Começou na primeira gravidez. Eu queria ter um parto normal e já me deparava com a resistência.
— Para quê? Você vai estragar o seu corpo.
Depois veio a violência médica, um corte desnecessário no períneo para ajudar na saída do bebê que, durante muito tempo, me causou dores. Veio o assédio moral no emprego e o pedido de demissão. Vieram as noites sem dormir, acordando de uma em uma hora, com as cólicas e a amamentação. Até que você começa a se questionar: será que eu devia mesmo ter tido filho?
Esse pacote que vem com a maternidade é um peso que ainda recai sobre a mulher — mesmo tendo um marido que divide quase que igualmente as tarefas. Isso não me faz bem. Reclamar? Não pode. Afinal, mãe tem que, necessariamente, estar feliz.
Só que eu reclamei. Encontrei um lugar onde pensei que poderia desabafar: fóruns de mulheres na internet. Imaginei que elas me entenderiam. Ledo engano. Percebi que enquanto você reclamava apenas do marido, ou falava que estava cansada, tudo bem. Mas, falar dos questionamentos e das dúvidas psicológicas de uma mulher que é mãe? Isso não.
A gente coloca as coisas de um jeito muito realista, e as pessoas não querem ouvir. O dia em que falei que, às vezes, tinha vontade de jogar o bebê porque estava me perguntando o que tinha feito, foi uma chuva de julgamentos.
— Você não ama o seu filho?
Nunca disse que não amo meu filho, mas estou esgotada.
Por vezes, me pego pensando em que momento me disseram pela primeira vez que a maternidade era algo somente bonito, e quando foi que acreditei nisso.
— É o sonho de toda mulher, aquele bebê limpinho, só seu.
O que ninguém dizia é o quanto eu teria que abrir mão. Eu, que desde muito tempo queria ser mãe, me deparei com a frustração — sonhei com uma coisa que não era bem assim.
Hoje, tenho três filhos, três maternidades que foram desejadas. Mas tive muito da minha autonomia roubada, e desafios diferentes com cada filho. Isso, porém, é história para outra hora.
Brinco que o meu mais velho veio me mostrar o que era maternidade. O do meio veio me fazer ficar de mal com ela e o mais novo veio me fazer as pazes com esse processo. Hoje entendo a maternidade como um processo que para mim foi positivo. Mas é muito dolorido e solitário, isso sim.
* Este texto foi construído com base no relato de Thiely Soengas Manias, paulista de 34 anos e mãe de três meninos de nove, seis e três anos.
O que nos mantém vivos? O que mantém as espécies longe da extinção?
Na primeira metade do século XX, algumas correntes da psicologia, como a behaviorista, negavam a existência de um comportamento inato inerente aos animais, e “dogmaticamente, declaravam que todo o comportamento era aprendido”*.
Em seu A Gaia Ciência, porém, Nietzsche — intitulado pelo próprio Freud como “o primeiro psicanalista” — diz que “sem a associação conservadora dos instintos, se essa associação não fosse infinitamente mais poderosa que a consciência, não haveria regulador: a humanidade sucumbiria sob o peso de seus juízos absurdos, de suas divagações, seus juízos superficiais e de sua credulidade, numa palavra, de sua consciência: ou antes, não existiria mais há muito tempo!”.
Se há alguma divergência entre as correntes da psicologia sobre o funcionamento (e, de certa forma, até a existência) das ações instintivas, também não é difícil achar opiniões destoantes entre “cidadãos comuns”.
Fernanda Guillen e Júlia Moura têm basicamente a mesma idade e cursam a mesma graduação. Em um dos mais controversos instintos, pelo menos na análise do comportamento humano, elas se afastam.
A primeira nunca teve vontade de ser mãe. Não gosta muito de crianças e acredita que o que a sociedade entende como instinto maternal impõe que as mulheres tenham esse desejo. Aos 21 anos, não aguenta mais ouvir que é ingênua e que vai mudar de opinião sobre o assunto.
A segunda também não tinha essa vontade. Até perder sua mãe no meio da adolescência. Desde então, nutre o desejo de colocar um bebê no mundo e estabelecer o vínculo “insuperável e incondicional” entre mãe e filho. Para ela, a vontade é fruto tanto de uma construção psicológica e de certa forma imposta pela sociedade, quanto de um quê biológico, quase irracional.
A discrepância no comportamento das duas de certa forma se aproxima ao que pensa a psicóloga analítica Telma Chirosa. Para ela — seguidora da corrente junguiana, que inclui a atividade da reflexão e da espiritualidade no campo do instinto — há uma influência da civilidade e da sociedade na ativação ou não de um comportamento instintivo, que também é afetado pelo grau de individuação, de autoconhecimento e contato com o inconsciente de cada pessoa.
Na luta pela sobrevivência, no sexo ou na maternidade não há um padrão absoluto seguido pelos humanos, mas condicionais que afastam pessoas semelhantes e aproximam pessoas distintas.
[Fonte: *Artigo “Instinto, etologia e a teoria de Konrad Lorenz” de Átima Clemente Alves Zuanon]