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COSMONÁUTICA

 

Por João Cezar Diaz

 

cosmonautica

OPS-4, Camarada Guryev, na escuta?

Minha cabeça não consegue se situar sobre o meu pescoço, não consegui remover a maior parte dos estilhaços no meu ombro. Pelo menos o sangue secou, assim não preciso vê-lo flutuando pela cabine. Tive de afastar as portas do armário de remédios para chegar ao display. Todos os frascos de analgésicos ainda estavam flutuando atrás do que restou das buchas e parafusos que costumavam segurar o armário ao seu devido lugar no casco. Todos vazios. Não sobrou nada pra me fazer dormir.

Soyuz-57, estou aqui. Camarada Kasyanov, é você?

Tenho que diminuir as luzes, não consigo enxergar a tela. Manchas roxas da iluminação lateral estampadas no fundo da minha retina. As infinitas luzes piscantes me acordam em um compasso de exatos 3,5 segundos. Sinto que, às vezes, elas saem de ritmo.

Negativo. OPS-4, Kasyanov está cuidando de reparos, quem fala é o engenheiro de vôo Tamarkin. O que posso fazer por você, OPS-4?

Está quente demais, Soyuz-57.

Mais quinze dias e eu desceria daqui; seria o fim da minha missão, traria os dados que ninguém mais possui. Teria meu nome em alguma coisa, talvez um terminal ferroviário… Preciso checar uma coisa.Tensiono meus pés contra as paredes de plástico para me lançar pra fora da cabine. Eles escorregam com um som que me reaviva os sentidos. Todo o lado esquerdo do meu corpo tem seus tendões fisgados para fora. Tudo aqui escorrega, todas as superfícies estão encharcadas com meu suor. Entrego-me ali, deixo meus músculos distenderem como quiserem; desmaio envolvido naquele mesmo ar viciado que já respirei por 47 dias.

OPS-4, como é a situação? OPS-4, aqui é Tarmarkin, na escuta, camarada?

Algumas luzes pararam de piscar, mas a lembrança do seu ritmo implacável ainda martela atrás dos meus olhos. Volto-me, sem querer, à pequena janelinha da estação. Lá fora, está a razão por eu estar aqui. “O oceano derradeiro”, como nos diziam na academia. Um destino para os novos desbravadores. O implacável desconhecido que paira sobre nossas cabeças. Uma maçante cortina preta sem propósito, penso, afinal.

OP… ki….

Ainda preciso checar uma coisa. Deixo-me levar até o compartimento do meu engenheiro. Alguns cabos se soltaram, preciso saber se aqueles que puxei para garantir que seu cadáver não flutuasse a qualquer vontade ainda estão firmes. Isso não importa, na realidade. Vou me juntar a ele em poucas horas. Talvez ainda tenha um pouco daquela geleia desidratada por aqui.

OPS-4, aqui é Soyuz-57. Não foi permitida a acoplagem, OPS-4.

Homem soviético, tenha orgulho, você abriu a estrada da Terra para as estrelas!

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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