Tudo mudou de lugar. Quem pôde, levou o trabalho para o ‘home office’. Quem não, perdeu o seu. E teve quem já estava trabalhando em casa. Se antes tinha tempo para o lazer, hoje nem isso ela tem entre as tarefas.
Acordar e ir direto para a panela. Café na mesa. Ligar o fogão é bater o ponto. O marido vê o telejornal. Tenta escutar, mas tem pressa: pega o transporte e demora para chegar na empresa. Ela continua em casa.
Antes de desligar deu tempo dela ver parte da matéria falando da pesquisa em que mulheres notaram o aumento nas tarefas em casa. E, assim, cerca de 56% delas conseguem fazer exercícios físicos — número menor que o de homens, com 66%.
O filho quer assistir série. É hora de limpar a casa. Ele tem aula EAD e reclama. Direito dele de ver TV? Ela já perdeu o dela. O que sobra são os deveres do lar.
A faxina começa para não atrasar o almoço, mais uma responsabilidade. A cabeça é ocupada demais em equilibrar tudo. Algo comum para muitas outras mulheres.
Até tenta um momento mais tranquilo ouvindo música. É a distração dentro dos cômodos. Ela também não viu, mas entrou para os 91% dos paulistanos que escutam música como forma de lazer — saberia se tivesse visto o resto da reportagem do telejornal.
Mas o seu lazer não gera descanso, só casa limpa.
Ela escuta música no celular que ganhou do filho. Achou curioso ele comprar em meio a crise. Se houvesse uma divisão dos afazeres e tivesse tempo de ler notícias, veria que ele é um dos jovens de 16 a 24 anos que compõem os 55% que compraram pela internet.
Só reparou que chegaram mais encomendas pelo correio. Para ele, claro. Ela viu da janela de casa. Mas logo voltou ao serviço.
Não perde seu tempo nos pensamentos. O relógio da casa não para. Ainda tem de lavar as roupas do filho, que jogou futebol no final de semana. Lembra de como queria fazer uma caminhada. Tentou organizar por aplicativo de rotina e viu gente que gerenciava o tempo. Mas nenhum deixou sua vida mais leve. Venceu o raro cochilo da tarde. Continuou em casa.
Resta ver as redes sociais. O marido chega, reclama do trânsito. Ela pensa como seria gastar tempo olhando pela janela do ônibus. Sem afazeres.
Hora de dormir. Eles levantam cedo para ir trabalhar e estudar. Ela continua em casa, equilibrando tudo para eles. Ela, a dona de casa.
Fontes:
“Pesquisa: “Percepção sobre marcas e consumo na pandemia” do Instituto Datafolha em julho de 2020
“Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Anual – 5ª Visita” do IBGE, em 2019
“Pesquisa Painel TIC COVID-19: Usuários de Internet que Compraram Produtos e Serviços pela Internet nos Últimos 3 meses” do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação em agosto de 2020
Colaboração:
Geraldo Ramos, vendedor autônomo;
Leandro Passos, palestrante e coach de planejamento pessoal;
Mateus Orio, sociólogo e professor na Universidade Estadual de Goiás;
Marta Rocha e Tânia Regina Maschio, donas de casa.