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A nossa parte mais animal

 

Por Rafael Oliveira

 

O que nos mantém vivos? O que mantém as espécies longe da extinção?

 

Na primeira metade do século XX, algumas correntes da psicologia, como a behaviorista, negavam a existência de um comportamento inato inerente aos animais, e “dogmaticamente, declaravam que todo o comportamento era aprendido”*.

 

Em seu A Gaia Ciência, porém, Nietzsche —  intitulado pelo próprio Freud como “o primeiro psicanalista” — diz que “sem a associação conservadora dos instintos, se essa associação não fosse infinitamente mais poderosa que a consciência, não haveria regulador: a humanidade sucumbiria sob o peso de seus juízos absurdos, de suas divagações, seus juízos superficiais e de sua credulidade, numa palavra, de sua consciência: ou antes, não existiria mais há muito tempo!”.

 

Se há alguma divergência entre as correntes da psicologia sobre o funcionamento (e, de certa forma, até a existência) das ações instintivas, também não é difícil achar opiniões destoantes entre “cidadãos comuns”.

 

Fernanda Guillen e Júlia Moura têm basicamente a mesma idade e cursam a mesma graduação. Em um dos mais controversos instintos, pelo menos na análise do comportamento humano, elas se afastam.

 

A primeira nunca teve vontade de ser mãe. Não gosta muito de crianças e acredita que o que a sociedade entende como instinto maternal impõe que as mulheres tenham esse desejo. Aos 21 anos, não aguenta mais ouvir que é ingênua e que vai mudar de opinião sobre o assunto.

 

A segunda também não tinha essa vontade. Até perder sua mãe no meio da adolescência. Desde então, nutre o desejo de colocar um bebê no mundo e estabelecer o vínculo “insuperável e incondicional” entre mãe e filho. Para ela, a vontade é fruto tanto de uma construção psicológica e de certa forma imposta pela sociedade, quanto de um quê biológico, quase irracional.

 

A discrepância no comportamento das duas de certa forma se aproxima ao que pensa a psicóloga analítica Telma Chirosa. Para ela — seguidora da corrente junguiana, que inclui a atividade da reflexão e da espiritualidade no campo do instinto — há uma influência da civilidade e da sociedade na ativação ou não de um comportamento instintivo, que também é afetado pelo grau de individuação, de autoconhecimento e contato com o inconsciente de cada pessoa.

 

Na luta pela sobrevivência, no sexo ou na maternidade não há um padrão absoluto seguido pelos humanos, mas condicionais que afastam pessoas semelhantes e aproximam pessoas distintas.

 

 

[Fonte: *Artigo “Instinto, etologia e a teoria de Konrad Lorenz” de Átima Clemente Alves Zuanon]

 

Superior? Em quê?

 

Por Juliana Brocanelli

 

Correr, nadar, ouvir, sentir. Os seres humanos são capazes de todas essas habilidades, mas certamente não são os melhores em nenhuma delas. Para início de conversa, podemos falar da inacreditável velocidade do peixe-espada, que chega a 110 km/h no fundo do mar. Apesar disso, estamos no suposto topo da cadeia alimentar diz a teoria darwinista que “as espécies que sobrevivem não são as espécies mais fortes, nem as mais inteligentes, e sim aquelas que se adaptam melhor às mudanças”.

 

A adaptação humana ao ambiente é, de fato, satisfatória — ainda que não dominemos todas as capacidades físicas, criamos meios de transpor as barreiras dos nossos corpos. O desafio seguinte passou a ser compreender aquilo que a maior parte dos cientistas aponta como a causa de nossa humanidade e “superioridade” frente às demais espécies: a complexa formação da mente e nossos sentimentos.

 

De tempos em tempos, a humanidade é apresentada a uma nova descoberta que a aproxima ainda mais da formação orgânica da Natureza. No livro Beyond Words: What Animals Think and Feel, de 2015, por exemplo, Carl Safina, da Universidade de Stony Brook, sugeriu que os animais podem ter sentimentos mais complexos que os humanos. Isso porque, segundo ele, espécies diversas têm contato com diferentes estímulos e ambientes. No documentário Blackfish: Fúria Animal, soubemos que as baleias orcas possuem uma parte do cérebro responsável pelo processamento de emoções que nós não possuímos.

 

Pesquisas recentes — como a de Tiago Bortolini e Maria Emília Yamamoto, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, publicada em 2013 — levantam a hipótese da religião como um comportamento adaptativo que favorece a vida em grupo. Sem a noção de rituais místicos, no entanto, feito semelhante pode ser observado em comunidades de lobos (que possuem uma rígida hierarquia) com efeitos próximos: manutenção e proteção da espécie.

 

Outro dos pilares teóricos da “essência humana” tem caído por terra: a cultura. Os golfinhos, soubemos recentemente, não só desenvolveram tradições culturais — técnicas de caça ensinadas exclusivamente pelas mães às filhas —, como as perpetuam através das gerações.

 

Dia após dia, a concepção de humanidade se aproxima da magnificente organização da Natureza e nos faz repensar o que de fato nos difere dos demais animais. Afinal, sentir, se comunicar, criar tradições: nem só os seres humanos são dotados dessas refinadas capacidades cognitivas. Que não seja a crueldade e frieza a cisão definitiva entre as espécies.

 

Mais gente que muita gente

 

Por Victoria De Santi

 

A rotina na Riviera começa cedo. Os alunos chegam pela manhã carregando sua mochila e as refeições do dia. Chegam animados, cheios de energia, e não demoram a começar as atividades recreativas interagindo com seus amigos e colegas. A creche com nome de praia tem rotina de escola, mas os hóspedes são… cachorros. Comportados, o único som que se ouve no local é o da respiração ofegante, que anuncia as caudas balançando agitadas e pulos quando alguém se aproxima. Com frisbee na boca como quem dá boas vindas, os cães da Riviera são alunos simpáticos.

 

Depois do primeiro exercício, almoçam ao meio dia e fazem uma sessão de spa com luzes coloridas, música e massagem. O que não soa muito natural para cães torna-se hábito, e os desacostumados logo pegam o jeito. “Aos poucos eles vão acalmando, e eles mesmos vão procurando um lugarzinho para ficarem deitados e receberem a massagem”, conta Claudia, dona do local. Mesmo quando a tarde cai, as crianças da creche ainda têm energia para gastar, e por demanda dos seus corpos: ao terminar o dia, mais atividades.

 

Embora esteja longe do litoral, ancorada na zona oeste da capital paulista, a Riviera dos Cães tem cara de cenário litorâneo, com paredes pintadas e o chão gramado. Divide com a famosa praia a paisagem -com o mar, areia, palmeiras e guarda-sol desenhados na entrada e na área de recreação- e o luxo da vida de férias que levam os que passam seus dias ali. Só falta mesmo a maresia, substituída pelo cheirinho de cachorro recém-saído do banho.

 

“Aqui é como uma escolinha para crianças, é a mesma relação”, Claudia explica sorridente. Assumindo o papel do humano, esses cachorros, que são filhos, irmãos e netos, saem da categoria de animais: ganham maior importância e se livram da posição, imposta por nós, de mão de obra, produto ou de comida.  

 

O tratamento que a creche oferece só existe porque a demanda por ele existe. Um reflexo de como esses animais, mais gente que muita gente, são percebidos dentro de casa.

Voa, homem

 

Por Felipe Saturnino

 

Há situações que nos põem em face a invejáveis capacidades animais, inalcançáveis: a capacidade de voar, de atingir grandes alturas, de viver só, flutuando entre árvores, o céu e as coisas. Existe, no entanto, um momento em que essas diferenças abrandam — e, quem sabe, um ser humano pode ser pássaro.

 

Aos 42 anos, a única resposta que Yuri Cordeiro, desde 2007 praticante do wingsuit — ramo do paraquedismo que utiliza um macacão com asas para realizar saltos —, tem quando fala sobre a sensação de voar é que tem grande emoção. “Sinto muita liberdade, apesar de bater um medo”, pondera ele.

 

A razão não pode ser outra: com um equipamento que eleva o potencial aerodinâmico, quem salta pode atingir 200 km/h em pleno ar, em meio à queda livre que antecede a abertura dos paraquedas. O salto pode ser praticado de um avião, de montanhas ou penhascos.

 

O traje do esporte, rijo e alado, não é “a coisa mais confortável do mundo” — como afirma Yuri —, tecido em material sintético, inflexível. “Parece mais uma camisa de força”, diz ele, descrevendo a veste.

 

Largamente disseminado, o wingsuit já angariou adeptos em vários lugares, e o próprio Yuri já empreendeu saltos no estrangeiro: além da terra brasilis, planou na Noruega, Chile, Itália, França, Suíça e China.  

 

A brincadeira também agrega riscos: em 2016, o wingsuit teve um recorde de 36 mortes. Em esporte que alcança tais velocidades, seria de bom senso que a segurança não se negligenciasse. “O problema é que não há controle e as pessoas fazem como querem”, pontua Yuri, atestando que a realidade não segue sensatas recomendações.

 

Caso se esteja em um avião, o voador pode fazer sua queda até, no máximo, mesmo da altitude de quatro mil metros . Se preferir se jogar de uma montanha, a maior altitude possível é de 2800 metros. Neste exato momento, em ambas as situações, ao olhar para o alto, tomaríamos o voador como um pássaro, um avião, um ponto ou um super-herói inexistente — mas talvez seja mesmo apenas um homem imitando um bicho.

 

Ainda bem que peixes Betta têm memória curta

 

Por Alexandre Amaral

 

Ah, merda. Borges já estava atrasado pro aniversário da filha quando se deu conta. Salvou metade do relatório, espiou por cima das divisórias de sua sala e percorreu o corredor de escritórios até a sala do chefe. Direita, esquerda e esquerda. Tomou sermão, mas conseguiu a tarde de folga. Pegou a filha na escola e foi para o zoológico.

 

Logo que chegou, viu que o lugar estava falido, tinha poucas pessoas. Por isso enfiam a faca nos ingressos. Mas a filha, que sonhava em ser uma bióloga quando crescesse, estava maravilhada. Assim que pôde, saiu correndo para a monitoria especial. Borges seguiu para a loja do zoológico. Comprou uns peixes Betta, achou que  seriam uma boa ideia de presente. Pouco espaço e pouco trabalho, só comida.

 

Um dos tratadores viu a cena e o alertou. “Muita gente acredita no mito de que eles têm memória fraca e por isso acham que não precisam comprar aquários grandes. Mas eles lembram muito bem onde estão as paredes.”

 

Borges disse que compraria o aquário na saída, só iria dar uma volta antes. Mas durante o percurso, algo o incomodou. Via poucos animais e muitas grades. Para Borges, tanto os jalecos brancos calculando o ph da água dos jacarés, quanto os suplementos alimentares lançados às aves pareciam parte de um enclausuramento forçado. Afinal, se a ideia era mantê-los em um habitat parecido ao original, por que diabos havia rinocerontes na Zona Sul de São Paulo??  

 

Pouco adiantaria que o biólogo explicasse que as medições e os suplementos eram para garantir o bem-estar e para prevenir doenças. Muito menos que havia um rodízio de animais para exposição, e que parte do valor do ingresso era aplicada em conscientizar a população sobre espécies em extinção. Borges prestava pouca atenção. Tinha que terminar o relatório.

 

Quando a filha saiu do passeio, ele nem notou o sorriso em seu rosto. Ligou o carro e acelerou. Quem sabe não tivesse corrido tanto conseguisse ler a frase de Jan Gehl, um famoso urbanista dinamarquês, gravada no portão: “Primeiro a vida, depois os espaços, e por fim os edifícios — o inverso nunca funciona.”

 

Em casa, percebeu que se esquecera de comprar o aquário. Decidiu deixar os peixes em uma bacia pela noite. Não faria mal… Amanhã compraria o aquário, assim que terminasse a outra metade do relatório. Amanhã, após virar à direita pelos currais, à esquerda pela área de alimentação e finalmente à esquerda, rumo às celas… digo, escritórios.

 

Ainda bem que peixes Betta têm memória curta.

 

 

Fontes: Vinícius Silva de Oliveira (Tratador de água e animais aquáticos), Niedja Maria (Tratadora de aves), Bruno Padovano (Coordenador Científico do NUTAU/USP – Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo).

 

Oloco, bicho!

 

Por Bianka Vieira e Luiza Missi

 

O que nos difere do restante dos animais? Essa é uma pergunta que persegue a humanidade desde o seu início. Aliás, a nossa própria origem é objeto de discordância: a partir de que ponto passamos a nos distanciar do restante do reino Animalia?

 

Há quem acredite que nossa capacidade de utilizar ferramentas (que inaugura o gênero Homo, no qual nos incluímos) seja esse marco inicial. Contudo, essa habilidade é observada em diversos outros animais: macacos, golfinhos, elefantes e polvos são alguns deles.

 

Muitas outras possibilidades também são refutadas pelo comportamento de outros animais. Nossa consciência e nossa organização em sociedade, por exemplo, não são exclusividade nossa. Cachorros, corvos e golfinhos são apenas alguns animais que conseguem se reconhecer no espelho — e, portanto, são conscientes de sua própria existência. Além disso, as formigas e as abelhas parecem ser até melhores que os humanos na vida em conjunto.

 

 

Quanto mais conhecemos os outros animais, mais difícil fica definir em que aspecto somos tão diferentes deles. Mais difícil ainda é defender que somos superiores, como tanta gente acredita. Nesta edição, o Claro! te convida a refletir: seria o ser humano apenas um animal como todos os outros?

 

Som animal

 

Por Juliana Fontoura

 

som animal 

Você sabia que para alguns animais a audição é mais importante que a visão? Escuta só algumas curiosidades sobre a capacidade auditiva e o uso e percepção do som no reino animal:

 

Por que as aves cantam?

Se entre os humanos é comum cantar para expressar os sentimentos, não podemos dizer o mesmo das aves. Na verdade, esses animais cantam principalmente na época da reprodução. Isso significa que, quando você ouve um passarinho cantando por aí, ele não está demonstrando felicidade – mas pode ser que encontremos alguns ovinhos no ninho da próxima vez.

 

Percepção da música
Estudos já demonstraram que macacos são capazes de reconhecer notas musicais. Isso significa que eles conseguiram reconhecer, por exemplo, um “lá” mais grave e um “lá” mais agudo como o mesmo som, indicando uma percepção da música. Outras pesquisas também já mostraram que até peixinhos dourados conseguem diferenciar músicas. Depois de treinados para reagirem ao estímulo de peças de Bach e Stravinsky, eles demonstraram conseguir diferenciá-las, mostrando a capacidade de perceber sons complexos.

 

 

Enxergando com os ouvidos

Alguns animais são capazes de determinar a distância de objetos, assim como sua forma e dimensão, a partir da emissão de sons de alta frequência e a captação do seu eco – é a chamada ecolocalização. Esse recurso permite que os morcegos, por exemplo, “enxerguem” muito bem mesmo na escuridão da noite (e usando os ouvidos!).

 

Fala que eu (não) te escuto

Se animais de diferentes espécies tivessem uma linguagem em comum, ainda assim alguns deles não poderiam bater um papo. O elefante e o morcego são um bom exemplo disso. Enquanto o elefante emite frequências bem baixas (em torno de 10Hz) e capta até cerca de 10.000Hz, os morcegos escutam acima de 1.000Hz e emitem frequências altas, de mais de 10.000Hz até 120.000Hz. Essas diferenças fazem parte da adaptação dos animais ao ambiente – e é por isso que não podemos dizer que um animal “ouve” melhor que o outro.

 

A frequência é uma das características do som. Ela corresponde à quantidade de ciclos completos da onda num período de um segundo. Cada ser vivo consegue ouvir uma determinada faixa de frequências: no caso do ser humano, esse valor fica entre 20Hz e 20.000Hz. Os valores mais baixos indicam sons mais graves e, os mais altos, os mais agudos.

 


Fonte: entrevista com o biólogo Felipe Viegas Rodrigues, especialista em Neurofisiologia.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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