logotipo do Claro!

 

Suando liberdade no ritmo do Charme

 

Por Mariana Marques e Pedro Guilherme

 

Arte e Imagem: Iasmim Cardoso e Pedro Ferreira


Muito perfume, muita make. Sapato alto…dá pra dançar com ele? Dá. Ir de azul ou
vermelho? Eparrey Iansã! Vermelho. Pente garfo, pente garfo, pente garfo. Pro crespo ficar bem
crespo. Pronto? Pronto. Um charme…indo pro baile charme.

A partir das 11 da noite, uma luz verde recebe os frequentadores do baile que, segundo o
produtor musical Peeh Costa, chegam de todos os lugares de São Paulo para os Campos Elísios. Realizado gratuitamente no centro cultural e quilombo urbano Aparelha Luzia (ou apenas “o quilombo”), sempre na última sexta-feira do mês, o baile da produtora musical Discotecagem Preta reúne centenas de pessoas. Centenas de pessoas pretas.

Fundada pela artista e deputada estadual Erica Malunguinho em abril de 2016, a Aparelha
Luzia foi nomeada em homenagem aos aparelhos, apartamentos e casas onde aqueles que resistiam à Ditadura Militar se reuniam clandestinamente. Definida por sua fundadora como
“associação-preta-política-artística-gentista-destruidora-das-razões-dominantes”, o local acolhe formas variadas de expressões culturais negras que dificilmente teriam local, oportunidade e liberdade em outros espaços.

Mas vamos ao baile. Salão amplo de cor terracota com colunas brancas, iluminação de cores
quentes e uma ampla mesa de som na lateral. Todo frio do outono fica do lado de fora quando os DJs começam a trabalhar. Reggae, pop, blues, funk: o que importa é ter rima com os pés.

Foi ao som de Heartbreaker (1999), música de Mariah Carey com participação de Jay-Z, que
o fenômeno começou. Todas as pessoas que estavam na pista entraram, aos poucos, em uma mágica sincronia. Cada batida, um passinho. Cada olhar, uma troca. Cada sorriso, resistência. Naqueles segundos preciosos do baile tinha-se certeza de que aquele charme era único.

Pouco tempo depois, a música Last Night (2007), de Diddy e Keyshia Cole, lotou o salão.
Mas não era um problema: Peeh Costa falou sobre como a festa consegue se adaptar para não deixar ninguém de fora. O interior cria uma ponte com o exterior, e as pessoas que ainda não entraram na festa, curtem na calçada.

É justamente na conexão entre o centro e a rua, dentro e fora, que toda uma cultura se
desenvolve e, mais importante, se sustenta. O artista visual Ademir Martins conhece bem a
dinâmica do evento. Frequentador do “quilombo” desde a sua reabertura após a flexibilização das medidas sanitárias, ele comercializa peças artesanais autorais ao lado da entrada do Aparelha. Ademir define o baile como uma “cultura limpa”, por estar longe dos interesses comerciais de grandes empresas.

Do lado de fora, uma mulher vestida toda de branco, com uma echarpe de estampa de
leopardo chamava a atenção. Não exatamente naquele instante, apesar do seu estilo, mas na hora da pista: animada e incansável, transmitia sua energia e passinhos ao restante do salão. Desde sua infância, já frequentava incontáveis bailes charme, que faziam parte das festas da sua família. Gisa é uma das produtoras do espaço e invoca o seu tom político ao criticar a ausência de bailes feitos de, e para, pessoas pretas.

Para Gisa e outros frequentadores, aquele é um importante espaço de aquilombamento,
onde a comunidade negra pode estabelecer autocuidado, acolhimento e resistência enquanto
coletividade.

Já são 3 da manhã e a casa não para de encher. Peeh vê nas mais de 500 pessoas em
movimento, iluminadas pela forte luz roxa, um lugar de autoafirmação e de ressignificação.
“Corpos pretos suados em movimento de liberdade”. Esse é o tema principal da Discotecagem, que esse ano busca repensar a existência desses corpos. No baile, o suor representa a libertação em sintonia do sofrimento, substituída pela possibilidade de amar-se e ao próximo.

E falando no próximo, o produtor da Discotecagem Preta fala sobre um plano futuro para os
bailes de São Paulo, atualmente localizados em sua área central. O corpo de uma pessoa preta,
preenchida pelo mapa da cidade, ilustra os flyers de divulgação dos eventos deste ano, com um mercado subliminar: expansão. Em um movimento de descentralização, levar os bailes para a periferia é um dos principais objetivos do grupo esse ano.

4:40 da manhã. Se despedindo do funk, os primeiros grupos começam a se formar para
peregrinar até o metrô Marechal Deodoro. No muro oposto à entrada do baile, algumas frases
marcantes preenchem a mente dos que esperam até o próximo mês. Dentre elas, uma ilustra bem o espírito presente entre os passinhos, as paqueras e o suor de uma negritude em movimento: “O corpo é porto, é barco, é ponte”.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

Expediente

Contato

Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, Bloco A.

Cidade Universitária, São Paulo - SP CEP: 05508-900

Telefone: (11) 3091-4211

clarousp@gmail.com