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na justiça, tamanho não é documento

 

Por Iasmin Cardoso

 

Arte: Pedro Ferreira e Rebeca Alencar



Adhuc sub judice lis est, compurgatio, erga omnes, ex adverso, onus probandi, pacta sunt servanda, quid pro quo… Precisa mesmo saber de juridiquês para poder entrar com qualquer ação na justiça? Preciso de todas as leis ou vou precisar contratar um advogado para interpretar para mim?

Não necessariamente. Para as “pequenas causas”, existe o Juizado Especial Cível, ou JEC. São causas com valores menores a 40 salários mínimos, sendo que para menos de 20 salários a pessoa nem precisa de advogado. Para não ficar abstrato: em ações com valores de até 24 mil reais dá para entrar sozinho com o processo.

São brigas de vizinho, compras online que não chegaram, problemas com companhias aéreas dentre outras situações simples. Mas existem restrições previstas na lei. Por exemplo, cobrança de pensão alimentícia nem pensar no JEC: é caso de vara de família!); Porém questões menos complexas, mas importantes para a vida das pessoas, vão para o JEC.

Um exemplo são os casos de Suzy Everton, que entrou no juizado especial três vezes. A primeira foi uma cobrança indevida de seguro de banco, outra foi uma questão no fechamento de conta em outro banco, e a terceira foi devido a um defeito em um produto que a empresa não respondeu. Em especial na segunda causa, Suzy, uma pessoa que paga as contas em dia e não deve dinheiro, ficou com “nome sujo” por conta da questão.

Vale ressaltar: só pessoas físicas – pessoas mesmo, não empresas, podem procurar o JEC, basta reunir os documentos pessoais, comprovante de residência e provas. Foi o que Suzy fez. Ela foi com um advogado às audiências, mas de resto pode resolver muita coisa sozinha. Todos os casos dela foram solucionados no JEC. Suzy ficou satisfeita com o atendimento e diz que foi tudo muito rápido (a média de tempo fica em torno de um mês).

É previsto na lei que criou os juizados especiais em 1995 que eles devem prezar por agilidade, simplicidade, informalidade e economia processual. A primeira audiência é de conciliação, com um profissional treinado para isso. Busca-se acordo entre as partes em ambiente neutro com alguém mantendo a ordem. Apenas em caso de não acordo ou se a pessoa recorrer que o processo vai para o juiz.

Claro, nem tudo são flores. Há quem procure os JEC sem nem ter tentado falar com o outro lado, além de existir uma sobrecarga normal dos próprios JECs. Por exemplo, em Porto Velho (RO), entram 600 processos em um único juizado especial todo mês, enquanto que no centro de São Paulo (SP) ficam em torno de mil. Isso sem falar que o judiciário tem de lidar com alguns advogados usando robôs para entrar com mais de 10 mil ações de má-fé em um único dia.

Mesmo com esses problemas, o juizado especial é talvez a principal via de acesso à justiça. É uma forma de dar assistência nos trâmites da lei à pessoa que, como a Suzy, vão atrás de seus direitos.

colaboraram:

Bárbara Brisa Ladeira da Silva, assistente jurídica do Juizado Especial Cível da PUC-SP

Cláudia Gomes, advogada que atua em pequenas causas em Recife

Guilherme Ribeiro Baldan, juiz de Direito titular do 4º Juizado Especial Cível da Comarca de Porto Velho e ex-presidente da FONAJE (Fórum Nacional de Juizados Especiais)

“Direito de permanecer em dúvida”

 

Por Caio Santana

 

Imagine que você acabou de entrar numa sala fechada, está sentado e uma grande luz aparece iluminando seu rosto. A seguinte frase ecoa: “você tem direito a um advogado e a permanecer em silêncio, qualquer coisa que disser poderá ser usado contra você”. Era uma prisão em flagrante e o suspeito foi encaminhado para uma sala, onde seria feito um interrogatório policial pelo delegado de plantão.

O que? Está pensando que o suspeito é você? Não. A sala descrita no começo do texto era de cinema e o que você imaginou era apenas o início de um filme policial americano. Aquela frase é conhecida, né? É o Aviso de Miranda, que surgiu graças a um famoso caso que aconteceu nos EUA em 1963: o Miranda versus Arizona. Um homem foi acusado de um crime, assumiu os atos, foi condenado, mas não foi lhe alertado sobre o direito de ficar calado e ter um advogado ainda na etapa do interrogatório policial, erro que levou a defesa a recorrer da decisão e ganhar na Suprema Corte, anulando a condenação.

Desde então, os países do ocidente alertam com precisão sobre esses direitos, explica Yuri Felix, diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Caso você cometesse algum crime ou estivesse sob alguma investigação, também ouviria a frase vinda de um agente policial brasileiro, já que esse direito está garantido na Constituição de 1988. 

Certamente foi o que ouviu Mateus Santos* (nome fictício), cliente do advogado Caio Almeida, solicitado para interrogatório policial na Polícia Federal por supostas movimentações atípicas na sua conta bancária nos últimos cinco anos, identificadas pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Ele estava nervoso. Muito nervoso. Mas ao entrar na sala o delegado foi bastante solícito com ambos. Para se precaver, Mateus levou um dossiê com toda sua movimentação bancária dos últimos 15 anos. Passada a primeira etapa das perguntas pessoais como “Qual seu nome? Idade? Profissão?”, o delegado partiu para as perguntas específicas sobre as movimentações financeiras consideradas atípicas pelo relatório do Coaf. “De onde veio essa movimentação de 3 anos atrás? E essa de 4?”, lembra Almeida, recordando que seu cliente respondia, mas teve um momento que não conseguia mais responder.

Até que Caio e outro advogado de Santos tem a ideia de pedir licença ao delegado e perguntam se ele poderia pegar seu cartão de crédito, mostrando-o ao interrogador. Foi uma só pergunta dos advogados, que viram seu cliente em apuros por algo que ele tinha certeza que não tinha feito. Estavam certos. Ao verificarem os números do cartão, um dígito era diferente. Não tratava-se de movimentações de Mateus Santos. O relatório do Coaf errou. 

Naquele momento constrangedor, o delegado pediu desculpas e encerrou o interrogatório, arquivando o inquérito policial. “O erro do dígito fez eles investigarem um inocente. Se Santos não tivesse acompanhado de advogados, aquelas situações teriam sido super suspeitas pelo meu cliente não saber explicar as próprias movimentações”, argumenta Caio Almeida. É por isso que além de ser uma etapa de um inquérito policial importante que pode mudar os rumos de uma investigação, o interrogatório policial serve como meio de defesa do suspeito e a presença de um advogado se faz muito importante nesse momento.

 

*O nome foi alterado para preservação da identidade da pessoa em questão

 

Colaboradores:

Caio Almeida – mestre em Direito Penal e Criminologia pela Faculdade de Direito (FD) da USP, professor do IntroCrim (Introdução à Criminologia) e advogado.

Yuri Felix – doutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

Guilherme Silva Araujo – presidente da Comissão de Assuntos Prisionais da Ordem dos Advogados do Brasil Santa Catarina (OAB/SC) e professor de Direito Penal do Centro Universitário Estácio de Sá-SC.

 

6 barreiras que fazem da internet um lugar não tão livre assim

 

Por Breno Leoni Ebeling e Felipe de Barros Marquezini

 

O maravilhoso mundo da internet é o lar de tantas informações, redes e conteúdos diferentes que pode dar a impressão de ser um ambiente livre de regras e fronteiras. Mas é só impressão mesmo. O Claro! selecionou 6 fronteiras que mostram que a internet não é um mundo sem lei e que até a web tem seus limites.

 

Tetris fail: quando a destruição da famosa barreira pode ser bem frustrante! Fonte 



1. As fronteiras nacionais

 

A muralha da China, um dos principais exemplos de fronteira. Fonte
A muralha da China, um dos principais exemplos de fronteira. Fonte

 

Hoje podemos ver as Olimpíadas no Rio de Janeiro, visitar o Louvre, ouvir um grupo sul africano apresentando uma canção folclórica local e aprender uma receita russa típica, tudo ao mesmo tempo. Na Internet, a separação entre países parece não significar muito, mas não é bem assim: se os rios e muralhas não podem impedir um sinal de chegar ao seu computador, os governos ainda podem, e impedem.

 

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Gráfico que mostra o ranking de censura na internet entre 65 países. Quanto menor a pontuação, menor a censura. Fonte

 

É o que diz o relatório anual Freedom of the Net, elaborado pela Freedom House. E essa barreira não é fenômeno exclusivo de países autoritários: das 65 nações analisadas no relatório, nenhuma foi considerada completamente livre. Os que mais censuram são China, Irã e Síria, onde os Estados impedem o acesso a sites que fazem denúncias de corrupção ou críticas a seus governos.

 

 

2. As fronteiras econômicas

 

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No "Pokémon Go", o aplicativo do momento, é possível adquirir mais recursos pela compra das "pokécoins"

Outra ideia difundida é que a Internet tem o potencial para diminuir as fronteiras econômicas. São oportunidades iguais a todos os usuários: basta estar plugado à rede. Será? Além dos custos da conexão, dos aparelhos e assinaturas dos provedores, os gastos na rede não param por aqui, como você bem sabe!

Mesmo podendo acessar boa parte do conteúdo on-line sem pagar a mais, são inúmeros os conteúdos restritos que você precisa desembolsar uma quantia para ter acesso. São os chamados paywalls, uma alternativa de receita aos banners inconvenientes que aparecem quando você menos espera. Aplicativos são bons exemplos de serviços do tipo: aparentemente gratuitos, permitem alguma vantagem ou maior acesso quando pagos; muitos sites de notícias e jogos também usam esse recurso.

 

 

3. A Dark Web

 

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Fonte

 

 

Na “vida real” sempre existiram bocas de fumo, mercados negros e prostituição. As fronteiras entre o legal e ilegal não foram derrubadas pela Internet. Talvez você conheça esse “lado B” pelo seu nome popular, “Deep Web”, ou mais especificamente a “Dark Web”. Enquanto a Deep Web é toda a parte não indexada da internet, a Dark Web é aquela que além disso exige softwares, configurações ou autorizações específicas para acesso.

Nos seus exemplos mais inocentes, a “Dark Web” é a parte da Internet que armazena todas a suas senhas e logins. Mas a distância dos olhos do público (e da lei) torna a Dark Web um ambiente virtual atraente para práticas fora-da-lei. O caso mais famoso foi o fechamento, em outubro de 2013, do site “Silk Road”, um mercado negro virtual que vendia principalmente drogas e documentos falsos. Outros sites permitem comércio de armas, acesso a pornografia infantil e atividades terroristas, como fez o ISIS na organização dos atentados em Paris em novembro de 2015.

 

 

4. A fronteira da Justiça

 

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Fonte

 

 

A decisão legal também serve como uma barreira: o restaurante fechado pela vigilância sanitária, o estabelecimento interditado pela polícia, o imóvel desocupado pela tropa de choque. Problemas como esse parecem nem chegar perto da esfera da internet, que pode muito bem ser interpretada como uma terra sem lei. Mas não foi o que se viu em diversar situações ultimamente. Quem não ficou irritado com os bloqueios do WhatsApp? O próprio fechamento do “Silk Road” mostra que a internet não é um lugar além do alcance da lei,  mas apenas um novo espaço onde as pessoas podem atuar.

Isso faz parte do confronto entre direitos individuais e o poder de investigação do Estado (que deve servir para preservar outros direitos também importantes). Os métodos de criptografia que se usam hoje em dia são tão eficientes que podem tornar impossível a recuperação de conversas – pelo menos é o que alegam as empresas. Por outro lado, se o acesso do Estado a mensagens privadas fosse facilitado, isso seria mal visto pela maior parte da população, o que acentua esse dilema.

 

 

5. A fronteira Física

 

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Centro de dados do Google, localizado no estado americano de Oklahoma. Fonte

 

Você já se perguntou “onde” estão os sites que você visita, fisicamente falando? Já que lidamos com a internet em aparelhos eletrônicos e muitas vezes móveis, fica fácil supor que a internet é uma coisa que fica por aí “suspensa” no ar.

Na verdade, a grande quantidade de informação existente na internet precisa ser armazenada em imensos servidores, para que possa ser transmitida e acessada. Os centros de dados do Google são um ótimo exemplo, localizados em prédios que mais parecem verdadeiras muralhas de proteção que em nada lembram a ideia de queda de fronteiras.

 

 

6. A neutralidade de Rede

 

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Ao fazer uma pesquisa básica no Google, muitas vezes as primeiras opções de páginas são anúncios.

 

 

Faz bastante tempo que a liberdade de imprensa é valorizada como parte da democracia. A internet veio como ferramenta para ajudar nesse aspecto. Nela, o usuário vai até o conteúdo, e não o contrário. Isso deveria impedir que seus usuários só tenham acesso àquelas informações “peneiradas” pelas rádios e emissoras de tv, por exemplo. Mas mais uma vez, não é tão simples quanto parece. Essa fronteira é a questão da “neutralidade da rede”, o princípio pelo qual provedores de acesso à Internet devem permitir o acesso a todo conteúdo e aplicações, sem o favorecimento ou bloqueio de determinados produtos ou websites. A neutralidade pode ser rompida pelos provedores de diversas formas, como priorizando o tráfego para sites ou usuários que paguem pelo serviço ou criando pacotes de acesso especial (nos quais se paga mais para acessar conteúdo mais amplo e variado). Embora possa parecer vantajoso para o consumidor, prejudica os serviços concorrentes e, portanto, a diversidade de informação.

 

Edição: Sofia Mendes

 

 

 

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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