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“Direito de permanecer em dúvida”

 

Por Caio Santana

 

Imagine que você acabou de entrar numa sala fechada, está sentado e uma grande luz aparece iluminando seu rosto. A seguinte frase ecoa: “você tem direito a um advogado e a permanecer em silêncio, qualquer coisa que disser poderá ser usado contra você”. Era uma prisão em flagrante e o suspeito foi encaminhado para uma sala, onde seria feito um interrogatório policial pelo delegado de plantão.

O que? Está pensando que o suspeito é você? Não. A sala descrita no começo do texto era de cinema e o que você imaginou era apenas o início de um filme policial americano. Aquela frase é conhecida, né? É o Aviso de Miranda, que surgiu graças a um famoso caso que aconteceu nos EUA em 1963: o Miranda versus Arizona. Um homem foi acusado de um crime, assumiu os atos, foi condenado, mas não foi lhe alertado sobre o direito de ficar calado e ter um advogado ainda na etapa do interrogatório policial, erro que levou a defesa a recorrer da decisão e ganhar na Suprema Corte, anulando a condenação.

Desde então, os países do ocidente alertam com precisão sobre esses direitos, explica Yuri Felix, diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Caso você cometesse algum crime ou estivesse sob alguma investigação, também ouviria a frase vinda de um agente policial brasileiro, já que esse direito está garantido na Constituição de 1988. 

Certamente foi o que ouviu Mateus Santos* (nome fictício), cliente do advogado Caio Almeida, solicitado para interrogatório policial na Polícia Federal por supostas movimentações atípicas na sua conta bancária nos últimos cinco anos, identificadas pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Ele estava nervoso. Muito nervoso. Mas ao entrar na sala o delegado foi bastante solícito com ambos. Para se precaver, Mateus levou um dossiê com toda sua movimentação bancária dos últimos 15 anos. Passada a primeira etapa das perguntas pessoais como “Qual seu nome? Idade? Profissão?”, o delegado partiu para as perguntas específicas sobre as movimentações financeiras consideradas atípicas pelo relatório do Coaf. “De onde veio essa movimentação de 3 anos atrás? E essa de 4?”, lembra Almeida, recordando que seu cliente respondia, mas teve um momento que não conseguia mais responder.

Até que Caio e outro advogado de Santos tem a ideia de pedir licença ao delegado e perguntam se ele poderia pegar seu cartão de crédito, mostrando-o ao interrogador. Foi uma só pergunta dos advogados, que viram seu cliente em apuros por algo que ele tinha certeza que não tinha feito. Estavam certos. Ao verificarem os números do cartão, um dígito era diferente. Não tratava-se de movimentações de Mateus Santos. O relatório do Coaf errou. 

Naquele momento constrangedor, o delegado pediu desculpas e encerrou o interrogatório, arquivando o inquérito policial. “O erro do dígito fez eles investigarem um inocente. Se Santos não tivesse acompanhado de advogados, aquelas situações teriam sido super suspeitas pelo meu cliente não saber explicar as próprias movimentações”, argumenta Caio Almeida. É por isso que além de ser uma etapa de um inquérito policial importante que pode mudar os rumos de uma investigação, o interrogatório policial serve como meio de defesa do suspeito e a presença de um advogado se faz muito importante nesse momento.

 

*O nome foi alterado para preservação da identidade da pessoa em questão

 

Colaboradores:

Caio Almeida – mestre em Direito Penal e Criminologia pela Faculdade de Direito (FD) da USP, professor do IntroCrim (Introdução à Criminologia) e advogado.

Yuri Felix – doutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

Guilherme Silva Araujo – presidente da Comissão de Assuntos Prisionais da Ordem dos Advogados do Brasil Santa Catarina (OAB/SC) e professor de Direito Penal do Centro Universitário Estácio de Sá-SC.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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