Linguagem não é regra de gramática. Mais que isso, ela é capacidade inerente que o ser humano tem de expressar pensamentos e sentimentos. Apesar da importância da linguagem para o funcionamento das coisas estar escancarada em todo o lugar, para todo mundo ver, o jeito que ela se cultiva no indivíduo é menos óbvio.
Paulo Ribeiro é estudante da Énois, escola de jornalismo para jovens entre 16 e 21 anos das periferias de São Paulo, que trabalha com a turma o desenvolvimento das ideias, pensando no jornalismo e na cidadania. Três vezes por semana durante dez meses, no período da tarde, ele vai para o sobrado a algumas esquinas de distância da estação Armênia do metrô ter aulas envolvendo técnicas do jornalismo, gramáticas e discussões políticas e sociais. Paulo explica que “a ideia da ÉNois é trazer a autonomia de busca de informação para uma parcela da população que ainda não a tem”. Essa autonomia está relacionada com o domínio da linguagem, ou seja, o desenvolvimento da capacidade de se expressar para poder lançar opiniões e exercer a função de cidadão.
Para uma pessoa desenvolver suas próprias ideias é preciso educação e reconhecimento de seu espaço como sujeito no mundo: entende-se as engrenagens para questioná-las. Feito isso, atinge-se a liberdade a partir da autonomia. Paulo Freire, em seu livro “Pedagogia da autonomia”, diz que “minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da história.” E completa que essa colocação de um indivíduo no mundo faz com que ele seja capaz de “valorar, intervir, de escolher, de decidir, de romper.” Na Énois, o curso é coordenado por uma jornalista e um psicólogo, esse último com a função de trazer a reflexão sobre o eu jornalista, o sujeito que está diante realidade com a intenção de reportá-la. Para Paulo, a presença do psicólogo é “um mistério, mas funciona”. A única sala de aula da escola, que comporta os dez alunos do curso, é informal, tem uma lousa que mistura anotações dos coordenadores e dos estudantes e a quantidade de puffs é a mesma que a de cadeiras. Em uma das paredes há cartazes com desenhos de mapas descrevendo aspectos subjetivos da periferia onde cada um mora, um exercício para um projeto prático que eles fazem, o Prato Firmeza, guia gastronômico das quebradas de São Paulo. Os rabiscos fazem o reconhecimento do espaço em que os estudantes vivem.
Depois que o espaço é entendido, é possível questioná-lo e expressar opiniões sobre. Não é a toa que Marcos Bagno, linguista brasileiro, trata de preconceitos e normas cultas e ocultas da língua como um estudo sociológico, considerando as interações entre indivíduos e comunidades. A linguagem é subjetiva e determinante para alguém se sentir autônomo e apto a exercer a cidadania.