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Longe de todos os olhares

 

Por Gustavo Assef e Renato Brocchi

 
Arte: Caroline Kellen

“Eu não tenho nem memórias, porque eu não vivi uma parte da minha vida”.

O relato é de Cleber Ramos, hoje terapeuta em Bauru, interior de São Paulo. Ele conta que, durante boa parte de sua juventude, se recusava a tirar fotos ou a ser filmado —o ideal era desaparecer, ser invisível. Olhar para trás é vislumbrar um período apagado de sua história.

Cleber já tinha 30 anos quando finalmente entendeu que aquilo de que padecia tinha nome e sobrenome: era a fobia social, ou, em jargão mais técnico, transtorno de ansiedade social (TAS). Esse distúrbio provoca sintomas como taquicardia, dor de barriga, tremor, suor e sensação de humilhação. De acordo com dados levantados no Congresso Brasileiro de Psiquiatria em 2017, ela acomete cerca de 13% da população —em torno de 26 milhões de pessoas.

A fobia social não é timidez ou só ansiedade. O neuropsicólogo Stanley Huang explica que esse mal é mais propriamente descrito como uma forma de ansiedade intensa que faz o indivíduo evitar os contatos sociais a ponto de ver impactadas sua vida profissional e pessoal. O medo em ser o centro das atenções é listada pela CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) como um dos principais critérios para o diagnóstico de fobia social. 

A psicóloga Cristiane Maluhy Gebara chama de “prejuízo de vida” episódios como o de Cleber, em que o paciente evita ao máximo a exposição e acaba perdendo momentos importantes de interação. Luiza Umann, que também sofreu com a fobia social por grande parte da vida, hoje é psicóloga. Ela conta que deixou de participar de inúmeros eventos, e que “a solidão era uma forma de proteção”. Isso porque quem sofre de fobia social acredita que todos os olhares estão voltados para si e, por isso, sente-se julgado e se retrai.

Acontecimentos específicos podem servir de gatilho para o TAS. Cleber lembra também de quando, na escola, a professora passava atividades para a turma copiar, mas ele, sempre cioso de sua caligrafia, não conseguia escrever em seu caderno no mesmo ritmo dos colegas. “Cleber, posso apagar a lousa para continuar a aula, ou você vai atrasar todo mundo?”.

Sobre as situações que podem ser causas desse tipo de transtorno, Luiza relatou que sofreu bullying de colegas de escola e que, quando seus pais se divorciaram, a estrutura na qual podia contar havia sido quebrada, deixando-a ainda mais insegura: “Eu me sentia um ‘nada’”.  A partir daí, o paciente fica cada vez mais receoso de participar de eventos em grupos.

O retorno a uma socialização pode se dar aos poucos. Cristiane explica que esse é o “método da exposição”, em que o paciente é levado a, pouco a pouco, enfrentar as situações que lhe causam fobia. Ela é idealizadora de um aplicativo que, com a ajuda de um computador e um óculos de realidade virtual, cria simulações que causariam desconforto a quem sofre de TAS. “A gente vai graduando essas situações hierarquicamente, da que menos dá desconforto para a que mais dá”, explica a psicóloga. 

A recomendação dos especialistas é a busca por ajuda especializada. Hoje, Luiza diz ter superado a fobia social com ajuda da psicoterapia. Ainda na faculdade de psicologia, ela conta que começou a se interessar pelo assunto e a exercitar o autoconhecimento, processos que começaram sua recuperação. 

Já Cleber relata que, ao tomar pequenos passos para se acostumar às interações sociais cotidianas —comer em público, falar com desconhecidos, fazer amigos—, conseguiu, já na casa dos 30, construir uma sociabilidade que nunca havia tido.

Sua vontade era tornar-se “a versão adulta da criança que era”, antes dos sintomas da fobia social se agravarem e tomarem conta de sua vida. Já não é difícil encontrar pelas redes sociais fotos do bem-articulado Cleber. O período de isolamento e de invisibilidade pode ter tomado quinze anos de sua vida, mas já não mais o atinge. 

Hoje, Cleber cria suas memórias, e já não quer ser invisível.

Colaborador: psicólogo Marcelo Parazzi.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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