Roupas chamativas, beleza, horários flexíveis, e propagandas atrativas, são alguns dos elementos que envolvem a profissão escolhida por Deusa e Fabiana. Diurna, Deusa sempre trabalha juntamente com a luz do sol, o que lhe garante mais segurança e flexibilidade. Sua rotina matinal começa com a confirmação de seus atendimentos, marcados por meio de seu contato profissional.
Antes mesmo de ouvir o que os clientes desejam, ela já estabelece rigorosamente seus limites, o que faz ou não – e todos eles são respeitados. Com uma lista preestabelecida, ela sintetiza seus serviços: trabalha apenas com dominação e nunca como dominada. A violência não faz parte do seu dia a dia, até mesmo suas amarrações são frouxas. Ela não beija ninguém, e, principalmente, não faz nada com o ânus.
A relação com os limites é diferente para Fabiana, apelidada de “a Beata” por escutar louvor entre os atendimentos. Trabalhando por conta própria nas ruas de uma região abastada da cidade, ela fica dependente do movimento da noite. Sem programas marcados ou clientes fixos, ela não consegue prever o que vai acontecer e nem quanto vai receber no final da madrugada, o que abre brechas para situações desconfortáveis e até mesmo perigosas.
Não beijar, não ter um vínculo amoroso com os clientes ou usar sempre preservativo são regras comuns a ela e suas colegas de ponto. Seu ambiente de trabalho, descrito por ela como hostil, também impacta no seu dia a dia. A Beata tem contato direto com ladrões, mendigos, drogados e todos aqueles que se aproximam em suas armaduras de aço sobre rodas.
Completando duas décadas de profissão, ela se lamenta em meio a lágrimas sobre como sente aversão a tudo aquilo. Sua filha, com recém completados 12 anos, é o que ainda a mantém firme.
Apesar dos diferentes estilos, horários de trabalho e motivações, Deusa e Fabiana sofrem com o mesmo julgamento. Destruidoras de lares, vagabundas, pecadoras. Esses e outros xingamentos são dirigidos às profissionais do sexo diariamente, mas, claro, em proporções diferentes. A tela do celular protege Deusa, que nem responde pedidos diferentes de sua lista ou feitos com grosseria e arrogância.
A brutalidade do concreto e das buzinas, porém, expõem Fabiana aos estereótipos da sociedade. Como uma porta-voz de suas colegas, ela conta experiências que revelam a falta de segurança nas esquinas e entre quatro paredes. Uma miserável que levou o golpe de um cliente após ter sido violentamente desrespeitada quanto ao uso do preservativo. Ou também a vítima de agressão física, que não conseguiu denunciar o crime as autoridades.
Na face da tela ou no abafado cara a cara, os homens casados, que as procuram, conseguem, mais uma vez, estabelecerem seus limites. Contidos pelo receio da segurança digital, ou bem mais atrevidos por causa da fragilidade das leis das ruas para com essas mulheres, eles conseguem se deleitar todas as vezes, enquanto elas precisam diariamente reafirmar seus espaços nas esquinas físicas ou digitais.
Colaboradoras: Cintia Sonale Rebonatto, autora da pesquisa “Moralidade e sentido do trabalho para profissionais do sexo”; Daiane; Deusa Artemis; Fabiana; e Sara Müller.
E ainda dizem que eu não trabalho
 
Por Victoria Salemi
 
A ideia generalizada que se tem do trabalho é aquela do emprego, seja com carteira
assinada ou não, mas de onde se tira o sustento financeiro a partir de uma
obrigação. Porém, será que só isso pode ser considerado?
(Atleta)
Ainda meio zonza, acordo sem saber onde estou e levanto da cama. Olho no
relógio: seis da manhã. Quase todos os músculos do meu corpo ainda doem do
treino de ontem, mas não adianta ficar pensando nisso.
Começo o dia com musculação, que não é meu esporte, mas preciso do
fortalecimento para melhorar meu rendimento. É dolorido, ainda mais sabendo que
o treino mesmo só vem mais tarde, mas faço de tudo para melhorar meus
resultados, até aquilo que não gosto.
Já já o treino principal começa, mas antes descanso um pouco. Dá tempo de
ligar para os meus pais, já que me mudei para perto do clube para não perder
tempo indo e voltando pra casa.
Agora sim, começa o treino de verdade. Duas horas e meia do que muita
gente diria que é um sacrifício. Para mim, apenas uma forma de atingir meus
objetivos. E não pense que o rendimento é sempre bom. Tem dias em que não sai
nada como esperamos e a frustração é dupla, porque, além de não conseguir o que
quero, ainda levo broncas do meu técnico.
Terminada a primeira sessão de treinamento, ufa, hora de almoçar, mas
sempre com cuidado, já que tenho que manter a composição corporal ideal. Se bem
que é quase impossível não fazer aquele prato que parece uma montanha de
comida, de tanta fome que tenho!
Depois de um intervalo, hora de voltar para mais uma rodada. Você achou
que o dia já tinha acabado? Nada disso, mais um treino de duas horas. Tudo de
novo. Para mim, isso é uma coisa que faz parte. E não tem nada melhor do que
realizar um treinamento bem feito!
Tomo lanches e suplementos durante o dia, mas preciso parar para fazer
uma refeição completa. Janto rapidinho antes de ir para a aula.
Apesar de tanto esforço, sei que um atleta de ponta tem vida útil curta no
esporte, então preciso pensar no futuro. Em algum momento, vou me aposentar e,
ainda assim, tenho que me manter de alguma outra forma. Por isso, mesmo que eu
não goste muito ou esteja cansada demais para isso, preciso ir à faculdade.
Finalmente, vou dormir. É bom eu ir logo para a cama, senão o cansaço pode
prejudicar meus treinos de amanhã. Boa noite!
(Blogueiro)
Sempre me dizem que minha vida é fácil porque não tenho horário fixo para
acordar e posso ficar na cama até um pouco mais tarde. O que as pessoas não
sabem é até que horas fiquei cuidando das postagens no meu blog na noite anterior.
Já virei a noite pra poder deixar tudo agendado para publicação.
E para publicar, não posso sair escrevendo coisas sem saber o que está
acontecendo no mundo. A todo instante — inclusive durante finais de semana e
feriados — estou ligado nos noticiários, mas sempre tem uma hora em que paro
para pesquisar mais a fundo sobre algum assunto que queira abordar no dia.
Leitura, consultas de sites, de referências, checar a procedência de informações,
pra evitar cair em teorias da conspiração, que é um problema muito comum quando
se trata de política internacional.
Mesmo quando paro um pouco, pra almoçar ou fazer um lanche, ainda estou
pensando em como posso falar de maneira diferente sobre alguma coisa que sei
que meus leitores têm interesse.
Depois dessa pausa é hora de começar a produzir. Em geral, é nesse
momento em que escrevo meus textos ou roteiros, gravo e edito meus vídeos. Em
casos especiais, como projetos de longo prazo ou temas mais complexos, costumo
tirar um tempo para estudar também. Pode parecer algo bem flexível. Por um lado,
até é, porque posso escolher em que momento do dia vou fazer isso, mas, por
outro, não. Meus leitores estão acostumados a ver textos novos todos os dias no
blog. Não posso deixálos sem novidades.
Como cuido de outras questões do meu diaadia ou de outros trabalhos,
especialmente freelancers, tenho que para um pouco de cuidar do meu blog. Para
suprir esse tempo que fico sem fazer nada pelo site, volto a ele durante a noite.
Tarde da noite, volto à minha página. Os textos e vídeos estão prontos, mas
ainda preciso postálos no site. Além disso, trato de imagens para acompanhar as
matérias, além de responder a comentários e emails. Tirando o fato de que meus
horários são flexíveis, minha carga semanal não deve nada aos relógios de ponto
de muitas repartições.
Só vou dormir quando acabo o que tinha programado pro dia. Costumo dar
uma navegada em alguns sites e jornais para ver se não tem nenhuma atualização
sobre algum assunto importante que sei que meus leitores gostariam de saber mais
alguma coisa. Se não for o caso, leio um pouco, porque é sempre bom exercitar a
linguagem, já que trabalho escrevendo.
(Dona de Casa)
Acordo cedo todos os dias. Meus filhos já se viram sozinhos, mas, se eu não
arrumar a casa logo, não dá tempo de deixar o almoço pronto. Então, antes das
6h30 preciso começar. Me acostumei com o horário de quando levava as crianças
para a escola e prefiro me organizar assim.
Já em pé, depois de tomar o café da manhã, começo a fazer tudo: arrumo a
cama, junto as roupas sujas para lavar, limpo o banheiro, a sala, a cozinha, junto as
coisas que os outros deixam jogadas. Dizem que eu não trabalho, mas ninguém se
mexe para tirar a toalha molhada da cama ou para lavar, passar e guardar a própria
roupa. E ainda esperam que elas apareçam “magicamente” na gaveta, limpinhas e
sem amassados.
Quando vai chegando perto do meio dia, já preparo o almoço, porque meus
filhos e minha neta vêm comer aqui. “Tem comida pronta? Oba!”, sem parar para
pensar em quem foi que teve trabalho para que tudo estivesse preparado. Isso sem
falar nas compras. Tento me programar para ir uma vez a cada 15 dias, mas é
comum ter que ir correndo até o supermercado na última hora porque faltou alguma
coisa.
Depois do trabalho preparando, hora de comer. É bom passar tempo com
filhos, netos, mas sempre vem um “Mãe, tem suco? Pega outro prato pra mim?”.
Nem quando vou almoçar posso pensar apenas em mim. As pessoas sempre
elogiam esse jeito de mãezona, o que me deixa feliz, mas acho que elas não
pensam muito na energia que nós gastamos para que a família esteja sempre bem.
Durante a tarde, tenho que cuidar da minha neta. E claro, como não trabalho,
devem achar que passo o dia todo me divertindo com ela. Mas cuidar de uma
criança pequena envolve muitas coisas trabalhosas, e até chatas em alguns pontos,
como dar banho, trocar, arrumar a bagunça que ela faz, preparar a comida dela, e,
às vezes, até fazer o serviço da casa com um olho nela, já que ela está começando
a andar e mexe em tudo. Já me canso em dias normais, mas quando ela está
manhosa é pior ainda. Costumo ficar com ela a tarde toda, até de noite. É uma
verdadeira maratona.
E ainda tem os bichinhos da casa, que não têm um sistema automático para
receber comida, água e ter um ambiente limpinho pra viver, então ainda tenho que
tomar conta deles. “Mãe, eu quero um cachorro, por favor, por favor!”. Que mãe
nunca ouviu isso e, mesmo pensando que seria ela mesma que teria que cuidar,
não atendeu ao pedido para ver os filhos felizes? A gente é assim, faz de tudo pelas
nossas crias, mas fácil, realmente, não é.
Depois que minha filha chega para cuidar da minha neta, posso relaxar um
pouco. Quem chega em casa e vê a dona de casa em um momento mais
descontraído acha que é sempre assim, porque não enxerga o esforço que a gente
faz para deixar tudo confortável para todo mundo. Por volta das dez da noite já
estou morrendo de sono e de cansaço, então vou dormir cedo.
Deito, muitas vezes até com dores no corpo, e fecho os olhos. Que delícia,
finalmente vou dormir, podendo não pensar em nada… Mas será que ainda tem
creme de leite para fazer estrogonofe amanhã no almoço? Se não tiver, acho que
posso fazer uma macarronada. Ih, mas também acabou o molho vermelho. Que tal
então um bife? Mas…. Zzzzzzzzzz.
O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.