O escritório está, como sempre, tomado de camisas abotoadas e golas polo, que conversam em meio ao barulho dos teclados. Sapatos andam entre as mesas. Com voz firme, vestida de calças e blazer ajustado, inicia sua apresentação de forma impositiva: é Camila Souit, engenheira mecânica em uma multinacional, técnica especialista, mãe, e de acordo com um americano branco de meia idade do meio corporativo, gentil demais para chegar em algum lugar. Ela já está acostumada a lidar com questionamentos que seus colegas homens não receberiam.
Apesar das mulheres representarem 43% do total da população empregada, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2023, elas ocupam somente 35% dos cargos de alta liderança, enquanto são 70% nas funções ocupacionais, como limpeza e recepção. Camila conta que a camaradagem que sentia na universidade continuou só para os homens, “as mulheres parecem ter que tentar duas vezes mais para se provarem capazes e serem ouvidas”. Ela observa que mulheres na liderança se vestem com roupas que praticamente imitam as masculinas. “Uma vez, tomei coragem de ir de vestido ao trabalho, e tiveram tantas piadinhas. Piadas que fingiam ser elogios, mas no fundo não eram.” A engenheira relata que não quer ser reconhecida por qualquer coisa senão seu trabalho.
O mercado de trabalho é feito para o homem, assim desvaloriza os códigos relacionados ao feminino, e quando se tenta reproduzir o masculino através da vestimenta, além de ser mais bem aceito, se agrega valor, explica Mayra Cotta, coautora do livro Mulher, Roupa, Trabalho (2021).
Reclamações sobre vestimentas no mundo corporativo são comuns, a maioria direcionadas a mulheres, é o que relata Mariana Corrêa, consultora de Recursos Humanos há 20 anos. “Para não dizer que foram todas, teve um único caso com homem, e foi porque ele começou a ir para o trabalho de papete, o que, além de não ser adequado para o ambiente corporativo, tinha a questão do mau cheiro”, conta. “O homem nunca é sexualizado, já com as mulheres a maioria das vezes é uma questão o tamanho do decote, da altura da saia.”
A consultora observa que o homem tem um padrão feito para ele, enquanto para mulher, isso não existe, “ele vai estar de calça, camiseta, polo ou camisa”. O apontamento é sustentado por Mayra: “Toda vez que [nós mulheres] temos essa angústia de como se vestir para o trabalho, é uma forma de evidenciar o nosso não pertencimento àquele espaço”.
Moda em retalhos
 
Por Laura Pereira Lima e Marília Monitchele
 
Arte: Gabriel Eid
Calças se transformam em bermudas, camisas viram bolsas. Pneus podem se tornar pufes ou solas de sapato. Alguns chamam isso de criatividade; outros, de upcycling. Para muitas pessoas, essa técnica era uma alternativa econômica. Na década de 1990, ganhou o nome pomposo e ares sustentáveis, em meio às discussões que resultaram na Conferência Eco 92, uma das primeiras a abordar os impactos globais da poluição.
Upcycling se refere à prática que visa evitar o desperdício de materiais, reduzir o consumo de matérias-primas e diminuir a emissão de gases de efeito estufa. Embora possa ser aplicada em diversas áreas, como arte, decoração, arquitetura e indústria, foi na moda que teve o maior impacto. “A melhor roupa é aquela que já foi feita”, resume Lourrani Bass, fundadora do Liga Transforma, projeto que cria produtos têxteis a partir de material reaproveitado.
Dados de 2021 da Fundação Getúlio Vargas mostram que em 2018 o Brasil produziu mais de nove bilhões de peças novas. O mesmo relatório aponta que menos de 1% das roupas produzidas globalmente são reaproveitadas. O método surge, então, como uma alternativa sustentável, e atrai os consumidores também pelo apelo à exclusividade, afinal, cada peça é única.
A dificuldade de produzir em grandes escalas, porém, afasta o upcycling do uso comum. “As pessoas acham que é mais barato, porque não precisa gastar com matéria-prima. Mas não é bem assim. A roupa chega para nós como um resíduo e precisamos transformá-la em matéria-prima, o que é caro”, conta Jonas Lessa, do Retalhar, projeto que auxilia empresas a reaproveitar os resíduos têxteis. A título de comparação, uma bolsa feita a partir do reúso de tecidos jeans da grife espanhola Balenciaga pode custar quase R$ 10 mil, enquanto um acessório feito com a mesma técnica pode ser encontrado por até R$ 170,00 no marketplace brasileiro Ecoaliza Store.
Apesar desses desafios, algumas alternativas podem tornar as peças mais acessíveis. Andres Felipe Torres, pesquisador do curso de moda da USP e especialista em upcycling, cita, por exemplo, a confecção em maior escala de produtos mais simples, como necessaires e estojos. “Mas nunca vai poder competir com os preços do fast-fashion [como Shein e Zara], que usa mão de obra escrava e não tem preocupação ambiental”, completa. Ainda assim, este tipo de produção mostra que cada retalho pode abrir um novo mundo de possibilidades.
A influência da moda
 
Por Carolina Fioratti e Maria Eduarda Nogueira
 
Quando pensamos na influência que a moda exerce na sociedade, logo nos vem à mente as grandes marcas de luxo – Chanel, Dior, Prada… Através de desfiles e ações publicitárias com celebridades e influenciadores, a alta costura lança tendências para toda a indústria da moda. Indústria esta que também recebe sua própria dose de influência da sociedade, que demanda posicionamento e responsabilidade.
Mas, seu alto custo não permite que as marcas de luxo sejam acessíveis para todos. Com isso, o público geral acaba recorrendo a peças inspiradas, réplicas e até cópias. Algumas marcas não aceitam ver seus detalhes característicos em outras peças, então, podem recorrer ao direito da moda. Em alguns casos, é possível até mesmo patentear a criação e garantir, perante a justiça, que ela não seja apropriada por mais ninguém. Exercer uma grande influência tem lá os seus custos…
Beleza sem vergonha
 
Por Igor Soares
 
O sorriso radiante e a leveza no olhar de Diolice Barbosa, 29, conseguem ir além do preto e branco da imagem e mostrar um pouco a força e a alegria de uma mulher determinada que transcende as barreiras impostas pela vida.
Assim como muitas garotas, na infância, Diolice adorava brincar de modelo, desfilando e fazendo pose para fotos. Mas tudo mudou quando, aos 12 anos, ela ficou tetraplégica após um erro médico durante uma cirurgia, tendo que deixar de lado o sonho de infância.
Porém, o que, por muito tempo pareceu impossível, aos poucos, passou a tornar-se realidade. Foi quando conheceu a publicitária e fotógrafa Kica de Castro.
No ano 2000, Castro trocou a rotina caótica da vida publicitária por um cargo de chefia no setor fotográfico de um centro de reabilitação para deficientes. Após anos de estudo observando o impacto da fotografia na auto estima dos pacientes, Kica largou o emprego fixo e, em 2007, abriu uma agência de modelos só para pessoas com deficiência.
Atualmente com 89 profissionais, a agência funciona nos mesmos moldes das tradicionais. Entretanto, a fotógrafa faz questão de ressaltar que não usa nenhum tipo de retoque nas imagens das modelos. “Beleza e deficiência não são palavras opostas”.
Diolice foi uma das cinco modelos que iniciaram o projeto ao lado da publicitária. Ela conheceu Kica através de suas sessões no centro de reabilitação.
“Me sinto mais bonita cada vez que vejo uma foto minha sendo utilizada para mostrar nosso talento. Não tenho vergonha do meu corpo, gosto de mostrar como sou”, conta Diolice, que já foi capa de duas revistas e teve suas fotos exibidas na mostra “Além das Convenções”, realizada em 2015, na cidade de São Paulo, em comemoração ao Dia Internacional das Pessoas com Deficiência.
Para o futuro, pensa grande: “quero ser destaque de várias campanhas publicitárias”, diz a modelo, que quer dividir as passarelas também com profissionais sem deficiência: “quero a verdadeira inclusão em ação”.
Uma mão na moda
 
Por Heloisa Iaconis
 
No brejo do tempo, brava que nem, a fim de bradar contra esse breve breque de vendas, brecha encontrei e criei a tal da não brega queima. Ó, sem dó nem pó, décadas irão dividir este brechó. Simples, explico, meu bem: cá comigo, costurei botões meus e alinhavei ideia. Você me ajuda? Sozinha dou conta não – sou oitentinha. Desfilar no já desfilado com novos calçados de olhos. Você me ajuda? Ainda bem, meu bem! Vamos? Toda moda roda, roda e volta.
Vovó Gabrielle estreou o amor vestuditário – adoração pelas roupas que fia o fio das gerações de minha família. Vovó passou pela Belle Époque, repleta de tons pastéis ao lado de renda, chamalote, musselina, tafetá, chiffon e outros, outros, outros tecidos. Ela viveu a eliminação dos espartilhos por Paul Poiret – ufa! – e o advento do decote “V”. Mamãe Jeanne, minimalista no ser e no vestir, acompanhou, por um lado, a escalada de Chanel; mas, por outro: bang!, Primeira Guerra; crack!, quebra da Bolsa; boom!, Segunda Guerra. Fugidas do redemoinho, viemos para terra do samba. Toda moda roda, roda e volta – e eu, do danado desse samba, nunca mais me separei, meu bem.
Firulas no bolso, sim? Mão na moda! Pegue a mala de couro, por favor. Obrigada, meu bem. Aqui estão os itens que irão decorar a vitrine: tendências das épocas abarcadas pelo saldão. Desenganche, gancho! Pronto: mar de lembranças aberto. Jaqueta de couro, ah!, não pode faltar: vai que surge um jovem rebelde e bonito, estilo James Dean, querendo comprá-la? Bota no mostruário! E por falar em jaqueta: uma justa que acentua a cintura, saia longa e plissada, chapéu e saltos. This is a new look!, como disse Dior. Toda moda roda, roda e volta.
Década de 60: este vestido tubinho, engenho de Yves Saint Laurent, entra; a minissaia de Mary Quant, também. Brincadeira entre amigas: eu era Brigitte Bardot; Sabrina, Audrey Hepburn. Risadas garantidas, meu bem, você mal imagina. No canto esquerdo, mix mil: punk, hippie, glam rock – eis os anos 70. Coloque aí: a calça boca-de-sino e as batas com estampas étnicas. Zuzu, o meu anjinho de filha, nasceu nesses meandros de revolução sexual e ditadura. Nessa fase, ostentava o corte “pigmaleão” como o de Tônia Carrero, acredita? Toda moda roda, roda e volta.
Mudou o período e continuei sendo noveleira, meu bem: 1985 e eu lá, cheia de turbantes, lenços e acessórios grandes à la Viúva Porcina. Cores muitas e vibrantes! Aliás, o colar pink está no manequim! Achei collants, polainas e uma sandália Melissa (plástico dói-que-dói). Vitrine adentro! Fim do século: agrupe a calça jeans cintura alta e o tênis All Star (todo vermelho como um astro, por hora, não gasto). A minha neta, Stella, ainda hoje, anda desse jeitinho e, palhaça que é, diz ser Rachel Green. A colega dela, gargalham as duas, prefere o papel de Carrie Bradshaw. Fenômeno que é fenômeno, das roupas à farra, é bem assim: roda, roda e volta. (Engraçado: já falei isso?).
O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.