Do desespero alheio, Carla Santos de Oliveira já viu muito nessa vida. Coletora de sangue há quase uma década em laboratórios de São Paulo, a enfermeira de 40 anos já atendeu pacientes o suficiente para entender que medo de sangue é coisa muito séria. Segundo relatos dela e de outros profissionais da área, tem muita, mas muita gente para quem a única coisa comparável ao tal do hemograma parece ser o apocalipse zumbi.
Quem trabalha com isso, por tabela, tem muitas histórias para contar. Histórias sobre o medo, sim – mas principalmente sobre como cada pessoa acaba arranjando um jeito único e completamente seu de lidar com ele. Aliás, como explica a psicanalista Paula Salomão, também não há resposta padrão para explicar a origem da fobia: na hora de o medo “nascer”, cada um faz à sua maneira. “Precisamos ter elementos da história do sujeito para entender de que forma a fobia se liga a ele”, explica. “A particularidade está no que o sujeito pode atribuir ao sangue, no caso. Dentro da narrativa dele”.
Apesar de não ser psicólogo, o aluno de biomedicina e também coletor Henrique Sokoloski já teve que lidar com os traumas de quem frequenta o Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba. “Um dia, chamei uma paciente e entrou um homem. Olhei na foto da identidade e fiquei confuso: ‘você é a Marina*?’, perguntei. Ele respondeu: ‘Não, ela é minha noiva. Queria saber se posso entrar com ela’. A Marina tinha 28 anos, e, além de acompanhada, entrou na sala de costas e com os olhos tampados. Ela chorava, chorava, chorava”, conta o estudante. “Quando fui começar a falar, eles me contaram que, mais nova, ela apanhava do pai, e sempre saía muito sangue”, lamenta. “Eu fiquei muito chocado”.
Ao longo da carreira, Carla também se deparou com muitas cenas inusitadas. Mas, felizmente, sem traumas: depois que passa o desespero, ela costuma inclusive extrair boas risadas da maioria delas. “Uma vez chegou um menino de mais ou menos 10 anos. Assim que fui procurar a veia dele, ele pediu pra parar – disse que precisava fazer um aquecimento. E começou a fazer vários exercícios na sala – abaixava, levantava, sentava, levantava de novo”, conta, sorrindo. “Já em um outro dia, teve uma moça, toda tatuada e cheia de piercings, dizendo que não conseguia nem pensar na agulha dentro da veia, do sangue dela. Ela falou que precisava deitar, fechar os olhos e se concentrar em comidas gostosas”, ri. “Muitas vezes, é só depois que as pessoas fazem coisas assim que elas ficam tranquilas o bastante para fazer a coleta”.
Medo de sangue é mesmo coisa muito séria. Mas, pelo menos para quem descobre o jeito certo de contorná-lo, há histórias comprovando que não precisa ser tanto assim; que há, no fim do túnel, uma maneira de manter a tranquilidade. Para quem ainda não encontrou esse caminho, quem sabe a melhor solução seja fazer como a Marina: saber que, até para o apocalipse zumbi que acontece diariamente em hospitais e laboratórios, podemos contar com a ajuda de uma companhia especial.