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o limbo das almas

 

Por lívia uchoa

 
arte: nicolas dalmolim

envolto pela caixa asfixiante de madeira e pressionado por sete palmos de terra, o corpo esfria. a alma antes conectada, inicia sua própria jornada no mundo espiritual. para aqueles que acreditam em céu e inferno, o destino é certo: os maus vão sofrer eternamente e os bons serão salvos. mas o que acontece entre isso?

diferentes espaços e imaginários compõem o purgatório, zona cinzenta entre o preto e o branco da salvação e do sofrimento eterno. um limbo destinado às almas que foram boas, mas nem tanto. pecaram, mas não o suficiente para queimarem no inferno. erraram, mas morreram acreditando no perdão divino. 

esse lugar de purificação e eliminação de vícios, egoísmos e pecados mundanos pode ser doloroso. em um deles, a limpeza da alma é feita com as mesmas chamas do inferno dos condenados ao sofrimento eterno. nesse caso, a purificação é permitida apenas para os que partiram sendo fiéis ao Deus único.  

o purgatório também pode ser um suspiro de alívio. uma prova de misericórdia para as almas que ainda têm salvação, como uma segunda chance após o julgamento final. e os que conseguirem passar por essa etapa poderão finalmente descansar no paraíso. 

há ainda religiões que enxergam o umbral como uma vão entre a vida passada e a futura, localizado entre o mundo físico e o espiritual superior. um momento dedicado à evolução da consciência e desapego do passado, com objetivo de preparar a alma para a reencarnação. 

a purificação pode ser uma imersão curativa individual ou uma experiência compartilhada, com possibilidade de troca e ajuda de espíritos superiores. o tempo também varia. alguns purgatórios definem um período de 49 dias ou até um ano. outros são indeterminados, podendo ser eternos para as almas que não aceitam a evolução.

a ambientação é outro ponto importante no processo. névoa densa, almas perdidas e uma constante sensação de angústia e tristeza são características associadas a um tipo de umbral e comumente retratadas nas telas de cinema. mas a zona cinzenta reserva outras possibilidades. 

o cinza é substituído por paisagens bucólicas nesse outro tipo de purgatório. a natureza age como cenário e condutora da evolução. nesse espaço, cada elemento natural representa uma deficiência vivenciada pela alma, que ao observá-lo compreende os erros cometidos em vida.

outras religiões não definem o ambiente, mas sim o sentimento de estar nele. o limbo pode trazer a percepção de perda, intranquilidade, como se o corpo perdesse o chão. sensações já experienciadas neste plano, até mesmo porque, para alguns o purgatório acontece todos os dias e recebe o nome de vida.

dependendo da crença, os espaços transitórios de purificação têm diferentes nomes, características e durações, mas no fim todos estão no limbo das almas com o mesmo propósito: evolução.

colaboradores: henrique lemes (budismo tibetano), maria de cássia dos santos (espiritismo), pai henrique do oxumaré (umbanda), pessach kauffman (judaísmo) e sheikh jihad hammadeh (islamismo).

A cor do céu é ____________.

 

Por Thiago Castro

 

 

ceu

— Filha, qual é a cor daquele seu brinquedo ali na cadeira?

— Azul! — Disse a menina, pintando seus desenhos debruçada na mesa da varanda.

— Olhá pra cima.. Qual a cor do céu?

—  Hmmmm. Eu acho que é… Branco? Eu não sei…

O pai virou-se para o cunhado sentado ao seu lado, na cadeira de balanço da varanda, e perguntou:

— Entendeu agora porque os gregos não reconheciam o azul?  

— E o que isso tem a ver? Ela é só uma criança. A Grécia é linda, cheia de mar, céu azul, e você quer me convencer que eles simplesmente não viam o azul?  Além do mais, ela soube dizer a cor do brinquedo dela!

— Não é que eles não viam o azul. Eles viam, só não notavam. Não tinham necessidade de usá-lo. O céu não é um objeto, não é uma coisa, sabe? Então não precisa dar uma cor. Nem o mar. E tem pouca coisa na natureza que é azul. Eles enxergavam sim, só que não tinham um nome pra ele. Não reconheciam.

— Sei… — comentou o cunhado, mexendo no celular.

 

onda

 

— Pensa que tem tudo a ver com necessidade e contexto. A gente primeiro começou a perceber o preto e o branco, para diferenciar o claro do escuro… FILHA, TOMA CUIDADO COM ESSA TESOURA, VAI SE MACHUCAR! Mas então, voltando ao assunto: depois veio o vermelho, por causa do sangue. As outras cores chegaram depois.

— Isso tá um pouco confuso… Eu li uma vez que se não existe uma palavra para descrever alguma coisa, então esse algo não existe. É tipo isso?

— Mais ou menos. Essa é só uma das teorias, tem gente que não concorda. Mas vamos aqui aceitá-la. Por exemplo, se você não precisa do azul, então não precisa nomeá-lo. Se ele não tem nome que o diferencia das outras cores, então não existe. Você já ouviu falar que os esquimós têm várias palavras diferentes para os tons da neve?

— Ei, isso eu li que é boato!

— Pode ser. Mas já serve pra dar o exemplo. Se eles têm várias palavras para o branco da neve é porque eles vivem no meio dela! Eles precisam diferenciá-la. Se um deles pisar em um tipo de neve fofa, por exemplo, pode afundar e se machucar. A gente vê tudo branco porque pra gente é tudo a mesma coisa.

— Tá, sabe-tudo, mas e o azul? — Rebateu o homem sarcasticamente — Por que a gente vê o azul hoje?

—  Ué, porque a civilização mudou e progrediu. Fomos conseguindo criar novos pigmentos, novos objetos, e assim novas palavras surgiram para nomear cada cor.

Fez-se silêncio na varanda. O cunhado olhava o céu, contemplativo, quando a menina veio correndo para o colo do pai:

— Papai, olha aqui o meu desenho!

 

árvore

 

 

— Ela pintou a árvore de rosa! — Disse o cunhado — Será que ela enxerga as árvores assim?

— Filha, de que cor é a árvore?

— Verde!

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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