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Mitos são mais reais do que você imagina

 

Por Daniel Quandt

 

Muito tempo atrás, antes das estrelas caírem do céu, houve uma terrível batalha entre o deus do submundo, Skell, e La-o, deus do mundo de cima. Cada um habitava uma montanha, vizinhas uma da outra, e Skell saiu do seu lar, cuspindo fogo, cinzas e pedras. Depois de um longo combate, La-o derrubou a montanha sobre seu inimigo do submundo, produzindo um enorme rombo, que se encheu de água depois de meses de chuvas torrenciais. Desde então, os habitantes da região nunca mais ousaram se aproximar do lago, conhecido hoje como Crater Lake, no estado do Oregon.

 

É assim que o povo Klamath, nativo à costa oeste dos Estados Unidos, explica a origem do Crater Lake. O mito foi registrado por escrito pela primeira vez em 1865 e não difere muito de outras histórias contadas por povos indígenas em volta das fogueiras.
Mas há algo que torna esse mito um pouco mais especial. Nos anos 1920, estudos descobriram o processo geológico por trás da formação do lago: há mais de 7.000 anos, uma erupção vulcânica causou o colapso do topo de uma montanha, que posteriormente foi inundado pela chuva.

 

Com uma margem de erro de um ou dois deuses, a evidência geológica é extremamente parecida com a história dos índios Klamath e levanta um questionamento no mundo acadêmico: seria possível que os mitos de diversos povos são baseados em eventos reais, ocorridos há milhares de anos?
Parte da comunidade acadêmica diria que não. Segundo Andrei Simic, professor de antropologia da Universidade do Sul da Califórnia, lendas orais sobre eventos que aconteceram há mais de 1.000 anos “contêm pouca, ou nenhuma, verdade histórica.”

crater lake image (1)

Nick Reid, linguista da Universidade de New England, seria um dos primeiros a discordar. Para ele, as tradições orais podem ser capazes de transmitir fatos verídicos por muito mais tempo do que se imagina.
Em sua pesquisa, Reid descreve histórias de aborígenes que falam sobre um tempo em que os povos costumavam transitar livremente entre o continente australiano e as ilhas que hoje o cercam, como a Tasmânia. Isso só poderia ter acontecido há mais de dez mil anos, antes de o fim da Era do Gelo provocar um aumento no nível do mar que separou os territórios.

 

“Embora esse exemplo não deva ser usado como motivo para interpretar de forma descuidada a antiguidade das tradições orais, ou mesmo para acreditar que todas as histórias como essas tenham uma base empírica, ele abre a possibilidade de que algumas tradições em algumas culturas tenham sobrevivido por muito mais tempo do que já se pensou ser possível”, ele conclui.
Tudo isso serve para considerarmos uma ideia no mínimo interessante: a de que as histórias podem ser mais do que meras histórias. Às vezes, podem ser História com H maiúsculo.

 

FONTES:
REID, Nicholas. “Indigenous Australian Stories and Sea-Level Change”. Disponível em http://www.academia.edu/16307214/Indigenous_Australian_Stories_and_Sea-Level_Change

SIMIC, Andrei. “Affidavit addressing oral tradition and cultural affiliation.” Disponível em http://www.friendsofpast.org/kennewick-man/court/affidavits/oral-tradition-5.html

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

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