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Clicar ou não clicar ?

 

Por Laura Scofield

 

Sonolento, Caio acordou e seguiu para o banheiro. Não conseguiu entrar. Deu um pulo quando, na porta, desceu um banner com uma promoção de livros de um autor que ele conheceu ontem à noite. Se desvencilhou e jogou uma água no rosto. 

Foi pra cozinha. Chegando lá, de novo os livros. Dessa vez ficou mais difícil se esquivar. Denunciou o anúncio. “Por quê?”, o banner perguntou. “Não quero ver o anúncio”, respondeu. Coisa estranha, ele nunca tinha dito que queria. Ficou em silêncio, olhou para os lados. Se sentia vigiado.

Ao fazer seu café, questionou por que não tinha uma máquina da Nespresso. Ele sempre erra na medida, fica forte ou fraco demais, com muito ou pouco açúcar. Mas tudo bem, focaria no encontro com a Fê mais tarde. Estava animado. “Que tipo de bar ela curte?”, soltou.

Vestiu suas roupas e foi para o elevador, onde se deparou justamente com o que precisava. “Que coincidência!”, exclamou. A TV indicava “10 bares apaixonantes em São Paulo”.

Na rua, num terreno até ontem badio, hoje amanheceu uma loja da Nespresso. E, uau, a máquina de café estava na promoção! Parecia um sinal divino, ele teria que comprar.

Na esquina, um outdoor com mais dicas de bares. Quase foi atropelado quando, ao atravessar a rua, deu de cara com o mascote de seu time. Ele oferecia dois ingressos pro jogo de amanhã. Caio nem era tão fã. Contornou e seguiu. 

O dia foi intenso. Ele trabalha com marketing digital e em um meeting discutiu com sua boss sobre uso de dados. “Todas as interações na internet podem ser captadas”, disse Marina¹. “Os buscadores usam isso para ajudar na construção de uma melhor ‘experiência do usuário’”, complementou Raquel². Já eles usavam para entender seus clientes.

A grande questão era que não sabiam trabalhar com as novas regras da lei de proteção de dados, que começaria a valer em 2021. Reunidos, estavam justamente tentando entender o que mudaria com a LGPD. Parece que a lei tinha surgido para proteger o usuário e estabelecer limites seguros para o uso das informações.

“Os dados precisam ter uma finalidade. As coletas devem ser proporcionais e não excessivas”, trouxe Raquel. “São recursos valiosos, não à toa chamados de ‘o novo petróleo da economia mundial’”, terminou Marina. Caio só conseguia pensar em quanto isso custaria. A crise já chegava na empresa. 

Terminado o expediente, foi encontrar a Fê e, com ideias em mente, estava animado.

Foi então que ela ligou. Para atender a ligação, fechou um pop-up com um curso para adaptar sua empresa à LGPD gastando pouco. Estranho. “Vamos pra sorveteria?”, perguntou a garota. “Quero um sorvete desde ontem, e hoje por acaso conheci um lugar novo.” Decepcionado, topou. Nada romântico.

Caio antes pensava que Fernanda combinava com ele, mas não mais. Ele questionava A, ela indagava B. Ele queria uma cafeteira elétrica e ela só gostava de chá. Acreditam que ela nem lia? Claro que ele também não lia tanto, mas o novo autor mudaria isso.

Saiu do encontro contrariado, cada vez mais certo de que a interação humana não era pra ele. Morreria sozinho.

Chegando em casa, recebeu desconto pro Tinder Pro (e os livros sem frete).

 

Colaboraram: 

¹Marina Pita, coordenadora executiva do Coletivo Brasil de Comunicação Social e especialista em direitos digitais e telecomunicações

²Raquel Saraiva – Presidente do IP.rec – Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife  (www.ip.rec.br), membro da Coalizão Direitos na Rede; advogada e doutoranda em Ciência da Computação pela UFPE

(As falas foram inspiradas em entrevistas feitas com as especialistas, não são a reprodução completa)

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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