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O balanço necessário e dispensável | Editorial

 

Por Laura Alegre e Leticia Camargo

 

Este ano parece um verdadeiro castelo de cartas: com bases instáveis, que nos faz temer qualquer ventinho soprando perto demais. As estruturas não parecem mais tão sólidas, principalmente com a pandemia e as inseguranças sobre a saúde, na política e na vida de cada um. No meio de tanta instabilidade, a busca por equilíbrio ganha ainda mais relevância. Mas o que é exatamente o equilíbrio, e como é possível alcançá-lo?

Esta edição do claro! explora as diferentes facetas desse conceito que parece tão próximo e ao mesmo tempo tão distante. O equilíbrio não é reservado somente a uma bailarina em sapatilhas de ponta, tampouco a um trapezista de circo. Todos precisam de equilíbrio físico, mental e no relacionamento com o mundo ao redor. Conciliar razão e emoção, trabalho e lazer, mente e corpo, expectativas e realidades parece uma tentativa constante de alinhar os pratos de uma balança, que sempre pende de um lado para o outro.

Mas será que equilibrar essa balança é sempre necessário? Na verdade, há situações em que o equilíbrio é pouco desejável ou mesmo inalcançável. Afinal, o que seria de nós se dançássemos sempre conforme a música, sem nunca destoar? Se tivéssemos um equilíbrio perfeito de corpos, ideias e atitudes? “Sair da linha” e quebrar paradigmas também é preciso. Desequilibrar, em alguns casos, é o que nos faz manter a mente sã, nos faz individuais e mais próximos de nós mesmos.

Expediente: Reitor: Vahan Agopyan. Diretor da ECA-USP: Eduardo Henrique Soares Monteiro. Chefe de departamento: André Melo de Chaves Silva. Professora Responsável: Eun Yung Park. Editores de Conteúdo: Laura Alegre e Letícia Camargo. Editores online: Gabrielle Torquato e Samantha Prado. Editores de Arte: Gabrielle Yumi e Renan Sousa. Repórteres: Bianca Muniz, Caroline Aragaki, Caio Mattos, César Costa, Diego Bandeira, Fernanda Pinotti, Hugo Vaz, José Carlos Ferreira, Karina Merli, Leonardo Lopes, Maria Laura López, Mariana Arrudas, Mariana Cotrim, Mayumi Yamasaki, Pedro Ezequiel, Pedro Teixeira, Sofia Aguiar, Tainah Ramos, Vital Neto e Yasmin Caetano. Capa: Gabrielle Yumi (produção) e Renan Sousa (planejamento).  Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, prédio 2 – Cidade Universitária, São Paulo/SP, CEP: 05558-900. Telefone: (11) 3091-4211

A ética do desequilíbrio

 

Por Yasmin Caetano

 

om mensagens de positividade, Larissa Oliveira conquistou dois milhões de seguidores em sua página “Paz e Equilíbrio” do Instagram. “Nunca esperei que uma página sobre esse assunto teria tanto alcance”, conta a profissional de Thetahealing, uma espécie de terapia quântica. Ao ponderar sobre o próprio sucesso, opina que é o “conteúdo positivo que as pessoas não encontram em qualquer lugar.”

Mas a busca pela vida equilibrada é popular – e vende. Livros de autoajuda lideraram a lista de mais vendidos no Brasil em 2019, levantou a empresa de mídia Nielsen. Inúmeros artigos com dicas de controle emocional e de tempo são encontrados em uma pesquisa rápida em buscadores da internet. A própria Larissa vende cursos livres por preços diversos. Já conquistou mais de três mil alunos com a premissa de ajudá-los a encontrar sua melhor versão.

A ideia não é nova. A filosofia antiga já equiparava vida equilibrada à felicidade. Na Grécia Clássica (IV e V a.C.), Aristóteles sauda a temperança, qualidade de quem é moderado, em Ética a Nicômaco. O indivíduo feliz controlaria hábitos viciosos, sem pecar pelo excesso nem pela falta.

O debate sobreviveu ao tempo. Hoje seu sentido está atrelado à busca incessante pela felicidade a todo custo. Uma eterna sensação de insatisfação, impulsionada pelas aparências felizes de redes sociais, empurra indivíduos para “expectativas irreais sobre a própria vida” reflete o psicólogo israelense Tal Ben-Shahar ao jornal El País. 

Em grupo, desvios são fundamentais para uma sociedade saudável. Assim definia Émile Durkheim, sociólogo. Ele afirmava que transgressões, como crimes, permitem a normalidade social, pois são parte do comportamento humano em grupo.

Sem eles, haveria uma tendência até mesmo ao autoritarismo pelo controle em atos naturais, explica Marco Antonio Alves, professor de filosofia política na UFMG. Paradoxalmente, são os excessos que criam o equilíbrio em sociedade.

Ao indivíduo, emoções negativas como a raiva, o medo e a ansiedade, também são necessárias, diz Ben-Shahar. Para ele, “A obsessão por ser feliz o tempo todo faz as pessoas se sentirem péssimas”. Livros de autoajuda em alta e a procura por uma rotina controlada são o efeito, e não a causa. 

Contribuíram

Roberto Bolzani Filho, professor de Filosofia Antiga na USP

Bernardo Lins Brandão, Professor de Língua e Literatura Grega na UFPR

Marco Antonio Alves, Professor Adjunto de Teoria e Filosofia do Direito na UFMG

Sérgio Sardi, professor adjunto na Escola de Humanidades na PUC-RS e filósofo

Leticia Oliveira, criadora da página @pazeequilibrio no Instagram e terapeuta de ThetaHealing

Ana Leticia Adami, doutora em filosofia pela USP

Outras fontes

El País Brasil. “A obsessão por ser feliz o tempo todo faz as pessoas se sentirem péssimas” https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/03/estilo/1570124407_210391.html

A medida de uma beleza sem medida

 

Por Bianca Muniz

 

O que Robert Pattinson, considerado um dos rostos mais harmoniosos do mundo, tem a ver com o “Homem vitruviano”, de Leonardo Da Vinci? Matemática: ambos se aproximam da razão áurea, ou 1,618, representada pela letra grega phi. Esse número estima o equilíbrio entre formas na natureza, na arquitetura, na anatomia e para muitos, isso é sinônimo de beleza.

A busca por um corpo bonito leva milhares de pessoas aos consultórios e clínicas de estética. De acordo com dados do último censo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, mais de um milhão de pessoas realizaram cirurgias estéticas em 2018, cerca de 25% a mais que o censo anterior. Adriana Fernandez é uma delas: na busca pelo corpo ideal, a criadora de conteúdo já fez diversos procedimentos, como cirurgia bariátrica, mastopexia (procedimento para reposicionamento dos seios) com prótese, rinoplastia, aplicação de botox, preenchimentos na face, entre outros. Tudo isso para garantir o ideal de beleza magro e sólido, afinal, ela acredita que ser bela abre portas nesse mundo.

Mas a valorização de medidas proporcionais começou muito antes das transformações de Adriana. Pensadores da Grécia Antiga associavam a beleza à imagem dos deuses da mitologia. Isso explica algumas correntes artísticas que tiveram força no ocidente. O corpo representado nas pinturas e esculturas da época projetava como o homem se via ou como queria se enxergar – como um deus grego, com a distância entre partes do corpo e comprimento dos membros seguindo uma proporção que se aproximasse de phi. Isso representava a virtude e a beleza, seguida por muitos anos em diferentes campos além das artes, como na moda e na arquitetura.

Para a repórter Izabel Gimenez, esse ideal de proporções surte efeitos na autoimagem até hoje, e é estimulado pela moda e pela imprensa. A ausência de manequins plus size e a criação de peças que desvalorizam o corpo gordo, por exemplo, reforçam que medidas fora do padrão não são bem aceitas e levam aqueles que não se encaixam nas proporções a buscarem um corpo que não é o seu.

Além disso, a busca por um corpo “capa de revista” por meio da razão áurea pode não garantir a beleza desejada. O cirurgião plástico Jeimeson Costa conta que, apesar da aplicação dessa proporção em alguns procedimentos estéticos, a medicina não é uma ciência exata e a anatomia não é igual para todas as pessoas. Alcançar uma medida ignorando as proporções de seu próprio corpo pode gerar resultados frustrantes e comprometer a funcionalidade do organismo.

Colaboraram:

Claudinei Roberto (professor das oficinas de criatividade do SESC Pompeia e artista plástico),

Izabel Gimenez (criadora de conteúdo e repórter de Moda e Beleza na Revista Capricho),

Jeimeson Costa (médico cirurgião plástico).

Os dados da pesquisa apresentada fazem parte do Censo 2018 da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, publicado em 2019.

 

Entre o certo e errado, valores e gerações

 

Por Mariana Cotrim

 

Se hoje vamos a um clube noturno, é comum presenciar casais se formando, além de carícias e beijos sendo trocados em público. Mas há 60 anos, uma cena como essas seria inimaginável para Zélia Gomes, 77 anos. Para seus pais, namoros expostos contrariavam a ideia de “andar na linha”.

Essa expressão ainda é presente entre jovens de hoje e, assim como antes, ela denota regras, naturais para qualquer interação social. Contudo, a  ligação com valores de uma geração faz com que a definição do “andar na linha” mude entre famílias. Se para Vivian Dias, 17 anos, pode ser lutar pelo seu futuro, para Edite Pestana, da mesma geração de Zélia, usar uma minissaia extrapolava o limite imposto pela época. E mais, se sair da linha não era nem uma opção para Raimundo Gomes, hoje com 85 anos, jovens atualmente consideram esse ato essencial para adquirir experiências, como para Giovanna Rocca, 17 anos. 

A psicóloga Daniela Daleffe, especialista em análise do comportamento, aponta a importância do equilíbrio entre o “sair” e o “andar” na linha. Segundo ela, sendo a expressão variável em diferentes grupos sociais, uma pessoa que se atenta rigidamente a um tipo de regra imposta pode ter dificuldades para se adaptar a outro ambiente.

Quando se fala em regras, os contextos sociais e culturais também são importantes para a definição do certo e errado, e a contestação desses valores contribui com a mudança dos limites na sociedade. Essa reavaliação foi mais visível no Brasil a partir de 1950, com a Contracultura e a Revolução Sexual. No mesmo período do golpe militar, jovens de diferentes movimentos contestavam o que era visto como retrógrado. 

Assim, enquanto colégios brasileiros proibiam o uso de minissaias e mulheres causavam espanto ao usá-las, passeatas feministas como o Women’s Liberation Movement ganhavam corpo, principalmente nos Estados Unidos. Esses atos possibilitaram o uso da vestimenta sem que mulheres precisassem se esconder, como fazia Edite quando saía, e permitiram uma mudança nos valores que rodeiam hoje Vivian e Giovanna em suas decisões sobre o futuro. 

Essa ampla contestação dá a Zélia a ideia de um momento atual menos rígido. Isso permite que Giovanna, por exemplo, não fique presa somente ao que é considerado certo ou errado, mas também às experiências que compõem sua vida. Também dá abertura à discussão de Daniella, sobre como o equilíbrio entre o excesso de regras e as infrações são importantes para o desenvolvimento social.

Colaboraram:

Daniela Daleffe, psicóloga formada pela PUC-Campinas. Atua com psicoterapia infantil, de adolescentes e adultos e dedica-se a grupos de estudo e supervisão em Análise do Comportamento;

Natália Cristina Batista, pós-doutoranda no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Grupo de Autoritarismo e Resistência e membro do núcleo de História Oral da UFMG;

Orivaldo Leme Biagi, doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas, coordenador do curso de Direito do Centro Universitário UNIFAAT.

Do excesso à falta, o porquê do fim

 

Por Caroline Aragaki e Karina Merli

 

Antes fosse licença poética, mas perder-se na pessoa amada para corresponder a expectativas e manter um relacionamento — algo citado por muitos eu líricos — é mais comum do que se imagina. A verdade é que conciliar o plano idealista com o de carne  e osso tem lá seus choques de realidade.

No começo, os encontros são fáceis. As conversas, também. Nelas, o casal encontra muitas coincidências de vida e que parecem guiar ao porquê ambos estão ali, de mãos dadas. É quase óbvio o motivo pelo qual não deu certo com ninguém antes: é para dar certo agora. A euforia é tão grande que não sobra espaço para dúvidas.

De repente, já se passaram alguns meses. Aquele frio na barriga começa a diminuir, cedendo lugar para alguns desentendimentos. Mas outros casais também passam por problemas e continuam juntos mesmo assim… Por que esse relacionamento não sobreviveria também?

A causa pode ser tão banal quanto uma louça na pia. A falta de divisão de tarefas domésticas, que no início parece algo tão simples de ser resolvido, como um garfo e uma faca sujos,  aos poucos se torna difícil de ser ignorada. 

Outras vezes, o motivo é material, como o dinheiro. O problema não necessariamente se inicia pelo salário em termos numéricos, mas na proporção de gastos. Quando um casal é formado por uma pessoa que gasta mais do que recebe e outra que preza por economizar, a diferença passa a pesar.

E já que salários foram mencionados, a dedicação excessiva ao trabalho também pode ser um impasse. Um dia, o jantar a luz de velas é substituído por um happy hour de confraternização da empresa. Em outro, o roteiro romântico para degustar vinhos não sai do papel por conta de horas extras e viagens corporativas que minam o tempo a dois. 

Em alguns casos, nem mesmo a convivência e a proximidade desejadas resolvem inseguranças exacerbadas. Difíceis demais de serem verbalizadas, elas ecoam dentro de quem as carrega. E sufocam. Em meio a essa agonia, os pedidos para cessá-las são vistos em crises de ciúmes, cobranças desmedidas e até mentiras. 

Os incômodos iniciais parecem exceções, mas se prolongam. Nas entrelinhas, é perceptível que uma vida a dois já não é tão natural quanto antes. Mesmo assim, há esperanças de que, com uma conversa aqui e uma adaptação ali, a corda bamba do amor se torne menos traiçoeira. 

Quando a tentativa para não cair é exagerada, a individualidade de cada um some. Isso se afasta da dinâmica de uma união saudável, em que os amantes são capazes de caminhar juntos e valorizar as particularidades de cada um, explica Zuleica Pretto, psicóloga especializada em relações amorosas. 

Isso porque aos poucos as duas pessoas que existiam no início não se tornam apenas uma, como gostam de romantizar, mas nenhuma. O perder-se para se adaptar ao outro se transforma no querer-se de volta. E assim, o entrelaçar de dedos se desfaz e cada um segue por um caminho diferente. 

De falta em falta e excesso em excesso, rompimentos acontecem. Um a cada três casamentos resulta em divórcio no país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em 2019. Para os que continuam juntos, resta pensar em como alcançar o tal equilíbrio. 

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Na corda bamba do amor, o que vale tentar? Infográfico: Gabrielle Yumi e Renan Sousa

 

Colaboraram: 

Anne Brito, advogada especialista em Direito da Família e Sucessões;

Fabricio Posocco, especialista em Direito da Família

E pessoas que não quiseram se identificar e já passaram por términos de namoro e casamentos.

O triunfo do ciclista

 

Por Hugo Vaz

 

Ninguém contou, mas você sabia. Pedalar sobre duas rodas era o salto para um novo plano de existência. Chega de ser criança, esse estágio intermediário onde só enxergamos o que ainda não somos. Abaixo a ditadura das rodinhas de apoio! Ninguém contou, mas você sabia. De algum modo, crescer estava relacionado a encontrar seu equilíbrio em cima de uma bicicleta. 

E assim você começou — balançando como uma minhoca desnorteada. 

Mas foi melhorando. Enquanto os amigos mais experientes diziam que pedalar rápido era o segredo, alguns palpiteiros diziam para ir o mais devagar possível. Os cientistas diziam que a chave estava no posicionamento estratégico da roda dianteira em relação ao eixo de direção inclinado. E sua mãe dizia para ter cuidado.

Quem encontrou a resposta para esse impasse foi seu corpo. Equilíbrio, ele decidiu, nada mais é que a média perfeita entre cair e não cair. E ciclismo nada mais é que fazer incontáveis pequenas correções na sua trajetória sem precisar pensar. Tão natural quanto sentir. Tão prazeroso quanto ser. Tão fácil quanto… andar de bicicleta. 

É na infância e no início da adolescência, entretanto, que um tombo pode significar muita coisa. Muito mais do que se pode antever. Alguns de seus amigos caíram sem que houvesse alguém ao lado para ajudá-los a se reerguer. Entre os adultos que deviam ensinar, tantos não puderam, porque também haviam caído. Tiveram medo e nunca mais montaram. Você teve sorte.

Você cresceu e ganhou o chão. A percepção aguçada das nuances e dos desafios do asfalto. Ganhou a cidade: as praças, os monumentos, as pichações, as pessoas. A capacidade de viajar sozinho quando quiser, ou quando ninguém mais quer. Uma atividade física para os momentos de alegria, tristeza, ou nada em particular. 

Ganhou algo em comum com os outros ciclistas. O garoto que aprendeu a pedalar na rua de paralelepípedos e adorava como eles faziam sua cabeça balançar. O executivo que antes de largar o carro só tinha partida e destino, mas descobriu o percurso. A entregadora de aplicativo na sua primeira semana de trabalho, que agora corre atrás de uma nova independência. 

E não é incrível? Tudo porque um dia você conquistou o equilíbrio de uma bicicleta.

 

Colaboraram:

Claudia Franco, instrutora de pilotagem de bicicleta na empresa Ciclofemini;

Emerson Pereira, André Balbino e Yasmin Reis, ciclistas amadores.

 

A bela e recatada desarmonia do lar

 

Por Pedro Ezequiel

 

Tudo mudou de lugar. Quem pôde, levou o trabalho para o ‘home office’. Quem não, perdeu o seu. E teve quem já estava trabalhando em casa. Se antes tinha tempo para o lazer, hoje nem isso ela tem entre as tarefas.

Acordar e ir direto para a panela. Café na mesa. Ligar o fogão é bater o ponto. O marido vê o telejornal. Tenta escutar, mas tem pressa: pega o transporte e demora para chegar na empresa. Ela continua em casa.

Antes de desligar deu tempo dela ver parte da matéria falando da pesquisa em que mulheres notaram o aumento nas tarefas em casa. E, assim, cerca de 56% delas conseguem fazer exercícios físicos — número menor que o de homens, com 66%. 

O filho quer assistir série. É hora de limpar a casa. Ele tem aula EAD e reclama. Direito dele de ver TV? Ela já perdeu o dela. O que sobra são os deveres do lar.

A faxina começa para não atrasar o almoço, mais uma responsabilidade. A cabeça é ocupada demais em equilibrar tudo. Algo comum para muitas outras mulheres.

Até tenta um momento mais tranquilo ouvindo música. É a distração dentro dos cômodos. Ela também não viu, mas entrou para os 91% dos paulistanos que escutam música como forma de lazer — saberia se tivesse visto o resto da reportagem do telejornal.

Mas o seu lazer não gera descanso, só casa limpa. 

Ela escuta música no celular que ganhou do filho. Achou curioso ele comprar em meio a crise. Se houvesse uma divisão dos afazeres e tivesse tempo de ler notícias, veria que ele é um dos jovens de 16 a 24 anos que compõem os 55% que compraram pela internet. 

Só reparou que chegaram mais encomendas pelo correio. Para ele, claro. Ela viu da janela de casa. Mas logo voltou ao serviço.

Não perde seu tempo nos pensamentos. O relógio da casa não para. Ainda tem de lavar as roupas do filho, que jogou futebol no final de semana. Lembra de como queria fazer uma caminhada. Tentou organizar por aplicativo de rotina e viu gente que gerenciava o tempo. Mas nenhum deixou sua vida mais leve. Venceu o raro cochilo da tarde. Continuou em casa.

Resta ver as redes sociais. O marido chega, reclama do trânsito. Ela pensa como seria gastar tempo olhando pela janela do ônibus. Sem afazeres. 

Hora de dormir. Eles levantam cedo para ir trabalhar e estudar. Ela continua em casa, equilibrando tudo para eles. Ela, a dona de casa.

 

Fontes: 

“Pesquisa: “Percepção sobre marcas e consumo na pandemia” do Instituto Datafolha em  julho de 2020

“Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Anual – 5ª Visita” do IBGE, em 2019

“Pesquisa Painel TIC COVID-19: Usuários de Internet que Compraram Produtos e Serviços pela Internet nos Últimos 3 meses” do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação em agosto de 2020

Colaboração:

Geraldo Ramos, vendedor autônomo;

Leandro Passos, palestrante e coach de planejamento pessoal;

Mateus Orio, sociólogo e professor na Universidade Estadual de Goiás;

Marta Rocha e Tânia Regina Maschio, donas de casa.

 

O casamento entre verbo e música

 

Por Fernanda Pinotti e Leonardo Lopes

 

Em 1980, ao discutir sobre a capa de seu novo álbum, Adoniran Barbosa se comparou a um palhaço triste. Isso porque, por trás das melodias eufóricas de seus sambas, as letras muitas vezes também carregavam tristeza. Equilibrar-se entre letra e melodia não é apenas uma habilidade presente nas músicas de Adoniran, mas uma relação que se encontra em todas as canções. 

Qualquer composição pode ser analisada a partir do equilíbrio entre dois polos: o da música e o da fala. O compositor e mestre em Música pela UFMG, Kristoff Silva, comenta que a canção pode pender mais para um deles, mas nunca se fixa exatamente em um. Ele explica baseado na “Semiótica da Canção”, teoria criada pelo músico e linguista Luiz Tatit.

A teoria categoriza as composições em três modelos, um deles ligado à oralidade, e os outros à musicalidade. No primeiro modelo, chamado de “figurativização”, a letra da música é valorizada. Ele está mais presente no rap, por exemplo, e nos passa a sensação de que estamos ouvindo uma história. Segundo Kristoff, “o chamamos assim porque cria, na mente da pessoa que ouve, a figura de alguém falando.”

Os outros modelos valorizam a melodia. Chamados de “passionalização” e “tematização”, eles se diferem basicamente pela velocidade. O primeiro diz respeito às músicas mais lentas, que remetem a um sentimento de falta, distância e saudade. Já o segundo engloba as músicas aceleradas, que criam sensação de proximidade e alegria. E sensações diferentes podem ser experimentadas conforme a melodia se relaciona com a letra. A depender do intérprete, uma letra pode cantar um sentimento enquanto a melodia – acelerada ou desacelerada – desperta outro, como fez Adoniran.

A teoria de Tatit pode criar a sensação de que todo compositor toma uma série de decisões racionais ao fazer a canção. Mas Kristoff conta que o ato de compor pode ser involuntário em partes. Enquanto muitos refletem sobre cada nota ou palavra a ser escrita, a cantora baiana, Josyara Lélis, reitera a ideia de Kristoff: “Meu processo criativo é muito solto. Eu pego o violão para passar o tempo, e vem qualquer sentimento que esteja ali batendo para sair. Eu fico cantarolando e a palavra vem.” 

As decisões a serem tomadas durante a composição ganham outras formas quando a dinâmica é feita a quatro mãos. É o caso da sambista Manu da Cuíca, que escreve somente as letras. “O grande barato é ver as mãos dadas entre a letra que vai ser feita por uma pessoa, e a melodia por outra. Os encontros e desencontros disso”, comenta a carioca que foi campeã do carnaval de 2019 assinando o samba-enredo da Mangueira.

 

O mestre e doutor pela USP com pesquisa sobre composições, Marcelo Segreto, ressalta a importância de se olhar as canções pela perspectiva do equilíbrio entre letra e melodia. Isso porque democratiza quais gêneros musicais são aptos a serem analisados mais profundamente em pesquisas. “Entender a canção como essa oscilação é democrático. Todos os tipos, do rap ao erudito, podem ser analisados desse modo”, conclui.

Colaboradores:

Josyara Lélis, cantora, compositora e violonista baiana. 

Kristoff Silva, cantor, compositor, violonista e professor; Mestre em Música pela UFMG.

Manu da Cuíca, sambista, compositora, escritora e percussionista carioca. 

Marcelo Segreto, compositor, cantor e fundador da banda Filarmônica de Pasárgada; Mestre e doutor com pesquisa sobre canção popular pela FFLCH/USP.

Pilotando na ponta dos dedos

 

Por Caio Mattos e Jose Carlos Ferreira

 

Pouco tempo faltava para pousar em Buenos Aires em um dia de céu aberto em 1988. O sinal para que os passageiros afivelassem os cintos acabara de apitar. Então, uma súbita turbulência chacoalhou o avião, um Airbus A300. 

De tanto tremor, o copiloto, Ricardo Giorgi, não avistava nada no painel de controle. Mas, por estar a baixa altitude, apenas 2100 metros, o melhor era esperar o fim da turbulência. 

Após “10 segundos de uma eternidade”, a aeronave se estabilizou e pousou sem nenhum ferido. Hoje comandante, Giorgi nunca se esquece dos conselhos de seus instrutores: “Ricardo, pilote na ponta dos dedos” e deixe o avião se estabilizar.

O professor de projeto de aeronave Adson Agrico De Paula, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), concorda com os instrutores e explica que as aeronaves comerciais, como o Airbus A300, são projetadas para que “o piloto trabalhe o mínimo possível”.

Dentre as características do avião que contribuem para sua estabilidade, De Paula destaca o desenho da cauda. Essa estrutura, com formato de “T” invertido, regula a aeronave em caso de rajadas de vento.

Como ilustra Giorgi, “se o avião pegar uma corrente de ar que levante a parte da frente para cima, eu não preciso fazer nada para que ele volte a voar reto assim que a corrente passar”.

O professor do ITA também esclarece a importância do piloto automático, software que mantém a altura e a velocidade da aeronave constantes e, logo, em equilíbrio durante grande parte do voo.

No trajeto São Paulo-Paris, por exemplo, o piloto automático entra em ação quando o avião passa pelo Rio de Janeiro para sair de cena apenas na capital francesa, pouco antes do pouso.

O fator que “mais interfere” na estabilidade da aeronave, segundo Giorgi, é a turbulência, espécie de redemoinhos no ar que podem ser causados por diversos fatores, como as nuvens.

 

Medo de voar

O piscar do sinal de “apertem os cintos” e o primeiro balanço do copo de água na bandeja da frente já aceleram o coração da estudante Júlia Ricci, que assume o medo de voar.

A estudante não é exceção. A maioria das pessoas compartilham esse pavor, diz a ex-comissária Ana Paula Nadine. Afinal, elas se sentem indefesas: “Se algo der errado, não dá para sair no ‘próximo ponto’”.

Para retomar o “controle” durante uma turbulência, Ricci desenvolveu uma técnica: ela olha para os outros passageiros que, estando tranquilos, possam inspirá-la.

De fato, turbulências podem ser severas. Nadine lembra de um caso em 2002, quando carrinhos de petiscos foram arremessados e 16 passageiros se feriram, nenhum estava com o cinto afivelado.

Mas, normalmente, como no voo de Giorgi em 1988, elas não vão além de alguns copos de cristal quebrados na primeira classe. Além do mais, todo voo quase sempre está sob turbulência, lembra Nadine. Na maior parte, ela é suave como o balanço de um berço: “É bom para dormir”.

 

Colaboração:

Ricardo Giorgi, comandante de avião comercial

Adson Agrico de Paula, engenheiro aeronáutico e professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica

Júlia Ricci, estudante de educação física

Ana Paula Nadine, ex-comissária de bordo 

Alvaro Martins Abdalla, engenheiro aeronáutico e professor da Escola de Engenharia de São Carlos da USP

Gustavo Mata, estudante de relações públicas

Naiady Moura, estudante de arquitetura

 

Fico assim sem você…

 

Por Mariana Arrudas e Mayumi Yamasaki

 

Quando perdemos alguém, as relações familiares podem ficar bastante “bagunçadas”. Como será que as pessoas passam por esse processo?

Quadro1

Quadro2 (1)

Quadro3

Quadro4

Quadro5

Quadro6

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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