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Transparência em cena

 

Por Jose Vieira e Rebeca Fonseca

 
Arte: Caroline Kellen e Lívia Magalhães

Durante a infância, o cotidiano de Anne Mota era limitado pela expectativa de como ela deveria agir. A atriz não era livre para brincar com o que queria ou vestir as roupas que achava bonitas. Aos 12 anos, a artista assistiu a um documentário no YouTube e conseguiu dar nome à forma como se sentia: ela é uma mulher trans. 

Apesar de 4 milhões de brasileiros se identificarem como transgêneros ou não-binários, eles são invisibilizados em obras audiovisuais. De 2017 a 2019, nenhum personagem trans foi incluído em filmes lançados pelos principais estúdios de Hollywood.

A discriminação ainda se estende para a seleção do elenco. Produtoras praticam o transfake, quando artistas cisgênero interpretam personagens trans. A violência dessa técnica se assemelha a do blackface, na qual atores brancos escurecem a pele para encenarem pessoas pretas. 

Nas ocasiões em que intérpretes trans são contratados, é comum que se exija deles falar exclusivamente sobre a transgeneridade. Tenca Silva, atriz de 30 anos, acredita que os papéis destinados a esse grupo não devem se limitar ao gênero. 

O problema também está por trás das câmeras, já que os sets de filmagens não são receptivos. Nos bastidores, intérpretes trans realizam um tipo de jornada dupla. Além de atuar, Tenca conta que já teve que preparar o ambiente de trabalho para a diversidade: “Ensinar as pessoas a lidarem com a gente”.

A organização binária da sociedade e a heteronormatividade explicam o apagamento. Para Mario Camelo, pesquisador de Comunicação da Universidade Federal de Goiás, o audiovisual reforça o padrão social de excluir o que diverge dos gêneros masculino e feminino e da heterossexualidade.

Hoje, há tentativas de reverter padrões de invisibilidade. Em 2016, o projeto teatral Julieta Capuleto adaptou a peça Romeu e Julieta, de William Shakespeare, com protagonismo trans. A iniciativa realizada por alunos da Universidade Anhembi Morumbi foi dirigida por Vicente Gosciola, docente acadêmico desde 1989.

Até então, narrativas de gênero não faziam parte de sua linha de pesquisa. O emergir de discussões relacionadas ao tema fez Gosciola se debruçar sobre a literatura LGBTQ+.

O debate encontra eco no cinema independente, para o qual os artistas recorrem pela ausência de representatividade na esfera audiovisual hegemônica. Anne teve sua estreia artística em Alice Júnior (2020), aos 22 anos. Apesar de ter ganhado prêmios por sua atuação no longa, a atriz se sente abandonada pelo audiovisual com a falta de oportunidades.

Anne e Tenca defendem que espaços para além da atuação também devem ser ocupados, como a direção e a produção de elenco. “Valorizar o nosso trabalho, nossa vida, nossa existência. Assim, conseguimos pensar sobre o que vivemos em comum”, diz Tenca.

Dados: Levantamento da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp (2021); Relatório do Glaad (2019)

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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