Esquecer a data de um exame é revoltante. E não se lembrar das palavras ternas do marido nas núpcias pode ser pior ainda. Mas, tomando distância das frustrações imediatas, o esquecimento é um processo bom. Mais, é fundamental.
Quem o diz é Lílian Stein, pioneira no estudo sobre falsas memórias no Brasil. A professora da PUC-RS conta que seus alunos ficam surpresos quando ela dá a declaração fatal: “Seria horrível ter uma memória perfeita. Esquecer faz parte de um processo adaptativo do nosso sistema. A raça humana só sobreviveu por ter essa capacidade”.
João Roberto Tenório, doutor em psicologia cognitiva pela UFPE, complementa que, sem o esquecimento, nós sofreríamos uma grande sobrecarga mental: “Criar uma memória não é só reter uma informação: você guarda, processa e significa ela. Cognitivamente falando, é um processo muito pesado”.
A primeira teoria sobre o tópico foi publicada em 1881, batizada de Curva do Esquecimento. A ideia do psicólogo Hermann Ebbinghaus era que, após decorar uma lista de 10 palavras inventadas, ele mediria o quanto das letras seria lembrado com o tempo. A conclusão foi que uma quantidade maior de informações desaparecia do cérebro em um período curto, mas, no decorrer dos dias, menos se esquecia.
A curva foi replicada e atestada muitas vezes. Mas nela, há limitações: primeiro, porque ela parte do princípio de que o indivíduo memorizou 100% das informações. Além disso, os assuntos do nosso cotidiano quase nunca vêm em formato de lista (muito menos de uma lista de letras sem nexo).
A teoria do alemão também diverge de outras posteriores em relação ao armazenamento de ideias. “Ebbinghaus considerava que a memória fica cravada em um substrato mental, e o que se esquece é apagado do cérebro”, explica João Roberto. Outros modelos, no entanto, entendem o esquecimento como uma dificuldade de acessar informações armazenadas.
A teoria da Falha na Recuperação, de 1932, é um exemplo do último caso. O teórico inglês Frederic Bartlett sugeria que as informações não são de fato perdidas. Experimentos comprovam esse modelo: neles, pessoas se lembram de fatos que antes não podiam ser recordados.
Além dessa, a Teoria da Interferência, de 1894 (sempre atualizada), postula que o esquecimento se dá pela sobreposição de memórias. Ela ajuda a explicar o porquê de esquecermos coisas tão importantes como a declaração do marido no casamento: as informações mais recentes e mais ligadas à afetividade estariam sempre competindo e conquistando um lugar na nossa memória, em detrimento das mais antigas – por mais tocantes que elas sejam.
Fontes:
Lílian Milnitsky Stein – psicóloga, pesquisadora e professora da PUC-RS
João Roberto Ratis Tenório da Silva – doutor em Psicologia Cognitiva pela UFPE, bolsista em programa de Doutorado de Psicologia Cultural na Dinamarca.