso-Suplemento.

a primeira expressão!

 

Por Alessandra Ueno

 
Arte: Billie C. Fernandes

Todos já choraram ao menos uma vez na vida, nem que apenas quando recém-nascidos. Essa é a primeira forma de expressão que todo ser humano, sem falta, mostra para o mundo. Para os médicos, é quase como se o bebê falasse “nasci e estou bem”. Para o pequeno, é a forma de dizer que ele está com medo, que o ambiente é estranho quando comparado ao calor do útero materno.

Por si só, o choro é uma forma de comunicação. Mas não são só os bebês que, por falta de ferramentas mais elaboradas, encontraram outras maneiras de se comunicar. As pinturas rupestres, por exemplo, eram uma forma de retratar os eventos, o cotidiano, os animais da convivência dos antepassados. 

Já a escrita sistematizada, que deu as caras na região da Mesopotâmia — o “berço da civilização” —, surgiu junto aos famosos hieróglifos, que estavam no Egito, só por volta de 3.500 a.C.

Quem vê essas manifestações consegue, assim como quem analisa as lágrimas de um recém-nascido, interpretar algo e receber alguma mensagem — logo, há um tipo de comunicação.

Thalles, de apenas um mês, “se comunica do jeitinho dele”, conta Manuella, mãe de primeira viagem. Ele chora, seja quando tem fome, um barulho alto que machuca seus ouvidos, uma luz forte demais para seus pequenos olhos que mal abrem. Mas por que ele, mesmo sem saber fazer pinturas rupestres, escrita sistematizada e hieróglifos — técnicas de comunicação que consideramos mais avançadas —, acha uma maneira de demonstrar o que sente?

O incômodo, o choro como alerta, o riso como sinal de felicidade, o grito como desespero: só faz sentido se comunicar se existir alguém para responder. Às vezes nem é preciso uma resposta, apenas a sensação de possivelmente ser ouvido. “A expressão não é condição para a existência da comunicação, ela só vai existir quando a minha existência, o meu lugar no mundo, for reconhecido pelo outro”, diz Claudenir Modolo, doutor em Ciências da Comunicação. 

Nesse contexto, a razão de nos comunicarmos seria a alteridade, reconhecer o outro é o que torna isso possível. Apenas se expressar, não é, necessariamente, comunicação. Na essência, ela nos tira de uma solidão, um fechamento em nós mesmos, um egoísmo.

E, sim, quando Manuella diz “quando meu filho sorri, mesmo que talvez seja um espasmo, me emociona, dá vontade de chorar”, é uma forma de comunicação. A mãe encontra, nas expressões do filho, tudo o que precisa para interpretá-lo até ele aprender as pinturas, a escrita e a fala.

toda forma de viver o amor

 

Por Mariana Rossi

 
Arte: Ca Andrade

Textos de amor costumam ser clichês, e este queria começar diferente. Mas os últimos românticos continuam por aí. 

Se o futebol está ligado à emoção, imagine para Lucas Herrero e Isabelly Morais. Repórter e narradora esportivos, se conheceram pelo futebol. O pedido de casamento, é claro, tinha que ter relação com a paixão: foi em pleno Santiago Bernabéu, estádio do Real Madrid, durante um Real x Barcelona. 

Um lugar especial também foi palco — literalmente — do pedido de casamento do agrônomo Jonas Pagassini e da designer Beatriz Burgo. Diante da plateia do Rock In Rio, ele fez o pedido sob o olhar de Billie Joe Armstrong, vocalista do Green Day. A banda, por sinal, foi o que fez o casal se conhecer no Orkut. 

Esses pedidos parecem cena de filme, até porque não foram poucas as vezes em que as telonas retrataram surpresas deliciosas do amor — e que mexeram com o imaginário do espectador. O ideal de amor romântico entrou de vez na sociedade a partir da década de 1940, incentivado pelos famosos filmes de Hollywood.

Essa indústria prescreve um receituário do mundo afetivo, explica a cientista social Thaís Caetano de Souza: “Novelas e filmes marcam o ideal de amor. É adrenalina, aventura, e também sofrimento, uma pitada de ciúmes. De certa forma eles homogeneizam a forma de entender e viver o amor”. E há também retorno financeiro. Uma pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) apontou que o Dia dos Namorados movimentou R$ 2,59 bilhões no país só em 2024.

O problema não está nos clichês, mas na frustração ao ser confrontado com a realidade. “O amor romântico é um conjunto de expectativas que eu considero prejudiciais, porque ele é calcado na idealização”, explica a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins. “A boa notícia é que esse tipo de amor está dando sinais de sair de cena, por conta da busca de maior individualidade”, completa a autora de Novas Formas de Amar.

Aos apaixonados, calma! Isso não significa abandonar o romantismo diário. E disso, as estudantes Olívia Amorim e Isabella Sasso sabem. Apesar da rotina corrida, mensagens e carinhos nunca faltam. Tampouco no estrogonofe quentinho que Lucas comeu após um dia cansativo e nas danças sem música de Beatriz e Jonas.“Grandes ou pequenas, todas as demonstrações têm seu valor”, resume Isabella.

vende-se arte

 

Por Carolina Sena

 
Arte: Ca Andrade

Apontar o exato motivo que levou alguém a começar a comprar obras de arte é uma tarefa complicada. Existem os que compram por decoração, outros que compram por investimento, e ainda, os que fazem disso um hobby.

Gerson Gatti,  63 anos, acumulou aproximadamente mil peças na sua coleção, mas não tem preferências específicas por estilo ou época, além da admiração clara pela arte brasileira, por Cândido Portinari e um certo distanciamento de produções contemporâneas.

As aquisições de seu ciclo social podem parecer um pouco aleatórias. Quando vão para um leilão, a busca é pela oportunidade de um bom negócio. Muitas vezes nem sabem exatamente a origem de uma obra. A experiência para reconhecer as produções que valem a pena é o que conta.

Hoje, a presença do art advisor facilita esse processo. Ele representa um professor, assistente, catalogador e especialista na mesma figura, proporcionando tanto uma segurança maior para iniciantes quanto um apoio para pessoas experientes poderem trabalhar em seu acervo.

A profissão alterou a prática de um passatempo que poderia custar muito, não só monetariamente. O esforço de entender o recorte histórico que uma obra se encaixa e seu valor foi superado. Tornar-se um bom comprador de peças sozinho pode levar tanto tempo quanto uma graduação.

A maneira de vender também mudou. A galerista Antonia Bergamin ressalta que as redes sociais têm se mostrado fundamentais como um recurso para a conexão com novos compradores não tradicionais. O desejo de encontrar pessoalmente aquilo que chamou atenção num post é motivador.

A modalidade de venda online cresceu expressivamente na primeira metade de 2020, quando 37% das vendas totais foram feitas pela internet, segundo os relatórios do mercado da arte produzidos pela Art Basel e o banco UBS. Mesmo com a recessão do mercado em geral, a versão sobre 2023 demonstra um crescimento de 7% nesse tipo de transação em relação a 2022.

Colaboradores 

Gerson Gatti
Antonia Bergamin

compra-se a flor da idade

 

Por Suelyton Viana

 
Arte: Ca Andrade

A juventude é a fragrância mais especial que a natureza te dá. Ao passar pela rua, uma brisa bate no seu cabelo e não é apenas o vento que te cerca ali, também tem suspiros de desejo e olhares admirados de quem quer a maciez passageira da sua pele. Na canção “Flor da Idade”, Chico Buarque sintetiza esse sentimento vivenciado principalmente por mulheres de modo precoce: “A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia/Pra ver Maria”.

Com o passar dos anos, toda essa atenção começa a ficar embaçada, até que o corpo feminino, antes um objeto de fetiche, deixe de ser admirado. A assessora de imprensa Adriana, de 54 anos, sabe bem o que é isso. Entre algumas das situações que enfrenta por envelhecer, ela conta como foi chamada, de forma ofensiva, de “velha” pelo ex-marido e como ela e o grupo de amigas são alvos frequentes de etarismo.

Obstinada com a ideia de se manter jovem, já se submeteu a aplicações de botox e preenchimento facial. O rosto menos marcado a deixou satisfeita pelo tratamento diferente que recebeu. A voz da loira, carregada de um sotaque carioca, fica afável ao replicar os elogios que recebeu após as intervenções: “Tá mais bonita, a tua pele tá ótima. Tá muito bem para tua idade.”

A preocupação com retardar o tempo começou mais cedo para Giuliana, influenciadora nove anos mais nova que Adriana. No Instagram, ela mostra animada algumas de suas idas a uma clínica dermatológica para seus 53 mil seguidores. Atribui a busca por um rosto mais jovial à rapidez do envelhecimento do corpo feminino e à comparação com outras mulheres.

Além disso, revela já ter feito botox, preenchimento com ácido hialurônico e jato de plasma, e que o investimento para se manter bonita é recompensado por mais oportunidades de trabalho na internet.

Popularizados e aperfeiçoados com a ajuda das redes sociais, harmonização orofacial, botox, preenchimentos, peelings e bioestimuladores de colágeno são alguns dos procedimentos atuais que tentam encapsular a essência da juventude. Produtos de uma área com grande investimento tecnológico simbolizam o futuro em avanço para interessados em vivenciar de novo a flor da idade.

Colaboradores:

Elisete Crocco, Juliana Jardim, Marília Afonso Rabelo Buzalaf e Sociedade Brasileira de Dermatologia

meu primeiro corretivo

 

Por Camila Sales

 
Arte: Ca Andrade

Os ávidos consumidores de produtos de beleza talvez já tenham ido em alguma loja de maquiagem e reparado na empolgação das meninas de 7 a 12 anos. A Geração Alpha se esbalda em meio aos testers, passando o gloss de um, o pó de outro, uma base em cada lado do rosto. Em geral, são acompanhadas por um adulto exclamando “espera, não passa direto na boca!”.

São cenas comuns nas lojas da Sephora, onde estão algumas das marcas mais celebradas nas redes sociais. A projeção de crescimento para o mercado de beleza global é de cerca de 5% ao ano até 2031, quando acumulará um capital de 663 bilhões de dólares, nos números da Transparency Market Research. Esse fenômeno jovem viral que se espalhou pelo mundo foi apelidado de “Sephora Kids”.

Mas o apelo ao público infantil não é exclusividade das marcas mais luxuosas. Lojinhas por aí compilam tudo que é sonho de consumo da criança que começa a se enxergar como “mocinha”: chaveiros fofos, tiaras brilhantes, maquiagens rosa e skincare baratinho.

A vontade de se sentir adulto é uma parte totalmente normal da infância, já que nessa fase a repetição de comportamentos faz parte do processo de aprendizado, como explica Danielle Adnomi, psiquiatra da infância e adolescência.

Antes, o ato de observar a mãe se pintar, numa cena quase ritualística, agora é uma menina assistindo a uma digital influencer descrever em detalhes o quão magnífico é aquele produto para o qual ela está fazendo “publi”.

Os números refletem também um fenômeno cultural. A consultoria Kantar Brasil mostrou que, para garotas de 11 a 16 anos, as preocupações e inseguranças cresceram entre 2022 e 2023, como o medo da pele cansada e sem brilho, ou das rugas e linhas de expressão. De um ano para o outro, 14% a mais passaram a procurar recomendações de produtos de beleza nas redes sociais.

A pediatra Paula Lenfers define entre o saudável e o problemático desta maneira: “É perigoso quando vira ‘eu preciso passar isso [o produto] para estar bonita’”. A partir daí, podem ser gerados transtornos de imagem, sexualização e, inclusive, culminar em puberdade precoce. Paula orienta que passar maquiagem, se arrumar e se cuidar são atividades que precisam manter sempre o tom lúdico, uma brincadeira de experimentação.

Colaboradores

José Roberto Fraga, dermatologista

Joana Darc Diniz, diretora científica da Sociedade Brasileira de Medicina Estética

notícia sob medida

 

Por Júlia Ayumi e Raquel Tiemi

 
Arte: Billie C. Fernandes

Quanto tempo do seu dia você dedica à leitura de uma notícia completa? Refletindo sobre sua rotina, perceberá que passa muito tempo nas redes sociais, mas raramente lê uma reportagem até o fim. O que talvez não saiba é que veículos de mídia monitoram como você consome conteúdos jornalísticos.

Esse é o trabalho de Camila Marques, editora de digital e audiência da Folha de S. Paulo. Todo dia, ela acessa as métricas de engajamento do jornal, atualizadas a cada três segundos: matéria mais acessada, tempo de leitura, duração da interatividade. A partir disso, Camila traça estratégias para ampliar essa audiência.

Em contrapartida, o jornalismo tradicional é ensinado a se expressar sem depender do interesse do público, e sim a partir do interesse público –  temas importantes que impactam a sociedade. Mas a oposição maniqueísta, que separa esses dois elementos, já não faz sentido. Na era digital, o conteúdo é distribuído por meio de algoritmos que criam bolhas sociais e o jornalismo precisa encontrar formas de atingir o seu público para sobreviver.

Marcel Hartmann, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que esses dois fatores podem se equilibrar e dialogar. Com uma maior horizontalização na escolha de pautas, o jornalista deve entender as demandas do público, e não se isolar de seus leitores.

Dentro desse diálogo, o uso de pautas pop, tão demonizadas pelo jornalismo, também foge dessa lógica maniqueísta. O entretenimento, como forma de informar e de se aproximar do interesse do público, permite que o jornalismo tenha a oportunidade de não se isolar em preceitos moralistas.

A participação do público é importante para entender como o jornal pode melhorar sua performance, mas manter sua independência. Marina Dias, chefe de comunicação da Agência Pública, conta que há uma postura de ouvir e entender críticas construtivas, mas se mantém resiliente diante de opiniões negativas a pautas essenciais à sociedade.

Com a perda do monopólio da informação e disputa pela atenção nas redes sociais, o jornalismo precisa aprender as regras das plataformas. O SEO (Search Engine Optimization), por exemplo, melhora o ranqueamento dos textos.

Para isso, Eliseu Barreira Junior, head de digital na Globo, aponta um caminho. O modelo user needs do jornalista da BBC Dmitry Shishkin propõe entender as necessidades do público para que o jornalismo tenha seu melhor desempenho ao informar e apresentar diversas perspectivas. Um leitor que procura se manter atualizado, por exemplo, pode promover uma cobertura contínua de um determinado fato e seus desdobramentos.

Se você procurasse termos como interesse público ou jornalismo, talvez esse texto fosse sugerido para você. Por outro lado, caso o seu algoritmo não esteja adaptado a esse tema, talvez você nunca o encontre.

todo mundo perdeu?

 

Por Gustavo Roberto da Silva

 
Arte: Billie C. Fernandes

No longínquo 2010, quando a internet ainda se difundia no Brasil, a então presidente Dilma Rousseff deu uma entrevista que se tornaria um dos memes mais virais dos anos seguintes, com quase 3 milhões de visualizações no Youtube. “Não acho que nem quem ganhar ou quem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”.

Hoje a fala pode ter um tom profético, mas na época era só um dos tantos memes que ironizavam a presidente. A zoação com políticos não era novidade. Na televisão, o finado Casseta & Planeta já fazia isso em 1992, zombando das suspeitas de corrupção no governo do ex-presidente Fernando Collor.

“O humor é algo muito antigo, mas o meme é uma forma de expressão que alia não só humor, mas também tem um pé na realidade que as pessoas conhecem. Por isso faz tanto sucesso”, afirma Rodrigo Carreiro, doutor em Comunicação pela UFBA.

Segundo uma pesquisa de 2019 do DataSenado, 45% da população teve o voto influenciado pelas redes. No ano anterior, Jair Bolsonaro foi eleito presidente após utilizar memes para viralizar em redes sociais como Facebook, Twitter e Youtube, nas quais possuía conta desde 2009.

Para Carreiro, o funcionamento da internet é dinâmico e os memes virais são como ondas que se aproveitam de acontecimentos do dia a dia e se acumulam. “Quanto mais tempo ela se dissipa, maior volume de conteúdo ela gerou para impactar uma eleição”, diz.

Uma das ondas mais recentes afogou o ministro Fernando Haddad, que virou “Taxad”, “Zé do Taxão” e até mesmo “Taxa Humana”, após o fim da isenção de tributos para compras internacionais.

Para Honorato, criador de alguns desses memes, a ideia é criticar o que ele discorda em tom de brincadeira. Seu conteúdo começou a viralizar durante o governo Bolsonaro. “A impressão que eu tenho é que a esquerda faz memes mais voltados para a elite, enquanto a direita consegue alcançar o povão”, afirma.

Para Marcos Nobre, autor do livro Limites da democracia: De junho de 2013 ao governo Bolsonaro, os memes de direita são beneficiados pela forma como a rede espalha os conteúdos. “Essa capacidade de mobilização da extrema-direita tem a ver com o algoritmo. Eles não têm nenhum tipo de limite na zoação, fazem memes abertamente preconceituosos e essa radicalização traz cliques”, diz.

o plural da palavra gênero

 

Por Maria Fernanda Barros

 
Arte: Ca Andrade

Em um escritório de São Paulo, o que determina o revezamento do trabalho presencial de cada servidor público é o gênero. Em certos dias, vão apenas os homens. Apenas os homens e Yuri.

Para os seus colegas de trabalho e boa parte da sociedade, é isso que Yuri é: um homem. Identificação que desembrulha frustrações nessa pessoa que nunca conseguiu obedecer aos estereótipos do gênero masculino. Sem compreender muito bem a nomenclatura “LGBTQIAPN+”, Yuri elaborou uma definição para conseguir expressar a sensação de disforia: “sou agnóstico de gênero”.

Embora não utilizem o mesmo termo que Yuri, cerca de 4 milhões de cidadãos brasileiros também declaram que não se identificam com o gênero atribuído no nascimento, segundo pesquisa realizada pela Unesp. Junto com Yuri, Ted e Madu são outros exemplos. Os três não se conhecem, mas compartilham vivências parecidas.

Escolher entre ser homem ou mulher nunca fez sentido para Ted, nem quando o assunto era decidir qual porta de banheiro abrir ou qual roupa vestir. Quando se formou na escola e teve as primeiras interações com pessoas que tampouco se veem representadas pela definição de homem e mulher, se declarou como queer. O termo era considerado um insulto até a década de 90, mas foi ressignificado e passou a englobar todas as expressões que não correspondem às expectativas binárias.

“Por mais que eu sentisse, já na infância, que eu não era nem isso, nem aquilo, não tinha liberdade de falar sobre”, relata Ted. A importância de discutir o assunto também é clara para Madu, que acompanhou a namorada transicionar para o gênero masculino e depois retornar ao feminino. Foi assim que percebeu que não existem regras para a expressão da própria identidade, e passou a se enxergar fora da divisão entre masculino e feminino: “sempre tentei me encaixar em algum lugar, mas acabei não me encaixando em nenhum”.

No caso de Yuri, foram os momentos de sociabilidade que deixaram à flor da pele o seu sentimento de desencaixe. “Quando os caras querem falar sobre mulher, carro ou futebol, não sei reagir. Nunca soube me expressar de forma máscula o suficiente”, relata.

Um dia, Yuri, Ted e Madu pararam de tentar se expressar por meio do masculino ou feminino. Enquanto Yuri desenvolveu o conceito de “agnóstico de gênero”, Ted passou a conciliar o cabelo raspado com as saias, que às vezes também são calças largas. E Madu percebeu que nada estava errado na sua “vontade de ser um menino” durante a infância e em seu concomitante apreço por penteados e vestidos.

Colaboradores:
Histórias de Madu Beltran, Ted Sá e Yuri Cortez.
Carla Françoia, psicóloga clínica e doutora em Filosofia pela PUC Paraná
Kris de Oliveira, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp

desvendando sinais

 

Por Luana Takahashi

 
Arte: Billie C. Fernandes

Quando criança, Alexandre tinha o cabelo comprido até os ombros, o rosto era liso e a voz oscilava em agudos. Um dia, andando pelos corredores labirínticos de um mercado, ele procurava por macarrão. Decidiu abordar uma funcionária, mas foi ela a perguntar primeiro: ”Nossa, você é um menino ou uma menina!?”. ”Tenho doze anos”, respondeu.

Após 32 anos, hoje psiquiatra e diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), Alexandre Valverde relembra o episódio. Como neurodivergente, não decifrou a malícia no questionamento da mulher. Depois, até ensaiou boas respostas, mas já era tempo perdido.

Para ele e para alguns de seus pacientes autistas, ler expressões faciais, captar intenções e decodificar uma mensagem são entraves em diálogos. “Enquanto neurotípicos veem o sorriso que a pessoa deu, observo a piscada, a mexida no cabelo, a coçada na cabeça’’, relatou. É uma avalanche de informações que invade suas mentes. O psiquiatra esclarece que o excesso dificulta reconhecer o que é relevante para entender uma sutileza da comunicação.

O sentimento de também não serem compreendidos parece ser uma realidade. Há os que relatam não conseguir mostrar de forma coerente o que sentem. “Às vezes em uma situação de tensão, ao invés de chorar ou ficar irritado, eu gargalho’’, fala Alexandre. A incongruência entre uma expressão e como ela é lida socialmente pode gerar ruídos em interações.

Crianças autistas enfrentam a incompreensão de forma ainda mais intensa. Rafael Ganzer, pai de dois filhos com autismo, conta que o filho de 4 anos costuma apontar para figuras e objetos para manifestar seus desejos. Quando o pai altera o trajeto de volta da escola para casa, gritar e bater são as primeiras reações do menino para dizer que desaprova a mudança.

Essas dificuldades sociais estão relacionadas a anatomia atípica do cérebro de pacientes do Espectro. É o que diz um estudo de imagens cerebrais feito por Monica Zilbovicius, psiquiatra e pesquisadora do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica da França, em 2004.

A alteração está mais especificamente no lobo temporal, próximo às orelhas. A médica explica que a região é essencial para percepção de estímulos sociais. Os exames, no entanto, perceberam que as funções dessa zona do cérebro em voluntários autistas são afetadas devido ao baixo consumo de energia entre ligações de neurônios e a uma menor quantidade de massa cinzenta.

Entre erros e acertos, Rafael precisou aprender a ler os filhos, e teve dificuldades principalmente com o primeiro. Agora, durante as crises do menor, ele se ajoelha, olha em seus olhos, o abraça até que se acalme e acolhe o que está sendo expresso.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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