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A elipse do feminino

 

Por Carolina Ingizza

 

Você acha que a mulher se assemelha ao lobo? Para Clarissa Pinkola Estés, psicóloga junguiana, essa comparação faz bastante sentido. Em seu livro “Mulheres que Correm com os Lobos”, de 1992, ela defende essa ideia e propõe maneiras de reaproximar a mulher de seu lado “selvagem”.

 

Por ser da corrente junguiana (também conhecida psicologia analítica), Clarissa trabalha com conceitos introduzidos por Carl Gustav Jung, como a noção de arquétipo — que para o teórico, é a base psíquica de tudo que existe no mundo, uma espécie de modelo inicial das coisas que nos permite reconhecer e reproduzir tudo.

 

A autora, por sua vez, escolhe trabalhar especificamente com o arquétipo da Mulher Selvagem, ilustrando-o através de contos que ela selecionou de várias culturas. Ao final de cada capítulo, ela faz uma análise interpretativa da história.

 

Com isso, Clarissa quer que os aspectos da mulher selvagem voltem a fazer parte da cultura, segundo conta a psicóloga Telma Chirosa. “A autora usa esse arquétipo para tentar retirar as camadas da cultura daquilo que enxergamos das mulheres. Ela quer mostrar que existe uma coisa mais profunda e antiga que diz o que é ser mulher. Algo relacionado a força, instinto, cuidado. Por isso ela recorre aos contos, ao animal, à intuição”.

 

Daniela Bernardes — psicóloga que trabalha com os contos selecionados por Clarissa — explica que o uso de lendas, mitologias e arquétipos é algo bastante comum para os seguidores de Jung. “Quando narro uma história ou um filme, costumo traçar uma conexão entre a vida da paciente e a do personagem. Às vezes não é preciso, pois a própria pessoa percebe as semelhanças, e quando isso ocorre, uma espécie de catarse acontece”.

 

Já a comparação entre mulher e lobo surgiu após Clarissa observar esses animais por alguns anos. Daniela conta que a escritora percebeu certa semelhança ao observar que os lobos vivem em famílias e cuidam uns dos outros, mas que nem por isso são frágeis. “É bem interessante esse acolhimento que há entre os lobos e que ela também vê nas mulheres. É um acolhimento relacionado à força”.

 

Ao longo do livro, a autora defende também que a mulher possui uma força inata que foi se perdendo ao longo do tempo. “Isso ocorreu muito com o fim das sociedades de organização matriarcal, porque nelas o feminino era sagrado, já que dava a vida”, diz Daniela. Ao entrar em sociedades patriarcais, para controlar a sexualidade e a força feminina, foi necessário afastar as mulheres do arquétipo da “Mulher Selvagem”.

 

Para Kátia Cunha, terapeuta e condutora de um grupo de análise do livro em Uberlândia, o livro é tão unânime na crítica por ser baseado na interpretação de contos. “É o que Umberto Eco chamou de “obra aberta”, aquela que tem uma “continuidade” com a participação do leitor e do público da obra de arte”.   

 

As leitoras, por sua vez, relatam ter superado fases complicadas da vida e contam que melhoraram sua percepção acerca de si mesma após a leitura. Lidia Helena, bancária, conta que o leu após um término de relacionamento difícil e que encarava os capítulos como soluções para cada problema da vida. “Vi naquele livro uma forma de libertação. A autora fala de como as mulheres vêm sendo oprimidas e obrigadas a viver algo que não desejam. Na época, antes do livro, não tinha idéia de que também vivia assim. Achava que era a única forma de se viver, agradando pais, chefes, namorados e a sociedade”.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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