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Cidade sem saída

 

Por Artur Abramo e Marcelo Teixeira

 
Arte: Ester Nascimento

Marcos Aguiar dirigia pela Vila Madalena despreocupado com a garoa. Aos poucos, porém, o estalo das gotas d’água foi acompanhado pelo estrondo de trovões e, na pista, poças viraram corredeiras. “Enquanto atravessava um cruzamento, o carro parou”, conta. Ali, ilhado por aquele rio recém-formado, ele permaneceu até a ajuda chegar.

Histórias similares repetem-se nas cidades brasileiras a cada verão. Entre 2023 e 2024, foram registradas 771 inundações pelo CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências) derivadas, entre outros fatores, das ilhas de calor. Sem árvores, o ar quente do solo sobe carregado de vapor d’água, formando nuvens cumulonimbus, convertidas em “superchuvas”, explica o climatologista Carlos Nobre.

A transformação do evento em tragédia, entretanto, não é inevitável, mas consequência de falhas de planejamento. O asfalto impede a absorção de água e esgoto, única rota de escoamento, está entupido. De acordo com a Ouvidoria Geral do Município (OGM) de São Paulo, as queixas sobre acúmulo de lixo aumentaram 12% nos últimos dois anos em relação ao biênio anterior. 

Para além dos bueiros, as vias da cidade também estão cada vez mais obstruídas.  O recorde histórico de congestionamento na capital paulista foi quebrado em agosto de 2024, segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Embora sozinho naquela rua, Marcos não era o único com o veículo parado na região.

A vereadora Renata Falzoni (PSB) argumenta que, para resolver os problemas urbanísticos de São Paulo, é preciso repensar o trânsito de pessoas. “A dependência em carros cria a necessidade por áreas gigantes de asfalto.” Uma referência para ela é a cidade de Rio Branco-AC, onde foram instalados longos trechos livres de automóveis.

Avanços como ciclovias, cidades permeáveis, transporte público, além de tratamento de esgoto e coleta de lixo, precisam ser expandidos e democratizados, pondera Denise Machado, urbanista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Falta apenas capital político e manejo de recursos.” 

Enclausurado no meio desta cidade, Marcos percebeu-se sem escape. “Me senti fragilizado, não havia para onde ir.”

Memórias submersas

 

Por Gabriel Eid e Guilherme Castro Sousa

 

Arte: Gabriele Mello

Entre 1896 e 1897, no sertão da Bahia, um embate armado entre o exército brasileiro e os sertanejos, liderados pelo líder religioso Antônio Conselheiro, causou a morte de 25 mil brasileiros. O arraial fundado pela população foi destruído, mas os poucos sobreviventes conseguiram reerguer o vilarejo sob o nome de Canudos. 

O povoado existiu até a década de 50, quando, por iniciativa do Governo Federal, o açude de Cocorobó foi construído. Os habitantes se deslocaram para a atual cidade de Canudos reconstruída, pela segunda vez, a 13 quilômetros do antigo arraial. De acordo com Anderson Marinho, pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, nos tempos de seca, as ruínas do velho município emergem e a população aproveita para rezar uma missa em homenagem aos seus antepassados.

Existe uma repetição da história de comunidades submersas pelo Brasil. Entre 2008 e 2016, por exemplo, a implementação do complexo hidrelétrico do Rio Madeira, na Amazônia Ocidental, levou à remoção de mais de 2800 pessoas de suas residências. Já o projeto da Usina de Belo Monte, finalizada em 2019, no Pará, resultou no deslocamento forçado de mais de 40 mil indivíduos.

A construção de barragens e hidrelétricas tende a ser realizada longe dos grandes centros urbanos. No entanto, o impacto da ação humana tem consequências locais e globais, fazendo com que a submersão chegue também às grandes cidades costeiras do Brasil devido ao aquecimento global. De acordo com um relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, lançado em 2019, mesmo que as emissões de gases de efeito estufa fossem reduzidas, o nível do mar poderá subir entre 30 e 60 centímetros até 2100.

Além disso, um estudo divulgado em 2023, elaborado pela Human Climate Horizons, inclui as cidades do Rio de Janeiro e Santos em uma lista de dez cidades que podem ter 5% ou mais do seu território submerso de forma permanente até o fim do século.

Nesse cenário, as barragens têm outro propósito: impedir a submersão de um território, em vez de causá-la. António Guterres, secretário-geral da ONU, apontou, em abertura de uma reunião do Conselho de Segurança em 2023, que 900 milhões de pessoas podem ser diretamente impactadas pela elevação do nível do mar.

Colaboradores: Joseph Harari e Luigi Jovane, professores do Instituto Oceanográfico da USP.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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