Tem gente que jura de pé junto que eu nasci antes, mas quando me perguntam, eu não tenho receio em afirmar que eu só me reconheço com vida a partir de 2013.
O meu nome até então era Praça Homero Silva. Eu era mal frequentada, mal cuidada e cheia de lixo e entulho, o que acabava com as poucas chances de eu, um espaço público no meio da cidade, ser habitat para alguma espécie – apesar dos meus quase 12 mil metros quadrados.
O meu renascimento começou quando um grupo de moradores da Pompeia resolveu dar-me uma mãozinha e ajudar no projeto da minha revitalização. Foram meses intensos de retirada do que não prestava, de plantação de árvores, até descobrirem o que tenho de mais precioso. Eu carrego comigo a responsabilidade de ser terreno de duas nascentes do Córrego Água Preta.
Depois da descoberta, a preocupação com a minha preservação aumentou. Fui cuidada por geólogos e hidrólogos, que canalizaram parte das nascentes para a construção de um lago, e hoje sirvo de casa para mais de 80 espécies de animais.
Comecei a receber visitas e mais visitas e, desde então, já fui palco de nove festivais musicais, um batizado, uma festa de aniversário, e pasmem, um casamento.
A parte legal dessa história, infelizmente, acaba aqui. Há três anos, uma incorporadora resolveu comprar as nove casas de um terreno vizinho ao meu para levantar um prédio comercial e residencial de 22 andares e três subsolos.
As demolições começaram, e foi então que descobriram que esse lugar, agora um buraco enorme, também tem as suas preciosidades e é dono de suas próprias nascentes.
A construção do edifício demandaria o descarte dessa água por meio das sarjetas da rua. E o mais grave: como o lençol freático do lugar está interligado, as minhas águas provavelmente seriam sugadas também.
Isso não foi motivo para que meu grupo de amigos, agora mobilizados no Coletivo Ocupe e Abrace, desanimasse. Eles levaram os meus documentos, emitidos pelo Instituto Geográfico e Cartográfico, ao Ministério Público Federal e comprovaram que eu abrigo as nascentes, o que impossibilita que qualquer tipo de construção seja feita a um raio de 50 metros de mim.
A responsável pela obra não ficou nem um pouco contente com a ação do coletivo, e pediu um alvará de construção para a Secretaria de Licenciamento do município.
A situação de agora se resume em disputa: de um lado, a detentora do capital; do outro as organizações civis, que querem defender o espaço público e o meio ambiente. Cabe ao Estado, então, decidir pelo equilíbrio.