Arte: Ester de Brito
Um assassinato é cometido e o assassino, arrependido, vai em busca de ajuda. E, para que ele tenha coragem de revelar seus segredos mais obscuros, precisa confiar que nada do que disser será ouvido por uma terceira pessoa. O sigilo é essencial.
A reação natural de muitos, ao ouvir o relato do crime cometido, seria a de contar às autoridades. Mas, profissionalmente, alguns ouvidos não têm essa permissão, podendo, salvo algumas exceções, somente aconselhar o confessante.
O assassino vai até uma igreja. “Perdoe-me, padre, pois eu pequei”, diz. Para os católicos, é essa a frase que inicia um processo de reconciliação com o divino. A confissão é o sacramento em que os pecadores contam aos padres suas faltas, para serem desculpados.
O Direito Canônico da Igreja Católica, conjunto de regras da instituição, em concordância da lei brasileira, proíbe os padres de revelar qualquer tópico dito no confessionário — a mera insinuação de algo confessado pode destituí-los de seus deveres como sacerdotes, se denunciados.
Ali, o próprio Deus, além do padre, é quem está na escuta. Mas nem tudo que é confessado é imediatamente absolvido e o sacerdote, nesse caso, instrui o pecador a pedir ajuda — uma que só encontrará fora dos limites da igreja. Instrução é, principalmente, o que o criminoso irá encontrar ao confessar seu crime a outros profissionais. O que talvez não encontre seja o sigilo absoluto, que obteve do padre.
Conversando com um psicólogo ou contando o que fez a um advogado, se algum deles julgar que há possibilidade de futuros prejuízos ao próprio assassino ou a terceiros, o segredo pode ser revelado às autoridades, como previsto nos códigos de ética de ambas as profissões. O criminoso, nas sessões de terapia e nos encontros com seu advogado, será alertado sobre as implicações de seus atos e, ainda, não terá sua culpa absolvida.
Um profissional que poderia denunciar qualquer caso de crime, sem ferir o seu código de ética, seria o jornalista. Embora ele conte com um resguardo legal para não revelar as fontes que pedem para ficarem ocultas, em casos de interesse público — como a resolução de um assassinato — os nomes podem ser mencionados. Como aos psicólogos e advogados, cabe ao jornalista fazer uma análise e entender os riscos que a fonte pode correr, caso seu nome venha a público.
Agora orientado, o assassino pode confessar-se para a única que, de fato, pode resolver a situação e fazer com que o criminoso lide com o que foi feito: a Justiça. É ela que tem a competência de julgar o ato e aplicar as penas cabíveis a cada caso, de acordo com a lei dos homens.
Resolvendo-se com a Justiça por conta própria, o fiel pode, enfim, retornar ao padre e solucionar suas pendências com Deus. A entidade superior sempre perdoa a todos os arrependidos. “Eu te absolvo de teus pecados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.”
Colaboradores: Katria Brabat, presidenta da Abraji; Marcelo Dentello, advogado; Maria da Glória Amados, conselheira do CRP-SP; Padre Manoel de Godoy, professor na Faculdade de Teologia dos Jesuítas de Belo Horizonte; e Talita Fabiano de Carvalho, conselheira e presidenta do CRP-SP.
Você acha que a mulher se assemelha ao lobo? Para Clarissa Pinkola Estés, psicóloga junguiana, essa comparação faz bastante sentido. Em seu livro “Mulheres que Correm com os Lobos”, de 1992, ela defende essa ideia e propõe maneiras de reaproximar a mulher de seu lado “selvagem”.
Por ser da corrente junguiana (também conhecida psicologia analítica), Clarissa trabalha com conceitos introduzidos por Carl Gustav Jung, como a noção de arquétipo — que para o teórico, é a base psíquica de tudo que existe no mundo, uma espécie de modelo inicial das coisas que nos permite reconhecer e reproduzir tudo.
A autora, por sua vez, escolhe trabalhar especificamente com o arquétipo da Mulher Selvagem, ilustrando-o através de contos que ela selecionou de várias culturas. Ao final de cada capítulo, ela faz uma análise interpretativa da história.
Com isso, Clarissa quer que os aspectos da mulher selvagem voltem a fazer parte da cultura, segundo conta a psicóloga Telma Chirosa. “A autora usa esse arquétipo para tentar retirar as camadas da cultura daquilo que enxergamos das mulheres. Ela quer mostrar que existe uma coisa mais profunda e antiga que diz o que é ser mulher. Algo relacionado a força, instinto, cuidado. Por isso ela recorre aos contos, ao animal, à intuição”.
Daniela Bernardes — psicóloga que trabalha com os contos selecionados por Clarissa — explica que o uso de lendas, mitologias e arquétipos é algo bastante comum para os seguidores de Jung. “Quando narro uma história ou um filme, costumo traçar uma conexão entre a vida da paciente e a do personagem. Às vezes não é preciso, pois a própria pessoa percebe as semelhanças, e quando isso ocorre, uma espécie de catarse acontece”.
Já a comparação entre mulher e lobo surgiu após Clarissa observar esses animais por alguns anos. Daniela conta que a escritora percebeu certa semelhança ao observar que os lobos vivem em famílias e cuidam uns dos outros, mas que nem por isso são frágeis. “É bem interessante esse acolhimento que há entre os lobos e que ela também vê nas mulheres. É um acolhimento relacionado à força”.
Ao longo do livro, a autora defende também que a mulher possui uma força inata que foi se perdendo ao longo do tempo. “Isso ocorreu muito com o fim das sociedades de organização matriarcal, porque nelas o feminino era sagrado, já que dava a vida”, diz Daniela. Ao entrar em sociedades patriarcais, para controlar a sexualidade e a força feminina, foi necessário afastar as mulheres do arquétipo da “Mulher Selvagem”.
Para Kátia Cunha, terapeuta e condutora de um grupo de análise do livro em Uberlândia, o livro é tão unânime na crítica por ser baseado na interpretação de contos. “É o que Umberto Eco chamou de “obra aberta”, aquela que tem uma “continuidade” com a participação do leitor e do público da obra de arte”.
As leitoras, por sua vez, relatam ter superado fases complicadas da vida e contam que melhoraram sua percepção acerca de si mesma após a leitura. Lidia Helena, bancária, conta que o leu após um término de relacionamento difícil e que encarava os capítulos como soluções para cada problema da vida. “Vi naquele livro uma forma de libertação. A autora fala de como as mulheres vêm sendo oprimidas e obrigadas a viver algo que não desejam. Na época, antes do livro, não tinha idéia de que também vivia assim. Achava que era a única forma de se viver, agradando pais, chefes, namorados e a sociedade”.