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Todos os sonhos do mundo

 

Por Guilherme Gama e Luanne Caires

 
Ilustração Bruno Kristoffer


Como nasce um sonho? Pode ser no disfarce de desejos. Ou nos estímulos aleatórios originados na interação entre o tronco encefálico e outras partes do corpo, inclusive o córtex cerebral — onde a maioria dos pensamentos são processados. Mais interessante e controverso talvez seja o que o sonho é após o nascimento e como transforma e define a mente do sonhador. 

Afinal, é possível ter em si todos os sonhos do mundo? A célebre frase de Fernando Pessoa pode, a princípio, parecer um exagero poético, mas nos convida a refletir sobre a diversidade de significados que atribuímos ao sonhar. 

Na materialidade fisiológica, o período do sono em que sonhamos é essencial para lidar com vontades, aprendizados, memórias, medos, traumas e simulações do real. As abstrações da mente inconsciente nem sempre são tão abstratas assim. Não é à toa que, impedidos de sonhar, por questões de saúde ou pelas tecnologias que invadem a noite, o bem-estar dá espaço a níveis mais altos de estresse, ansiedade e riscos neurológicos. 

Mas dormir não é a única maneira de sonhar. No dia a dia, de olhos abertos, sonhamos com novas possibilidades, sejam elas de arte, de vida ou de país. Sonhos só nossos ou compartilhados com grupos sociais em constante movimento. 

Afinal, sonhar não é só revisitar o passado ou processar o presente. Os sonhos são também um modo de ver o futuro. 

Esta edição tem em si uma vastidão de formas de significar, perceber e transformar o mundo por meio dos sonhos. 

Expediente – Reitor: Carlos Gilberto Carlotti Jr. Diretora da ECA-USP: Brasilina Passarelli. Chefe do departamento: Luciano Maluly. Professora responsável: Eun Yung Park. Editores de conteúdo: Guilherme Gama e Luanne Caires. Editores Online: Manuel Savoldi e Patrick Fuentes. Editora de Arte: Alessandra Barrozo. Ilustradores: Sebastião Moura e Bruno Kristoffer. Diagramadores: Ana Luiza Cardozo, Gustavo Zanfer, Ivan Conterno, Jorge Fofano, Juliana Matias e Luisa Costa. Repórteres: Adrielly Marcelino, Aline Novakoski, Arthur Nascimento, Beatriz Lopomo, Giovanna Preto, Guilherme Caldas, Henrique Nascimento, Jaqueline Silva, Julia Mantuani, Julia Rodrigues, Juliana Alves, Luiz Attié, Natane Cavalcante, Sofia Kercher, Thiago Gelli, Thomas Toscano, Tomás Novaes, Vitor Cavalari e Wálace de Jesus. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, prédio 2 – Cidade Universitária, São Paulo, SP, 05508-020. Telefone: (11) 3091-4112. O claro! é produzido pelos alunos do sexto semestre do curso de Jornalismo como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso – Suplemento.

Para além da noite

 

Por Natane Cavalcante e Vitor Cavalari

 
Ilustração Bruno Kristoffer


Lembrar-se dos sonhos pode ser um desafio. O momento do sono que antecede o despertar ou o prejuízo da memória pelo cansaço cotidiano podem afetar a reconstrução dos acontecimentos oníricos. Mas prestar atenção aos sonhos está na base de um processo fundamental para muitas culturas: a interpretação das representações da nossa mente enquanto dormimos.

O sonho muitas vezes se baseia em experiências passadas ou simula possíveis futuros, inclusive de maneiras inusitadas. Freud foi o primeiro a dizer que o sonho é produzido naturalmente pela mente e traz para a superfície medos e desejos do inconsciente. Para o neurocientista Sergio Arthuro, nem todo sonho precisa ser interpretado, mas os recorrentes merecem uma atenção especial porque podem sinalizar bloqueios emocionais ou traumas do passado. 

Para interpretar os sonhos e entender seus sinais, um dos primeiros passos é narrá-los para alguém. Essa prática é imprescindível para muitas culturas, como a do povo indígena Yanomami, que os considera avisos para a comunidade. Hanna Limulja, antropóloga e autora do livro “O desejo dos outros: Uma etnografia dos sonhos Yanomamis”, explica que para essa etnia, o sonho tem uma dimensão coletiva para protegê-los contra inimigos.

A prática de narrar os sonhos e valorizar os seus significados se perdeu um pouco desde a descoberta da eletricidade, ou seja, a invasão da noite por atividades que eram tipicamente diurnas, segundo Arthuro. Ainda assim, há quem continue a compartilhá-los com amigos e família e quem busque ajuda de psicólogos e oraculistas para atribuir sentido a eles.

Alguns sonhos precisam de mais tempo para serem compreendidos. A oraculista e terapeuta Tall Pereira, que dedica parte do seu trabalho à interpretação de sonhos, ressalta que esse processo necessita de acompanhamento para entender quais são os padrões que uma pessoa tem. Na visão dela, pautada por uma abordagem de espiritualidade, uma das importâncias de interpretar sonhos é entender como o divino oferece previsões ou até mesmo soluções para problemas da vida cotidiana ao imaginar outros mundos.  

Há técnicas que ajudam a lembrar-se das mensagens que o inconsciente deixou, como criar um diário de voz ou um caderno. O exercício de resgatar as relações com os sonhos e entender-se como sonhador pode garantir bons presságios.

O primeiro degrau

 

Por Adrielly Marcelino e Guilherme Caldas

 
Ilustração Bruno Kristoffer


Todo mundo tem — ou já teve — um grande sonho. Entretanto, as desigualdades sociais resultam em obstáculos divergentes para cada trajetória. O engenheiro agrônomo Fernando Hideki conta que, quando ingressou na Universidade de São Paulo (USP), em 2013, seu sonho de estudar na Finlândia era considerado “impossível” por ser parte dos 14% dos ingressantes da faculdade com renda familiar inferior a três salários mínimos (metade do percentual registrado em 2022 após a política pública de cotas).

Apesar de ser de uma família de baixa renda, na qual ninguém teve acesso ao ensino superior, Fernando conta que passou a focar mais no sonho da universidade após compartilhar esse objetivo com outras pessoas. “Eu comecei a ter contato com esse mundo quando entrei no judô. Lá eu convivi com gente que falava do vestibular e de querer entrar na faculdade”, relata.

Para a coach Adelaide Giacomazzi, criadora do jogo lúdico Roda dos Sonhos, que estimula o autoconhecimento, esse reconhecimento dos próprios anseios é crucial para conquistar um objetivo: “É importante ter clareza sobre o nosso sonho individual, não o sonho dos outros, como pais ou familiares”, afirma.

O psicólogo Cristiano Nabuco, especialista em Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), afirma que ter resiliência perante os desafios deve-se à habilidade de direcionar o desconforto, que leva à mudança, aos elementos que estão ao nosso alcance. “Para o cérebro, na hora em que você descobre a perspectiva de que pode ter o controle, cria-se uma maior condição de equilíbrio psicológico”, explica.

Após um ano de intercâmbio na Finlândia como bolsista, Fernando concluiu a graduação e se mudou para Viena, Áustria, para trabalhar na Suzano, uma das maiores empresas do setor de celulose mundial. Ele afirma que ter uma formação universitária que possibilitasse um bom emprego era um sonho de longa data.

Colaboração Brunete Gildin, psicóloga

iDream

 

Por Julia Mantuani

 
Ilustração Bruno Kristoffer


O momento do encontro chegou e Daniel não sabe por onde começar. Ele está ansioso por despí-lo de tudo que o recobre, mas lembra que precisa ser delicado para não causar nenhuma mácula ao seu sonho de consumo. Devagarinho, tira, um por um, os empecilhos que o escondem. Seu coração acelera e as mãos gelam quando o homem visualiza o objeto de desejo, desnudo em sua frente. 

Seu novo iPhone 13 toca seus dedos pela primeira vez. Por debaixo, um arranjo impecável é revelado: uma caixa de toque aveludado, acessórios e, claro, um adesivo da Maçã para colar no carro.

Quem relata a experiência sensorial é Daniel Dias, de 40 anos, que descreve como “quase transcendental” a satisfação em desembrulhar um telefone da marca. Prática repetida mundo afora quase 240 milhões de vezes em 2021, segundo a empresa de análise de mercado Canalys.

Para Thaiana Brotto, doutora em Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), a relação afetiva, desde o ato da compra até o desembalar, estimula o sistema de recompensa do cérebro, que libera o neurotransmissor dopamina, causando prazer intenso. No entanto, a especialista ressalta que é preciso ter atenção, pois não ter consciência disso pode tornar o consumidor refém da sensação de vazio e insatisfação. 

Além do vínculo afetivo que tem com o aparelho, Daniel descreve o universo da marca como seu estilo de vida. Todos nós, fãs de Apple ou não, mostramos ao mundo quem somos por meio do consumo. 

O fato é que a construção da experiência, seja na mente do indivíduo ou a partir do que ele exibe para os outros, é pensada pelas marcas. Atualmente, na era do Marketing Experiencial, o mercado valoriza a consciência do consumidor por meio de gatilhos sensoriais, isto é, o toque e o visual premium. É unânime, entre grandes marcas como a Apple, a compreensão de que seus produtos precisam ser mais do que serviços, uma experiência completa. Assim, além de um consumidor, nasce também um fã, que vai espontaneamente propagandear o nome da empresa.

Colaboração Alice Whately, consultora de Experiência do Consumidor na Unilever; Carlos Scopinho, especialista em Práticas de Consumo.

Os sonhos e a percepção

 

Por Henrique Nascimento e Thomas Toscano

 
Ilustração Jorge Fofano


Nunca é fácil contar seu sonho para alguém. Além de esquecer os detalhes, toda descrição sensorial depende de nossa percepção do real – e da percepção de quem escuta. Sonhar com o eterno scroll das redes sociais ou até com anúncios de cinco segundos dentro do sonho hoje é normal. Já nos anos 1950, eram as TVs monocromáticas que influenciavam o sonhar. Um estudo de 2008 da Universidade de Dundee, Escócia, revelou que quase 25% dos estadunidenses que cresceram nos anos 1950 ainda sonham em preto e branco. 

Os estímulos sensoriais fazem cada pessoa perceber o mundo à sua maneira. Para quem tem deficiência visual, como o jornalista Nikolas Asheshov, que é cego há 20 anos, os sonhos com imagens são raros, mas ainda ocorrem. Ele conta que o predominante são os sonhos com suas músicas favoritas – composições de Bach e Mozart – cheiros, sabores e até mesmo texturas familiares. 

E para quem nunca enxergou? Pesquisas de 2003 da Universidade de Lisboa identificaram a presença de atividade cerebral responsável pela formação de estímulos visuais em cegos congênitos. Em outras palavras: mesmo que nunca tenham enxergado, essas pessoas podem formar imagens concretas nos sonhos (como barcos, palmeiras e gaivotas) e até representá-las em desenhos ao acordar. 

Há também casos de pessoas que têm sentidos como tato, audição e visão, mas os percebem de outra forma. A psicóloga Fernanda Rodrigues estuda o desenvolvimento de crianças com síndrome de Down e o papel dos pais em sua formação. Ela ressalta que “As pessoas com deficiência muitas vezes são regidas por seus cuidadores e perdem parte de sua autonomia. Com isso, acabam também perdendo parte do alcance de seu inconsciente, dos sonhos, limitando-se pelos preconceitos de quem as enxerga”.

Segundo Fernanda, já foi comum julgar essas pessoas como desprovidas de um inconsciente, com sonhos sem significado. As evidências mais recentes, contudo, apontam para o contrário: o estímulo e a noção de diversidade potencializam o desenvolvimento tanto do consciente quanto do inconsciente dos neurodivergentes. 

Quem tem a síndrome se atenta muito mais ao presente e ao cotidiano. Guilherme Campos, rapaz de 26 anos com Down, relata que seus sonhos são voltados para o dia a dia: “Às vezes a gente lembra ou esquece, mas o gostoso disso é, ao lembrar, contar para a família.” Sua mãe, Deise, sempre o incentivou a seguir seus sonhos. Hoje ele cozinha no renomado Restaurante Jacarandá, em São Paulo. Sonha em ser chef e continuar seus projetos como ator. 

Noite sem fantasia

 

Por Luiz Attié e Tomás Novaes

 
Ilustração Sebastião Moura


No continente de Ionia, uma árvore mágica guarda os sonhos dos homens, que brotam de suas raízes. Certa noite, a própria árvore sonhou. Deste broto, nasce Lillia, uma jovem metade cervo metade humana, que passa a ser a protetora daquele lugar. Porém, com o passar do tempo, Lillia percebe que os sonhos começam a diminuir.

Click. O computador é desligado. O relógio marca duas da manhã. Cansado de mais uma jogatina de League of Legends, e após ler a história da sua personagem campeã, o estudante de engenharia Alexandre, 20, deita na cama.

Ele não se lembra da última vez que sonhou. Toda noite ele fecha os olhos depois das três da madrugada e, tal qual outros 93,5% dos jovens, não consegue dormir nem por sete horas. Na manhã seguinte, o despertador é pontual.

Na verdade, o sono de Alexandre, por mais curto que seja, é recheado de sonhos – assim como a árvore de Ionia. Mas aqueles vívidos e narrativos, que costumamos lembrar, acontecem no último momento do descanso, o sono REM, o primeiro estágio a ser prejudicado pelas poucas horas de sono.

Além do sono curto, as luzes do computador e dos celulares inibem a produção de melatonina – hormônio regulador dos ritmos fisiológicos ao longo do dia –, o que dificulta a sensação de relaxamento.

Sem os sonhos do sono REM, que revisitam nossa memória emotiva, pode ocorrer uma desregulação emocional. Da depressão à falta de empatia, a crise contemporânea do sono e do sonho é um problema social que afeta 65% dos brasileiros e nasce ali, no quarto de cada um.

E, no quarto de Alexandre, a protetora dos sonhos escolhida por ele no jogo não consegue ajudá-lo. Enquanto ele troca a lua pela luz do computador e o sol pela tela do celular, o sonho continua a acontecer só na ficção. Resta a ele sonhar acordado em ter pelo menos uma boa noite de sono.

Colaboração Mario Pedrazzoli, professor de Biologia do Sono na EACH-USP; Márcia Assis, vice-presidente da Associação Brasileira do Sono; Sérgio Arthuro, pesquisador em medicina do sono; “Interplay of chronotype and school timing predicts school performance”, 2020, Nature Human Behavior; “Sleep quality in the Brazilian general population: A cross-sectional study”, 2022, Sleep Epidemiology

Um futuro preso no passado

 

Por Arthur Macedo e Júlia Rodrigues

 
Ilustração Gustavo Zanfer


Desde antes do presidente Jair Bolsonaro chegar ao poder em 2019, uma minoria dentro da direita brasileira já bradava a favor de uma nova intervenção militar. Para esse pequeno contingente, retornar aos moldes do passado seria a solução para os problemas de hoje. “As pessoas se sentiam seguras para ir e vir”, diz Fernando Carneiro, 62, de Salto, no interior de São Paulo, sobre o período. Essa ideia, que parece vir de um “mundo dos sonhos”, é rebatida por dados do Atlas da Violência, levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em 1980, o estado de São Paulo registrou 13,7 homicídios por 100 mil habitantes, bem acima dos 7,3 listados em 2019.

O relato de Fernando se relaciona a um fenômeno descrito por Zygmunt Bauman: a retrotopia. No livro homônimo, publicado em 2017, ele expõe como as mudanças descontroladas da modernidade arrancam das pessoas a crença em um futuro melhor, fazendo-as voltar ao passado. A utopia e a busca por um futuro inexistente dão lugar à projeção de sonhos em tempos antigos.

Para o sociólogo José Maurício Domingues, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o movimento pela volta da ditadura militar é, além de resultado da crise política que enfrentamos no país desde o início dos anos 2010, um problema de sociabilidade. O avanço de pautas feministas e LGBTQIA+, por exemplo, traz a sensação de ameaça para alguns indivíduos, e o escapismo se torna uma alternativa de proteção pessoal.

Esse mecanismo de defesa não é restrito a camadas conservadoras da sociedade. Há quem se sinta em um ritmo destoante. Os avanços tecnológicos redefinem barreiras de tempo e espaço, tornando o mundo mais complexo. Há 40, 50, 60 anos, direitos políticos e civis hoje estabelecidos ainda precisavam ser conquistados. Mas, ao menos na memória, aquele mundo era mais simples, e isso basta para criar uma imagem positiva na mente. “A gente quase não tinha nada, mas éramos mais felizes”, diz Eliandra Ferreira, 55. Ainda que seja uma nostálgica, é consciente de que seu sonho de voltar ao passado é impossível.

Colaboração Lenira Duarte, José Cunha e Priscila Carmo, contando suas perspectivas sobre passado e presente

Tecendo o amanhã

 

Por Giovanna de Oliveira e Juliana Alves

 
Ilustração Gustavo Zanfer


No Amazonas, alguns indígenas Tikunas pincelam para difundir sua cultura; em Paraisópolis, uma comunidade de São Paulo, esposas costuram pela liberdade financeira e pelo afastamento da violência de seus lares. Duas empresas fundadas por mulheres, com histórias distintas e separadas por 3.000 km. Mas elas se cruzam como as linhas de um tecido em torno de um sonho em comum: contribuir para a sociedade. 

De 2019 para 2020, a criação de corporações femininas aumentou em 41%, segundo o LinkedIn. Parte delas foca no empreendedorismo social, setor que utiliza uma parcela do lucro para reinvestir na sociedade. Em 20 anos, 622 milhões de pessoas no mundo realizaram o sonho de mudar a própria vida devido a esses modelos de negócio, conforme dados de 2020 da Fundação Schwab, ONG especializada em empreendimentos sociais.

Um exemplo desse setor é da população indígena Tikuna, no Amazonas. A empresária, We’e’ena Tikuna, fundou uma grife de mesmo nome e tem o sonho de levar a arte do seu povo para outras gerações através do grafismo, pinturas produzidas com urucum, jenipapo ou babaçu.

Para isso, a estilista emprega integrantes de seu povo desde a confecção de roupas e bonecas de pano indígenas, até aos desfiles das coleções. Outra empresa de destaque no ramo da moda é a “Costurando Sonhos”, um ateliê de Paraisópolis que capacita mulheres vítimas de violência a costurarem pela independência financeira.

Mais de 900 mulheres já passaram pelos cursos, porém as empresárias percebiam a dificuldade de ingresso no mercado de trabalho. As fundadoras, Suéli Feio e Maria Nilde, convidaram algumas dessas costureiras para a empresa, que conta com 120 profissionais. São produzidas roupas que são vendidas na internet e o lucro é reinvestido nas capacitações. Assim, por meio do sonho das empreendedoras, essas mulheres também foram inspiradas a sonhar com uma vida melhor.

“Fico grata em saber que mudamos a vida financeira de uma mulher e a salvamos de um ciclo de violência”, afirma Suéli.

Colaboração Heide Ferreira, Jaqueline de Souza e Silvia Ferreira, do empreendimento Fazendinhando; Jane Moura, docente da UFAM

A hora do pesadelo

 

Por Beatriz Lopomo e Thiago Gelli

 
Ilustração Sebastião Moura


Um grito irrompe o calar da noite. As costas empapadas de suor, a sensação de alerta e o coração acelerado causam desorientação — mas, onde antes havia um assassino, agora há uma cômoda. Mais uma vez, os assustadores monstros dos sonhos fizeram sua investida contra Matheus. 

Pesadelos são fenômenos que ocorrem durante o período do sono chamado de REM, traduzido para “movimento rápido dos olhos”, em que a atividade cerebral intensifica-se e a respiração e os batimentos cardíacos estão mais acelerados. Assim como os sonhos, os pesadelos são manifestações da psique, podendo estar relacionados a um fato isolado, como uma notícia ruim consumida durante o dia, ou a um pensamento latente, como a supressão de um desejo, um trauma ou o acometimento de alguma doença psicológica — como a ansiedade e a depressão. 

Eles acompanham e fascinam Matheus Marchetti desde a infância — quando o visitavam recorrentemente —, mas cessaram gradualmente há alguns anos, junto a seu amadurecimento. Hoje, aos 27, ele vem os combatendo na forma de múltiplos filmes que circulam por festivais no Brasil e no mundo, como Fantaspoa, Cinefantasy e Macabro. Escolhendo a profissão de cineasta por afinidade com as artes, os pesadelos que tanto o atormentavam foram implementados em suas obras.

Nas narrativas, assustadores vampiros se tornam válvula de escape para a sensualidade e sentimentos de deslocamento que antes o aterrorizavam. Se seu eu criança temia a hora de dormir devido ao subconsciente traiçoeiro, o jovem cineasta hoje captura fantasmas com sua câmera e com eles enfrenta o público. 

“Os melhores filmes de terror se parecem com pesadelos, trazem uma sensação de medo primitiva e inescapável”, opina Marchetti.

A psicóloga Nícia Tavares, especialista na abordagem Junguiana, explica que, para conseguir parar de temer os sonhos ruins, é necessário compreendê-los. Nesse contexto, ela concorda que relatar e divagar sobre os sonhos pode proporcionar uma válvula de escape ao desvendar o roteiro de nossas horas de pesadelo. 

Agora, em meio ao breu da madrugada, se um vulto ameaçador paira no canto do quarto, ele não passa de um cartaz que Matheus guarda com carinho. “Depois de fazer um filme sobre esse assunto, não tenho mais sonhos com essas coisas”.

Colaboração Dalva Poyares, certificada em Medicina do Sono pela Associação Médica Brasileira, com Doutorado em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo

Polvo que sonha a onda não leva

 

Por Jaqueline SIlva e Sofia Kercher

 
Ilustração Sebastião Moura


Uma mexida no nariz, um agito das patas. Entre pais de pet, a observação do sono agitado de um animal geralmente acompanha uma questão que pode ser respondida cientificamente: será que meu bichinho está sonhando? 

Algumas dessas funções podem ocorrer também entre os animais, como indicam observações do comportamento do sono dos bichinhos, como no estágio REM, que se encarrega dos sonhos vívidos, movimentos involuntários e atividade cerebral intensa. O estágio foi observado em ratos, gatos, cães, macacos, gambás e até elefantes.


Entre os animais marinhos, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) notaram um comportamento peculiar também nos polvos: em momentos mais inertes e aparentemente adormecidos, sua coloração se altera, o que ocorre quando caçam, se escondem — e até mesmo quando acasalam. 


A pesquisa é comportamental e ainda tem trabalho pela frente. Mas ela pode ajudar a entender o porquê desses sonhos serem tão importantes nos animais — e como a evolução é chave para isso. 


O pesquisador David Peña-Guzmán afirma no livro “When Animals Dream” (Quando os Animais Sonham, 2022) que esses sonhos podem ajudar a preparar os animais diante de situações adversas — assim como acontece conosco, quando sonhamos com uma prova ou com um término de namoro. O mesmo pode acontecer com os animais: recriar cenários do dia durante o sonhar — correr atrás de uma presa e rituais de acasalamento, por exemplo — pode ajudá-los a sobreviver ao cotidiano e, consequentemente, evoluir como espécie.


A função evolutiva ainda não é um consenso na comunidade científica e ainda existem muitas áreas desconhecidas da cognição animal para explorar. No entanto, estudos como esses ajudam a entender como o mundo a nossa volta é muito mais complexo do que aparenta ser. Até no universo onírico.


Colaboração Daiane Golbert, bióloga molecular; Ricardo Borges, especialista em Psicologia, Psicobiologia e Sono; Vinicius Dokkedal Silva, especialista em Cronobiologia e Psicofarmacologia do Sono

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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