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As chefs e suas chefes

 

Por Juliana Alves

 

Arte: Adrielly Marcelino

A cada garfada, a patroa e seus filhos saboreavam filet mignon, enquanto ela ouvia, aguada. Ela engolia em seco as ofensas e esperava todos saírem para preencher duas tigelas de banha: para o cachorro e para ela. Cansada de se sentir invisível, arranca um pedaço da carne que não tinha o direito de colocar na boca, mesmo tendo feito com as próprias mãos. Os minutos de revolta de Luiza Batista*, hoje coordenadora da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), tornaram-se semanas de desemprego.

A diferença vai além do filet mignon e da banha. Enquanto os chefes vieram de “berço de ouro” e têm ensino superior, muitas cozinheiras começaram a trabalhar cedo. São aproximadamente 93 mil crianças e jovens em frente ao fogão, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2019.

Já adultas, frequentemente ignoram o ronco do estômago. O “salário insuficiente”, somado com o aumento dos preços dos alimentos, fez com que Luiza diminuísse os itens do carrinho de mercado, deixando de levar as marcas favoritas. O piso salarial da categoria na cidade de São Paulo, de R$1.433,73 reais, não banca nem um churrasco de fim de semana da patroa. “Não se vê mais o iogurte ou o queijo na geladeira por causa da mudança do poder aquisitivo. Quero voltar a comer como antes, alimento não é supérfluo.” 

Para não fechar o mês no aperto, muitas vezes as trabalhadoras não assinam a carteira de trabalho e recebem um salário mais alto em troca. “Quando a funcionária assina a carteira, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é descontado, por isso muitas não querem assinar. Mas percebem o erro quando ficam doentes”, comenta a coordenadora do sindicato.

Depois de décadas de luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas, a Lei Complementar nº 150/2015 tornou obrigatório o intervalo de uma a duas horas para o almoço. Caso a funcionária resida no local de serviço, o período de intervalo pode ser dividido em dois momentos da jornada de trabalho, de no mínimo uma hora até quatro horas. Mas o avanço dos direitos não garante que as empregadas sejam tratadas como seres humanos.

Um episódio marcante para Márcia foi a vez que sua patroa pediu o preparo de um jantar para visitas. Após a despedida, os vizinhos ouviram os gritos à funcionária, pois as roupas foram estendidas no varal da lavanderia. Márcia não entendeu por que deveria retirar as roupas já que ninguém entraria lá. Porém ouviu “não vem dar ordem na minha casa, as pessoas vão achar que estão em uma favela”.

Vai além de saborear um filet mignon. Márcia, assim como muitas, não vê a hora de parar de cozinhar para realizar o sonho de ter a própria empresa. “Falta coragem e estudos. Quem sabe um dia.”

*Com exceção da Luiza Batista, todos os nomes foram trocados para preservar o sigilo das fontes.  

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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