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Procura-se: raro!

 

Por Laisa Dias e Thais Morimoto

 

Arte: Clarisse Macedo

Nesta edição do claro! procuramos tratar de assuntos dificilmente abordados. E foi aí que achamos o maior obstáculo: como encontrar algo que é tão incomum? As raridades não têm um significado único.

Os colecionadores de artefatos são os exemplos que geralmente lembramos primeiro, eles procuram por itens exclusivos e, por algum motivo, valiosos.

A baixa incidência também torna algumas questões atípicas, é o exemplo de esportes pouco familiares no Brasil, tipos sanguíneos que fogem do padrão que conhecemos ou até mesmo as pessoas com albinismo. 

O raro ainda pode nos surpreender. Há raridades que são criadas pelo ser humano. É o caso de raças de animais feitas em laboratórios, criando o animalzinho “perfeito”, do tamanho e aparência desejada.

Ao mesmo tempo que criado, o incomum pode ser consequência da destruição da ação do homem, como a submersão de cidades inteiras decorrente da construção de barragens e do desaparecimento de povos indígenas, derivado de apagamentos históricos e da degradação da natureza. Depois de tudo, ele ainda pode ser algo redescoberto, que percebemos o valor após sua quase extinção.

E não para por aí. O raro está na insuficiência dos debates sociais, como a falta de pessoas LGBTQIAPN+ em cargos de lideranças em grandes empresas.

A edição claro! raros buscou variedades em seus assuntos, mas isso não quer dizer que acaba por aqui. Devem existir questões que nós nem sequer conseguimos encontrar, são raras.

Expediente: Reitor: Carlos Gilberto Carlotti Junior. Diretora da ECA-USP: Brasilina Passarelli. Chefe do departamento: Luciano Guimarães. Professora responsável: Eun Yung Park. Capa: Clarisse Macedo. Editoras de conteúdo: Laisa Dias e Thais Morimoto. Editora de Arte: Clarisse Macedo. Editora Online: Lívia Lemos. Ilustradoras: Gabriele Mello e Nathalie Rodrigues. Diagramadores: Ana Mércia Brandão, Camilla Almeida, Danilo Queiroz, Gabriel Tavares, Julia Magalhães, Laura Pereira Lima, Mariana Krunfli, Nathalie Rodrigues, Sofia Lanza, Thaís Helena Moraes, Yasmin Araújo. Redação: Caroline Santana, Elaine Borges, Emanuely Benjamim, Felipe Velames, Gabriel Cillo, Gabriel Eid, Guilherme Castro Sousa, Guilherme Valle, Lorena Corona, Maria Trombini, Mariana Zancanelli, Marília Monitchele, Melannie Silva, Osmar Neto, Ricardo Thomé. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, prédio 2 – Cidade Universitária, São Paulo, SP, 05508 920. Telefone: (11) 3091- 4112. O claro! é produzido pelos alunos do quinto semestre de Jornalismo como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso-Suplemento.

A moeda que falta

 

Por Felipe Velames

 

Arte: Clarisse Macedo

Lance inicial, 95 mil pela moeda rara do século passado.

Assim começa mais uma troca indireta entre associados, uma espécie de leilão feito somente para pessoas pertencentes a Sociedade Numismática Brasileira, uma entidade que estuda moedas, cédulas e medalhas. Um dos melhores locais para encontrar as peças que faltam em suas coleções.

O ponto mais importante da noite não são os leilões, e sim os seus bastidores. É durante os intervalos, o cafezinho, o bate papo nos corredores, que de fato ocorrem as trocas entre colecionadores.

Aqui comigo tem 123 mil.

Até mesmo as amizades formadas com outros vendedores podem render trocas no futuro, mas existem pessoas que tiveram a sorte de achar suas moedinhas em lugares mais comuns.

Número 13, 299 mil.

Durante uma visita à Stonehenge, aquelas pedronas que ficam no sul da Inglaterra, um rapaz encontrou uma singela feirinha de domingo. Surpreendentemente, foi lá que ele conseguiu um denário, uma pequena moeda de prata da época do Império Romano, que faltava em sua coleção.

513 mil. Quem me dá 600?

Essas peças que foram tão difíceis de conseguir demandam um cuidado especial. Mas de vez em quando, um colecionador acaba se distraindo e perdendo a sua tão preciosa moeda, que custou 2 mil reais, no vão de um elevador. A perda só não custou mais caro porque o síndico do elevador achou a bendita.

829 mil. Será que vamos chegar a um milhão?

Não é só de moedas, fichas e/ou selos que se vive o colecionismo. Pode acreditar, existe colecionador para todo tipo de objeto, até os mais ordinários que ninguém coleciona, como rótulos de requeijão, algo que nem ele mesmo come. Geralmente, pede para os familiares ou amigos guardarem os potinhos e, então, retira com todo cuidado o rótulo e o plastifica em um caderninho. Fica a coisa mais linda. O bom é que ele não precisa passar horas em leilões para terminar sua coleção.

901 mil. Dou-lhe uma. Dou-lhe duas. Vendido.

Voltando aos lances, infelizmente, não foi dessa vez que conseguimos adquirir a moeda que faltava. Estou começando a achar que o raro não é encontrar o objeto, mas conseguir comprar ele. O jeito é procurar em uma feirinha.

Colaboradores: Eliezer da Silva, dono do canal de YouTube Numismática Brasileira; Felipe Rocha, sócio fundador da Rocha Numismática; Hilton Lúcio, sócio fundador da casa de leilões Vila Rica Moedas; Nilton Romani, dono do site Coleções de Cédulas e Moedas Brasileiras; Oswaldo Rodrigues, diretor de comunicações da Sociedade Numismática Brasileira; Paulo Abreu, sócio gerente do leilão MNM Numismática; Pedro Jorge e José Henrique, multicolecionadores;

À la carte

 

Por Gabriel Cillo

 

Arte: Gabriele Mello

A alta gastronomia brasileira passa pelo movimento de redescobrir ingredientes do passado. Nesse sentido, o resgate da criação do gado Curraleiro Pé-Duro é motivo de inovação com raridade e brasilidade.

Com origem no período colonial, essa espécie tipicamente brasileira é resultado de cruzamentos e de processos de seleção natural, em solo nacional, de gados advindos de Portugal e Espanha. Entretanto, com o tempo, o Curraleiro foi se tornando cada vez mais raro e perdeu espaço na pecuária moderna, que prioriza animais como commodity para exportação. Por isso, tem-se optado por gados que demoram dois ou três anos para atingir o tamanho e peso para abate — o Pé-Duro tem média de quatro ou cinco. 

Hoje, encontram-se ameaçados de extinção e o último censo, realizado em 2012 pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), apontou para 3.692 animais. Atualmente, estima-se de 5 mil a 6 mil, que ainda estão em risco, segundo a Associação Brasileira de Criadores de Bovinos Curraleiros Pé-Duro. O Curraleiro ganhou destaque na alta gastronomia como alternativa ao aclamado Wagyu, de origem japonesa, por também conter alto marmoreio, que é a quantidade de gordura intramuscular presente no corte da carne e que agrega sabor, textura e maciez.

O fator genético explica o grau de marmoreio elevado de ambos. Contudo, o gado brasileiro ganha valor na diferença em sua criação, suportando mais aridez e alta temperatura, com menor exigência de manejo e insumo agropecuário, barateando a criação. É assim na Fazenda Mutum, em Pirenópolis, Goiás, com trabalho familiar de Pé-Duros há dez anos, focado na recuperação e melhoramento genético.

O Curraleiro conquistou a alta gastronomia, também, pelo menor aspecto hormonal, alimentando-se de folhas, cascas de árvores e cactos, com redução do uso de medicamentos e rações, sendo redescoberto por chefs de cozinha que buscam inovação na brasilidade e no olhar para o passado.

Ele tem menos oferta do que demanda, sendo agora uma carne cobiçada e servida em pequenas quantidades em menus à la carte. Ganha brilho ao ser maturado em pasta de anchova acompanhado de algas, ou ao ser sublimado com pimentão piquillo e melancia. Em menu degustação de oito a dez tempos o preço pode variar, de R$ 900 a R$ 1500.

Colaboradores: Chef Ivan Ralston; Katherina Cordás, pesquisadora gastronômica; Luiza Fecarotta, crítica gastronômica.

Cuidado! Frágil

 

Por Ricardo Thomé

 

Arte: Gabriele Mello

Quem deseja importar da Coreia do Sul um cachorro que cabe numa xícara de chá só precisa de duas coisas: bolso cheio e muita coragem. Caso a busca seja por um filhotinho ainda mais específico em raça, gênero, cor ou tamanho, basta desembolsar mais mil dólares, além do valor do animalzinho e da estadia no hotel. Isso garante que, se mesmo assim o cãozinho não agradar, seja possível requerer sua substituição por até duas vezes. Realizado o processo, o valioso amigo do homem pode, finalmente, encontrá-lo. 

Mais do que a aquisição de um companheiro, fala-se de um investimento de risco. Fabiana Michelsen de Andrade, geneticista da UFRGS, explica que a priorização por aspectos estéticos na seleção artificial pode levar a problemas de saúde. Esse processo, que já aconteceu com raças mais consolidadas, como Pug, Bulldogue Francês e Dachshund, agora é ampliado, com ênfase na busca por animais mini ou com pelagens diferentes. É a procura pelo “exótico”: “Cães muito pequenos tendem a ter mais problemas imunológicos, ortopédicos e de desenvolvimento, porque suas articulações não são formadas corretamente”.

Além disso, ela conta que, para selecionar rapidamente as características, os criadores recorrem ao acasalamento consanguíneo, que traz sérios riscos à saúde dos animais. “Na mesma ninhada do mini, há filhotes com doenças sérias ou que nem sobrevivem. Mas o comprador não sabe disso”. Sobre as pelagens, um animal filho de dois merle ou de dois arlequim, tende a ser cego e surdo.

O site de doguinhos coreanos assegura vacinação e proteção completa até que os animais cheguem às suas novas casas, e estipula que a expectativa de vida “depende de como for cuidado e espera-se que seja semelhante à de outros cães de sua espécie (que não existe na natureza)”.

Mas não se preocupe: se por alguma eventualidade o cão vier a falecer dentro do período de um ano, tem garantia! Tal qual um carro ou uma TV, ela é válida para casos de problemas cardíacos ou congênitos graves que resultem na morte do animal ou ameacem sua vida. Se for o caso, é fácil acionar o seguro — mai$ dinheiro! O pai ou a mãe de pet deve enviar os laudos de exames e uma foto do animalzinho perecido para comprovar o óbito por essas questões. Isso feito, aí a empresa pode analisar o caso e enviar um novo, com as mesmas especificidades. “Finge de morto, mas é só para ganhar um irmãozinho!”

Memórias submersas

 

Por Gabriel Eid e Guilherme Castro Sousa

 

Arte: Gabriele Mello

Entre 1896 e 1897, no sertão da Bahia, um embate armado entre o exército brasileiro e os sertanejos, liderados pelo líder religioso Antônio Conselheiro, causou a morte de 25 mil brasileiros. O arraial fundado pela população foi destruído, mas os poucos sobreviventes conseguiram reerguer o vilarejo sob o nome de Canudos. 

O povoado existiu até a década de 50, quando, por iniciativa do Governo Federal, o açude de Cocorobó foi construído. Os habitantes se deslocaram para a atual cidade de Canudos reconstruída, pela segunda vez, a 13 quilômetros do antigo arraial. De acordo com Anderson Marinho, pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, nos tempos de seca, as ruínas do velho município emergem e a população aproveita para rezar uma missa em homenagem aos seus antepassados.

Existe uma repetição da história de comunidades submersas pelo Brasil. Entre 2008 e 2016, por exemplo, a implementação do complexo hidrelétrico do Rio Madeira, na Amazônia Ocidental, levou à remoção de mais de 2800 pessoas de suas residências. Já o projeto da Usina de Belo Monte, finalizada em 2019, no Pará, resultou no deslocamento forçado de mais de 40 mil indivíduos.

A construção de barragens e hidrelétricas tende a ser realizada longe dos grandes centros urbanos. No entanto, o impacto da ação humana tem consequências locais e globais, fazendo com que a submersão chegue também às grandes cidades costeiras do Brasil devido ao aquecimento global. De acordo com um relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, lançado em 2019, mesmo que as emissões de gases de efeito estufa fossem reduzidas, o nível do mar poderá subir entre 30 e 60 centímetros até 2100.

Além disso, um estudo divulgado em 2023, elaborado pela Human Climate Horizons, inclui as cidades do Rio de Janeiro e Santos em uma lista de dez cidades que podem ter 5% ou mais do seu território submerso de forma permanente até o fim do século.

Nesse cenário, as barragens têm outro propósito: impedir a submersão de um território, em vez de causá-la. António Guterres, secretário-geral da ONU, apontou, em abertura de uma reunião do Conselho de Segurança em 2023, que 900 milhões de pessoas podem ser diretamente impactadas pela elevação do nível do mar.

Colaboradores: Joseph Harari e Luigi Jovane, professores do Instituto Oceanográfico da USP.

A cor (in)visível

 

Por Marília Monitchele e Melannie Silva

 

Arte: Nathalie Rodrigues

Thiele, Ana Beatriz e Tatiana não se conhecem, mas têm algo em comum. As três são mulheres negras que compartilham uma condição genética que faz com que as pessoas nasçam sem melanina na pele, olhos e cabelo. Embora o albinismo afete indivíduos de todas as etnias, se autodeclarar como uma pessoa negra e viver em uma pele não pigmentada é um desafio significativo, em uma sociedade onde a “cor” é o principal parâmetro de definição da identidade racial.

O albinismo é uma condição rara. De acordo com o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, uma em cada 17 mil pessoas no mundo tem essa característica, sendo mais comum entre pessoas negras. No Brasil, estima-se que cerca de 21 mil indivíduos sejam albinos, de acordo com dados da Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Para Adailton Melo, pesquisador em estudos culturais com foco nesta população, há uma falta de políticas públicas para esse grupo, o que prejudica a visibilidade e a noção de pertencimento racial desses indivíduos. “É um paradoxo falar sobre a identidade da população negra albina”. 

Nascida de uma relação interracial entre mãe negra e pai branco, a estudante de psicologia e modelo Ana Beatriz Ferreira se sentiu por muito tempo neste paradoxo racial. “A gente é colocado em uma posição de ‘entre’. Não sou uma pessoa branca, mas também não sou uma pessoa negra de pele escura”. Ana relata que a fidelidade de sua mãe foi questionada mais de uma vez devido à cor de sua pele, levantando suspeitas sobre a paternidade: “insinuavam traições e perguntavam se meu pai era alemão”.

Thielle Luize, atriz carioca, relata que “até a adolescência, não tinha certeza se era apenas albina ou se realmente era negra”. Já para a analista judiciária Tatiana Moreira de Oliveira, o processo de compreensão racial foi ainda mais gradual: “Não aconteceu na infância, nem na adolescência, foi na fase adulta, nos últimos dez anos”, explica. Sua experiência inspirou “A história de Ayana” (2022), um livro infantil que explora a construção da identidade racial de uma criança albina em uma família negra. “Eu tinha tido contato com um ou dois livros sobre identidade, mas nenhum que falasse dessa experiência da negritude”.

Apesar da não pigmentação da pele, pessoas albinas não estão imunes ao preconceito e ao racismo. “Muitos veem a condição como uma doença, às vezes evitam até nos encostar por terem ouvido que o albinismo é transmitido pelo toque”, diz Thielle. Tatiana lembra, porém, que quando falamos de pessoas pretas albinas estamos falando de diversidade. “A branquitude tem todo um escopo de cores que é reconhecido. Por que isso é negado em relação à negritude?”.

Sangue raro

 

Por Caroline Santana e Guilherme Valle

 

Arte: Nathalie Rodrigues

Em 2017, repercutiu o caso de Ana Sofia, uma bebê colombiana de um ano e três meses, com um tipo sanguíneo raro, que precisava urgentemente de uma transfusão. Doada por Ewerton Ribeiro de Sousa, uma bolsa de sangue percorreu 4885 km desde o Ceará até Medellín para salvar a vida dela, isso porque ambos são portadores da síndrome de Bombaim.

Registrada pela primeira vez em 1952, em Mumbai, na Índia, a prevalência na região é de um em cada dez mil habitantes, e globalmente é identificada em uma a cada 250 mil pessoas. Segundo a hematologista da equipe de Pesquisa e Desenvolvimento do Grupo Fleury, Maria Carolina Tostes, o surgimento da síndrome pode estar ligado aos casamentos consanguíneos.  Mas nem sempre é o caso: os pais de Ewerton, por exemplo, não têm grau de parentesco ou casos de casamentos entre parentes.

A síndrome é caracterizada pela ausência do antígeno H, que funciona como apoio para os carboidratos A e B, que definem o tipo sanguíneo no sistema ABO. A hematologista explica que quando ambos estão presentes o tipo sanguíneo é AB; na presença de um só; A ou B, e na ausência dos dois, é definido como O.

Pacientes com Bombaim não tem o antígeno H, o que impossibilita a identificação das moléculas A ou B e resulta em um falso O.

A condição não afeta a rotina do portador, a menos que seja necessária uma transfusão, já que devido a incompatibilidade do sangue com qualquer outro do sistema ABO, pode resultar em choque anafilático e morte.

Patrícia Garcia, supervisora da Seção de Hemoterapia do Hemocentro de Botucatu, explica que um teste comum não permite detectar a condição. É necessário um exame chamado PAI (Pesquisa de anticorpos irregulares), onde são detectados anticorpos não naturais presentes no sangue. Também são realizados exames adicionais de fenotipagem para outros antígenos sanguíneos, além do ABO e do fator Rh, que só podem ser feitos em um Hemocentro.

No Brasil, onde há 11 registros no Cadastro Nacional de Sangue Raro, segundo a Secretaria de Saúde do Ceará, realizar a transfusão pode ser um desafio. A alternativa, conta Patrícia, é congelar o sangue do portador para evitar problemas futuros, como já aconteceu com uma de suas pacientes.

Inovação flutuante

 

Por Maria Trombini e Mariana Zancanelli

 

Arte: Nathalie Rodrigues

Trabalhar com uma vista para o mar é o sonho de muitos, mas trabalhar em um escritório flutuando sobre ele é uma oportunidade para poucos. No porto de Rijnhaven, nos Países Baixos, está ancorado um escritório flutuante: o Floating Office Rotterdam (FOR). O edifício de três andares foi projetado para ser desmontável e resistir às variações do nível da água, sendo capaz de subir e descer dois metros por dia, flutuando conforme a maré.

A 9.600 km de distância do FOR, em Joanópolis, no interior de São Paulo, brasileiros também criaram empreendimentos sobre as águas. Em 2019, a empresa Altar desenvolveu duas casas flutuantes que ficam ancoradas em represas e estão disponíveis para hospedagem. O projeto promete ser um meio sustentável de reconexão com a natureza.

Porém, ocupar corpos d’água e suas margens não é algo tão raro. Desde a Revolução Agrícola, populações desenvolvem tecnologias que possibilitam a ocupação de áreas sujeitas a variações do nível da água – como as enseadas, deltas e várzeas de rios. Os moradores vivem em casas que flutuam sobre troncos ou de palafitas para impedir que as residências sejam destruídas durante os períodos de cheia. A técnica é utilizada em diversos locais, como às margens do Rio Amazonas ou do Rio Mekong, na China.

Além de fenômenos naturais, como os períodos de cheia e vazante, outro fator tem alterado o regime fluvial: as consequências da mudança climática. Diante desse cenário, algumas empresas passaram a dedicar esforços para mitigar os agravantes desse problema. O FOR e o Altar, por exemplo, foram pensados para agredir minimamente a natureza: as estruturas são de material sustentável e placas solares geram a energia necessária. Contudo, no escritório, os resíduos gerados são apenas redirecionados para serem reciclados em terra firme. Na casa, um biodigestor trata o esgoto e o lixo sólido é levado a uma fazenda próxima para ser reaproveitado.

Para Alexandre Delijaicov, especialista em infraestruturas urbanas-fluviais, a ocupação das águas, da maneira como acontece hoje, não pode ser vista como uma alternativa para os problemas de regiões submersas ou superlotadas. Seriam necessárias, a longo prazo e em larga escala, a viabilização do tratamento de esgoto, a inserção de uma energia limpa e segura e a extinção do lixo para que os escritórios e casas flutuantes – e os que estão em terra firme – funcionassem de maneira sustentável. “A vida dos seres humanos no planeta está submetida a um modo de produção extremamente prejudicial para a saúde e equilíbrio da natureza. Tanto faz se estão embarcadas ou não.”

Abaixo de zero

 

Por Osmar Neto

 

Arte: Nathalie Rodrigues

No Brasil, a cidade de Urupema, em Santa Catarina, tem a menor média de temperatura anual do país com 8°C. Em um lugar tão quente, é impossível praticar esportes que precisam de neve, como snowboard ou esqui. Alguns poucos privilegiados desfrutam de Bariloche, por exemplo, ou viajam para o hemisfério norte em suas férias. Entretanto, existem brazucas que levam esses esportes a sério e fazem do hobby, sua profissão.

Esse é o caso do catarinense Zion Bethonico de apenas 18 anos, que em janeiro conquistou a primeira medalha da história olímpica de inverno do Brasil. Foi um bronze no snowboard, nos jogos da juventude disputados em Gangwon, na Coreia do Sul. O atleta contou que, quando está aqui, ele foca na parte física e trabalha atributos como força e velocidade, mas costuma passar cerca de metade do ano no exterior para manter sua rotina de treinos.

Por conta das questões geográficas, a prática de esportes de inverno por brasileiros é muito custosa e ainda é raridade. Noah Bethonico, que é irmão de Zion e também atleta de snowboard, destaca que algumas despesas são pagas por conta própria. Para quem está começando, os desafios financeiros são ainda maiores.

Outro esporte ainda menos praticado pelos brasileiros é o bobsled, uma corrida de trenó no gelo que se baseia em percorrer uma pista no menor tempo possível. Na categoria “4-man”, Edson Bindilatti, era o piloto da equipe que garantiu o melhor resultado do Brasil na história da modalidade, um vigésimo lugar nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, em Pequim. Ele também ressalta o alto custo do esporte, um trenó novo, por exemplo, custa cerca de 120 mil euros. Nos jogos de Pequim, por exemplo, o Brasil competiu com lâminas emprestadas e trenó alugado.

Os bons resultados recentes têm despertado a atenção do governo nacional e do Comitê Olímpico Brasileiro. Dos 11 competidores do Brasil em Pequim, nove integram o Bolsa Atleta, programa de patrocínio governamental. Além disso, os atletas acreditam que a tendência é que o COB aumente o repasse de verbas nos próximos anos para a Confederação Brasileira de Desportos na Neve e a Confederação Brasileira de Desportos no Gelo, que também auxiliam financeiramente os atletas

Barreiras invisíveis

 

Por Elaine Borges

 

Arte: Nathalie Rodrigues

No Brasil, cerca de 2,9 milhões de pessoas se identificam como gays, lésbicas ou bissexuais, o que equivale a aproximadamente 1,8% da população adulta. Uma pesquisa realizada em 2021 pelo Center for Talent Innovation — organização sem fins lucrativos focada em pesquisas sobre grupos subrepresentados no ambiente de trabalho — revelou que 33% das empresas brasileiras não contratariam pessoas LGBTQIAPN+ para cargos de liderança.

As ações afirmativas, derivadas dos movimentos sociais que emergiram após a redemocratização brasileira em 1985, demandaram uma postura mais ativa do Poder Público em relação a questões como raça, gênero e etnia. Elas são uma alternativa para a integração, retenção e ascensão dessas pessoas no mercado de trabalho, já que visam combater a discriminação enraizada na sociedade.

No entanto, não existe nenhuma regulamentação específica para esse grupo. Por isso, os dados indicam que a porcentagem desta população em posições de liderança ainda é baixa. De acordo com a consultoria Great Place To Work, apenas 8% dos profissionais brasileiros em cargos de liderança se autodeclaram homossexuais, bissexuais ou transgêneros. Entre os que ocupam uma cadeira na presidência, o número cai para 6%. 

Para a população trans, esse número é mais agravante. Apenas 4% das mulheres trans no Brasil estão formalmente empregadas. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) estima que 90% desse grupo recorre à prostituição como fonte de renda principal e única possibilidade de subsistência. 

Felipe Carvalhal, pesquisador na área de diversidade, considera que não existe uma inclusão de pessoas LGBTQIAPN+ em cargos de liderança, mas sim uma tentativa de entender e mapear este cenário. Outros fatores que contribuem para a baixa ascensão profissional desse grupo incluem recortes de raça, classe e gênero. O pesquisador aponta que as oportunidades são significativamente menores para pessoas negras e pobres em comparação com homens brancos da mesma classe social: “Essas disparidades, combinadas com uma sexualidade considerada desviante, agravam ainda mais a situação”. 

Colaboradores: Alexandre Putti, diretor de comunicação do Fundo Positivo; Daniela Damiati, gestora de ESG no Instituto Ethos; Felipe dos Anjos Almeida, especialista em marketing digital na Accenture; Niodara Faria, CEO da consultoria Novas Narrativas.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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