Imagine que você é um jovem alien curioso que chegou à Terra e quer descrever as fases da vida humana. A melhor maneira de fazer isso é ver um bebê nascer e crescer, mas sua viagem tem apenas um dia. Marcelo Rubinho, astrônomo dos Planetários de São Paulo, usa a analogia para explicar seu trabalho.
A solução seria observar a maior quantidade possível de seres humanos — crianças, adolescentes, adultos e idosos — e criar uma teoria evolutiva. Na Astronomia é parecido: “Temos uma ‘foto estática’ do céu e a consciência de que nunca veremos uma estrela desde o dia em que nasceu, mas buscamos cobrir as lacunas do conhecimento”.
O estudo de estrelas e galáxias é exemplo deste método, elas são analisadas pelo que já foram e o conhecimento é usado para entender o todo. A astronomia é uma ciência histórica, porque usa elementos existentes em diferentes fases da própria evolução para constituir a memória do Universo.
Estrelas, galáxias e histórias
Algumas estrelas variam o brilho periodicamente. Em alguns casos, como conta Eduardo Cypriano, pesquisador de aglomerados de galáxias do IAG-USP, elas estão cercadas por nuvens de gás e poeira: as nebulosas.
Um fenômeno causado pela luz emitida por esses astros evidencia a importância do passado no estudo do espaço: numa mesma imagem, podem ser vistos resquícios de diferentes fases da vida da estrela. Como a luz demora para viajar, na nebulosa, “as regiões mais próximas do astro refletem luz emitida há pouco tempo, enquanto nas regiões mais distantes, vê-se refletida a luz que a estrela produziu antes”, diz Eduardo.
Outra forma de entender mais sobre a vida e história desses astros é por meio de seu lugar nas galáxias. Como no espaço as distâncias são muito grandes, a galáxia continua evoluindo enquanto a luz que emana dela se desloca, como explica Mírian Castejon, pesquisadora de aglomerados de galáxias, também astrônoma dos Planetários de São Paulo. Quando chega, vem com muito atraso. Um exemplo que torna isso bem claro pode ser visto na Alfa Centauri, a estrela mais próxima de nós, depois do Sol. Sua luz demora quatro anos para nos atingir, ou seja, o que vemos é a imagem de como a estrela era quatro anos atrás.
Por meio de suas cores, as galáxias espirais e elípticas são ótimas contadoras de histórias. O centro das espirais é avermelhado, com estrelas mais frias, de menor massa e vida razoavelmente longa. Já em suas extremidades estão estrelas azuis brilhantes de muita massa, jovens e de vida mais curta.
Em uma galáxia elíptica, a pouca quantidade de gases impossibilita o surgimento de novas estrelas, azuis. É uma galáxia velha, que conta sua história em vermelho, laranja e amarelo.
Ao mesmo tempo, se vê no Universo estrelas azuis jovens, de meia idade vermelhas, e anciãs amarelas. As cores presentes nas diferentes fases de vida de cada estrela descrevem seu “nascer, crescer e morrer”, respectivamente.
Como capturar o passado?
“Para entender o passado, é preciso estudar todo o processo dali até o presente, observando bem o caminho”, afirma Eduardo. Ou seja: é preciso ter certeza de que a criança, o jovem e o adulto dizem respeito a fases diferentes e subsequentes do mesmo ser, para constituir sua memória. “As dificuldades são encontrar os fenômenos adequados, reconhecer sua equivalência, e examiná-los com rigor para não perder detalhes”, explica o pesquisador.
Entretanto, os desafios não são só teóricos. Estudar algo que aconteceu há bilhões de anos também apresenta desafios práticos – e que só tecnologias avançadas e investimentos são capazes de resolver.
Mas como conseguir financiamento para um projeto que começa hoje, mas só vai ser publicado em vinte anos? Eduardo ressalta que há que se ter paciência para esperar o tempo passar e novos equipamentos surgirem. E, depois de prontos e instalados, paciência para conseguir locar os grandes e inovadores telescópios.
Mesmo assim, o pesquisador não desanima: “Vejo tudo mais como um desafio! É um privilégio da astronomia ter toda a história disponível.” A animação não é recente.
Se o jovem alienígena do início deste texto tivesse chegado ao nosso planeta em 1987 e caísse justamente numa escola específica em São Paulo, encontraria Eduardo com 16 anos tomando café. Com o jornal impresso na mão, o jovem, que sempre quis ser cientista, lia com fascínio sobre a primeira supernova identificada. Muita coisa já mudou na Terra, mas até hoje ele espera uma nova supernova surgir para revelar mais a respeito da memória, do presente e do futuro do universo.
Colaboraram:
Elcio Abdalla, físico especialista em estudo das partículas elementares, gravitação e cosmologia do IF-USP.
Marcelo Porto Allen, doutor em astronomia, estuda astrofísica de altas energias.
Henriette Righi, doutora em biotecnologia e biofísica dos Planetários de São Paulo.
Dinah Moreira Allen, doutora em astronomia, estuda composição química de estrelas e é ligada ao Planetários de São Paulo e à Escola Municipal de Astrofísica.