Na televisão, programas como Acumuladores Compulsivos, desde 2009 nos canais A&E e Lifetime, distraem a audiência com a limpeza de casas cheias de entulho. Mas para quem convive com o Transtorno de Acumulação (TA), o apego exagerado aos objetos passa longe do entretenimento, afetando a saúde e as relações sociais do paciente.
“Minha mãe tem umas 100 peças da mesma calça. Tem mais de três mil roupas, mais de 300 ou 400 livros. Ela foi acumulando e não consegue se livrar nem do que sabe que é lixo”, conta Ana*. Ela percebeu a dificuldade da mãe, 80, de se desfazer dos itens em 2019. “Ela não deixava ninguém entrar lá”, relata.
De acordo com a psiquiatra Roseli Shavitt, a síndrome afeta principalmente pessoas com mais de 60 anos e que têm outros diagnósticos psicológicos. O TA também varia de intensidade, podendo chegar a níveis em que a segurança, qualidade de vida e saúde do paciente são colocados em risco.
Ana acredita que a acumulação na casa da mãe já ocorria há 20 anos. O entulho deixou apenas um espaço livre no local: o caminho que ia da porta ao banheiro e ao quarto em que a mãe dormia. Com a dificuldade de mobilidade, a senhora enfrentava risco de quedas. “Minha mãe também gosta de acender vela para santo. A qualquer momento, poderia causar um incêndio”, explica Ana. Em 2022, ela buscou a rede pública de saúde para tentar ajudar a mãe.
O tratamento é feito por meio do uso de medicamentos e, principalmente, por terapia cognitivo-comportamental, a única que tem evidências científicas de resultados, de acordo com Maria Alice de Mathis, psicóloga do Hospital das Clínicas. Parte do processo consiste no desapego gradual dos objetos. “São intervenções bem diretas e específicas, com metas diárias, semanais e mensais”, explica a psicóloga.
Para receber o tratamento, o paciente precisa aceitá-lo. Ana não conseguiu a autorização da mãe, que se recusa a receber ajuda. “Eles foram bem claros comigo: nós não fazemos nada à força”, explica ela. Ana, então, se viu obrigada a interná-la numa clínica psiquiátrica. Na tentativa de retirá-la do meio do entulho a longo prazo, ela também realizou uma limpeza na casa.
A retirada dos objetos, tão comum nos reality shows que ocupam os canais fechados, não é suficiente. O descarte é consequência de um longo tratamento psicológico e, mesmo após a limpeza, a pessoa com TA precisa de assistência para se manter vigilante e não retornar ao estado de acumulação.
*O sobrenome foi omitido a pedido da entrevistada.
COLABORADORES: ATALIBA DE CARVALHO, PSIQUIATRA PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. TIAGO HAKA, INFLUENCER E DIARISTA. ELLEN MILGRAU, INFLUENCER E ORGANIZADORA DO PROJETO FAXINA MILGRAU.