Como uma empresa domina o mercado de cores e antecipa o desejo dos consumidores
“Persuasivo, mas também suave que transmite compaixão e uma certa compostura”. “Com astral para cima e ousado sem ser avassalador”. Esses trechos parecem ser descrições minuciosas da personalidade de alguém. Seus nomes são um tanto incomuns: Quartz Rose e Radiant Orchid, nessa ordem. Na verdade não são pessoas, mas pertencem a uma mesma família, a de cores da Pantone.
Cada cor tem um código Pantone que a identifica na escala de tonalidades. Na prática, é uma espécie de RG que permite sua aplicação. A empresa nasceu há mais de 50 anos nos Estados Unidos justamente com a intenção de padronizar o espectro de cores para diferentes segmentos, como a moda e o design. Uma tremenda mão na roda para os profissionais que lidam diretamente com cores e muitas vezes buscam um tom exato.
Com mais de 60 anos de carreira, o designer gráfico Alexandre Wollner afirma que a Pantone possui um bom sistema e melhorou a produção dos profissionais do meio, já que eles podem acessar uma gama completa de cores e se veem livres de desencontros entre a cor idealizada e a que é aplicada. A utilização da paleta por designers “aumentou ao longo dos anos”, avalia. “Eu uso bem a escala da Pantone há muito tempo. Uso pela função, pela cor e pela necessidade, não por moda”, diz Wollner, um dos pioneiros do design gráfico no Brasil.
Entre as mais de 10 mil cores catalogadas pela marca norte-americana, um grupo específico possui mais prestígio: as cores do ano. A decisão é tomada após uma reunião com consultores de cores e tendências de diversos países e repercute entre estilistas, designers e editoras, para ficar nos mais conhecidos. O lilás Radiant Orchid esteve no posto em 2014, a cor-de-carne Marsala em 2015 e, neste ano, foi a vez do rosa Quartz Rose, em companhia do azul-bebê Serenity — a primeira vez em que houve duas cores escolhidas para um mesmo ano.
Parafraseando a Pantone, as cores escolhidas são responsáveis por representar o espírito dos tempos, traduzir o comportamento global, resumir as manifestações humanas. Todo ano, uma nova cor capaz de apontar para as tendências mundiais e, principalmente, posicionar marcas e criadores no rumo do que eles, os consumidores, anseiam — e às vezes ainda nem sabem.
Para definir a cor da vez, a Pantone recorre a mecanismos para captar movimentos e tendências. Conhecidos como cool hunters, os pesquisadores de tendências são responsáveis por compreender como a sociedade se comporta, analisando em detalhe as decisões humanas e identificando padrões. A partir daí, reconhecem uma tendência emergente.
A cool hunter Sabina Deweik, referência em pesquisa de tendências e consumo, coordenadora da área na Escola São Paulo, explica que as tendências surgem de diferentes âmbitos: da arte, arquitetura, tecnologia a até de movimentos sociais, políticos e econômicos.
Para monitorá-las, Sabina diz que são levadas em consideração as relações entre indivíduos, os lugares em que florescem novos movimentos, as manifestações culturais e os projetos públicos e empresariais. Um comportamento pode ser iniciado em uma esfera restrita, difundir-se e afetar outras áreas.
Ok, talvez pareça um pouco abstrato. Quer um exemplo? “O projeto de incentivar o uso de bicicletas em São Paulo que mudou a forma como as pessoas estão vivenciando a cidade, não apenas em relação ao transporte. Ele seria o desencadeador de uma tendência. Impacta outras áreas, desde a forma como as pessoas se vestem até a própria indústria automobilística, que passaria a se repensar para se adequar ao novo comportamento”, explica a pesquisadora.
Para garantir a precisão nas observações, os caçadores de tendências atuam em rede, espalhados pelo mundo todo. Conhecida como maior autoridade em previsão de tendências do planeta e com atuação focada em moda, a agência WSGN tem uma equipe de mais de cem especialistas que rastreiam os movimentos culturais e sociais diariamente. A cada semestre, eles se reúnem para debater os dados observados em cada área de atuação, traduzindo as informações em tendências.
A partir da “radiografia social” feita pelas pesquisas de tendências, as marcas são hábeis a se direcionar no mercado, considerando aspectos importantes para o consumidor naquele momento. Para o instante atual, Sabina aponta um deles: autenticidade, “a história contada tem que ser real”. Esse tipo de decisão vale inclusive para a escolha de sua cor do ano.
Na maior parte das vezes, não é tão fácil decifrar a motivação exata da Pantone para elencar sua cor e as sensações que ela evoca. Com esforço, encontramos algum sentido oculto ao consumidor. A combinação de rosa Quartz e azul Serenity para 2016, por exemplo, mais do que as anunciadas “tranquilidade e paz interior”, sugere um posicionamento da marca em relação à igualdade de gêneros e à fluidez, tendência em alta e simpática aos discípulos de Pantone — para quem uma cor nunca é apenas uma cor.