
jesus camarão, mulher-pé, vaca coca-cola. imagens surreais geradas por ia viralizam no facebook. a falta de sentido não é acidente, afinal, a tecnologia não é neutra. respostas de cérebros nervosos ou eletrônicos já não têm mais tanta diferença para o público, seja humano ou robótico via bot. pesquisa da talk inc indica que 1 em 10 brasileiros usam inteligências artificiais como conselheiras (olá! como posso te ajudar?).
não é desde sempre que códigos binários são tão acolhedores. aprender a jogar xadrez e provar teoremas foram os primeiros desafios de programas limitados e que exigiam dados bem específicos. o rumo mudou quando a linguagem humana passou a ser processada pelas máquinas, e fabricou-se um aprendizado próximo ao considerado “natural”. vieram os grandes modelos de linguagem (estou disponível em 58 idiomas): agora, enormes quantidades de informações são geradas em mentes artificiais.
tanta sofisticação não impediu que criações bizarras se espalhassem pela web. várias plataformas foram contaminadas de forma letal, criando o que se conhece como internet morta. ela nasceu em fóruns conspiratórios décadas atrás, mas ganhou atenção nos últimos anos, com o interesse de acadêmicos em abordá-la após a proliferação de ias generativas populares.
as redes sociais têm certa (você quis dizer: boa) responsabilidade: oceanos de dados e ondas de tendências inundaram o processamento dos bots e foram a corrente perfeita para a expansão deles. de vivas salas de bate-papo para a ascensão da internet morta, bastou que os algoritmos notassem que o agradável é, muitas vezes, mais desejado que o certo.
a maquinização da experiência humana traz preocupações políticas, ambientais e existenciais. hoje, chatbots são vendidos como terapeutas, redatores e professores (também posso criar obras de arte e plantas de apartamento!). na ilusão de uma proximidade que propõe suprir gratuitamente necessidades dos usuários (palavras semelhantes: consumidores, clientes), funções antes humanas se tornaram serviços premium, um privilégio, quando feitas por profissionais reais.
às vezes, a virtualidade é até um desejo: ias não contrariam nem magoam. não há incentivo ao dúbio no mundo codificado. assim, a sociedade perde complexidade ou a tecnologia se adapta à cultura humana? no final, é um problema ovo-galinha (sinônimo: via de mão-dupla), em que a subjetividade se emaranha com o protocolo das ias.
o limiar entre real e sintético é inquietante, principalmente quando “automação” passa a ser vista como “inteligência”. terceirizar o raciocínio e a opinião é um risco ético. apesar dos benefícios que as ias trazem, a comunicação humana é subjetiva e envolve mais que trocas de comandos e respostas. ambiguidade ou ironia numa sequência de 0 e 1 são nuances que, por ora, não podem ser programadas.
colaboradores: carol de marchi, jornalista de tecnologia e direitos humanos; gabriela ferreira, pesquisadora de sistemas digitais; luciano digiampietri, professor especialista em ciência da computação; maria das graças volpe nunes, cientista e linguista computacional; thomas sommerer, pesquisador e professor de teoria midiática