logotipo do Claro!

 

Palavrões, palavrinhas e palavronas

 

Por Sofia Zizza

 
Arte: Bárbara Aguiar

Crianças gritando, conversas entre amigos, apresentações de música, batalhas de rima, ligações corporativas: todas essas formas de expressão compõem  uma infinidade de tipos de palavras, palavrões, palavrinhas e palavronas, que se misturam formando o todo que é a cidade de São Paulo. 

De acordo com um levantamento do Globo Gente de 2021, a capital paulista une mais de 70 nacionalidades distintas. Além dos gringos, 28% dos moradores da metrópole nasceram em outro estado do Brasil. Sem contar ainda os interioranos, os litorâneos, e os diferentes paulistanos da própria capital que formam a confluência entre “senhor” e “sinhô”, o “você” e o “cê”, o “tu”, o “meu”, o “mano” e o “meno”.

As diversas variações linguísticas, podem se distinguir de acordo com a região, estrato social e níveis de formalidade do falante, explica José Carlos Marques, professor de Língua Portuguesa na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Todas essas condições, juntamente com o vocabulário e sotaque da família, formam o jeito que o indivíduo fala e se expressa, afirma a fonoaudióloga Stella Welker. 

Mesmo antes da primeira palavra, a linguagem reflete de onde veio e como vive a pessoa que fala. A universitária Luana Sverzut conta que só quando foi estudar em São Paulo percebeu seu sotaque do R puxado do interiorrrrrrr paulista. Mas mesmo com suas raízes de São Carlos, se pega falando “mortandela”, “berinjeila” e “apartameintu” igual as “mina de sampa”, como dizia Rita Lee.

Além de individualmente, uma pessoa, quando fala, também expressa vontades, anseios e vivências do grupo em que está inserida. O juridiquês dos advogados, por exemplo, repleto de jargões e de termos pouco difundidos, é uma forma de manutenção do poder, de mostrar que tal grupo possui mais conhecimento que outro. Nem todo mundo entra em uma audiência jurídica sabendo o que significa “Habeas Corpus” ou entendendo perfeitamente o que significa quando seu “processo foi despachado.

Já no rap, nas batalhas de rima e nos slams, o dialeto periférico vem carregado de história e de resistência, na maioria das vezes menosprezado, negativado e até mesmo considerado impróprio. “Os palavrões são liberdade de expressão, são uma forma de desabafo de todo o sentimento carregado”, explica MC Ray, campeã da última edição da Batalha de Rima da USP.

A língua é viva e só tem sentido quando é utilizada, quando a voz de um toca o outro e esse outro entende, assimila, remodela e interage. A língua é um sopro que vai e vem, que agrega de tudo um pouco, o que é impróprio para uns e próprio para outros.

Colaboradores: Vinícius Silvério (Vulgo Marabá) e Gabriela Leão.

Esse é o meu lugar

 

Por Giovanna Wolf Tadini

 

Linguagem não é regra de gramática. Mais que isso, ela é capacidade inerente que o ser humano tem de expressar pensamentos e sentimentos. Apesar da importância da linguagem para o funcionamento das coisas estar escancarada em todo o lugar, para todo mundo ver, o jeito que ela se cultiva no indivíduo é menos óbvio.

Paulo Ribeiro é estudante da Énois, escola de jornalismo para jovens entre 16 e 21 anos das periferias de São Paulo, que trabalha com a turma o desenvolvimento das ideias, pensando no jornalismo e na cidadania. Três vezes por semana durante dez meses, no período da tarde, ele vai para o sobrado a algumas esquinas de distância da estação Armênia do metrô ter aulas envolvendo técnicas do jornalismo, gramáticas e discussões políticas e sociais. Paulo explica que “a ideia da ÉNois é trazer a autonomia de busca de informação para uma parcela da população que ainda não a tem”. Essa autonomia está relacionada com o domínio da linguagem, ou seja, o desenvolvimento da capacidade de se expressar para poder lançar opiniões e exercer a função de cidadão.

Para uma pessoa desenvolver suas próprias ideias é preciso educação e reconhecimento de seu espaço como sujeito no mundo: entende-se as engrenagens para questioná-las. Feito isso, atinge-se a liberdade a partir da autonomia. Paulo Freire, em seu livro “Pedagogia da autonomia”, diz que “minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da história.” E completa que essa colocação de um indivíduo no mundo faz com que ele seja capaz de “valorar, intervir, de escolher, de decidir, de romper.” Na Énois, o curso é coordenado por uma jornalista e um psicólogo, esse último com a função de trazer a reflexão sobre o eu jornalista, o sujeito que está diante realidade com a intenção de reportá-la. Para Paulo, a presença do psicólogo é “um mistério, mas funciona”. A única sala de aula da escola, que comporta os dez alunos do curso, é informal, tem uma lousa que mistura anotações dos coordenadores e dos estudantes e a quantidade de puffs é a mesma que a de cadeiras. Em uma das paredes há cartazes com desenhos de mapas descrevendo aspectos subjetivos da periferia onde cada um mora, um exercício para um projeto prático que eles fazem, o Prato Firmeza, guia gastronômico das quebradas de São Paulo. Os rabiscos fazem o reconhecimento do espaço em que os estudantes vivem.

Depois que o espaço é entendido, é possível questioná-lo e expressar opiniões sobre. Não é a toa que Marcos Bagno, linguista brasileiro, trata de preconceitos e normas cultas e ocultas da língua como um estudo sociológico, considerando as interações entre indivíduos e comunidades. A linguagem é subjetiva e determinante para alguém se sentir autônomo e apto a exercer a cidadania.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

Expediente

Contato

Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, Bloco A.

Cidade Universitária, São Paulo - SP CEP: 05508-900

Telefone: (11) 3091-4211

clarousp@gmail.com