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Avenida (parte do) Brasil

 

Por Laura Scofield

 

No final de 2012, em um clube na capital carioca, um casal celebrava seu amor. A poucos dias do final da trama que mobilizou o país, o tema não poderia ser outro: a novela Avenida Brasil.

Os convidados foram instruídos a irem fantasiados. Cada um deveria escolher aquele personagem com quem mais se identificava. As telenovelas, que na América Latina reuniram traços da cultura melodramática e oral do povo às novas tecnologias da televisão, têm o poder de mobilizar multidões. Surgiram inspiradas nos folhetins franceses do Séc. XIX, mas muito mudaram ao atravessar o mar e conquistar o horário nobre.

“A novela começou já no primeiro ano da TV no Brasil. Era como um teatro ao vivo, já que as técnicas de gravação ainda não eram tão sofisticadas”, dizia aos convidados uma das recepcionistas da festa, Maria Cristina¹, fã e estudiosa das novelas.  Ela se referia ao ano de 1951, quando a primeira novela brasileira, “Sua Vida Me Pertence” foi exibida pela TV Tupi.

O ambiente largo era dividido em cômodos. Alguns mais luxuosos, como as casas da elite carioca, e outros mais simples, representando a realidade dos subúrbios e periferias. Diziam por ali que a decoração era original, comprada direto da Central de Atendimento ao Telespectador. Mas nem tudo veio da Globo: com o sucesso da produção, os camelôs também produziam réplicas das jóias mais famosas. “A cenografia é importante, o cenário chega a ser um personagem”, diria Maria Cristina mais tarde, depois de agradecer uma a uma, desperdiçando segundos, as marcas presentes.

Mulheres e homens magros, altos e brancos pareciam se divertir. Casais heterossexuais trocavam carícias como se não fossem vistos por ninguém – não existiam crianças na sala. Algumas brigas terminavam em copos e líquido arremessados. Algumas mortes estranhas? Na festa não, mas na novela… Mas tudo passava rápido e, num piscar de olhos, outros casais se formavam. Sempre entre homens e mulheres, é claro. 

Dois anos depois, se a mesma festa fosse feita, algo poderia ser diferente. Será que finalmente um casal homossexual poderia se beijar no cerne das famílias brasileiras? E o medo de influenciar as crianças? Faltaria ‘Amor à Vida’ ao escritor de tal heresia? 

Outro ponto: a capital do Rio de Janeiro ali narrada eram estranhamente branca. Estranhamente sim, mas não surpreendia ninguém – até porque muitos nem percebiam. Na novela que inspirava a festa, um time de futebol sem negros. 45 personagens principais, 3 negros entre eles. A festa apenas refletia a realidade das TVs, que, por sua vez, refletia também a sociedade – e seu racismo. Influenciar e ser influenciado, concomitantemente.

Mas dois convidados ali estavam atentos. Gostavam da festa, é claro, mas não sem deixar de apontar incongruências. “Uma festa no Rio de Janeiro deveria ser assim tão branca?”, questionou Vinícius² à Larissa³, que complementou “E os poucos negros aqui não parecem tão felizes. É quase como se só sobrassem as fantasias de empregados ou pedintes…”

Ao final da noite, depois de rir e chorar, Larissa pensou: “foi uma ótima festa, que nas próximas festeje mais gente”.

Colaboraram:

¹ Profa. Dra. Maria Cristina Palma Mungioli, estuda telenovelas na USP 

² Vinicius Lourenço, fã da novela Avenida Brasil

³ Larissa Barbosa, fã da novela Avenida Brasil

*As falas foram inspiradas em entrevistas, não são transcrições diretas. 

*A festa foi inspirada em uma festa real.

Afinal, pra quê servem as novelas?

 

Por Rafael Ihara

 

A famosa Nazaré Tedesco, vivida por Renata Sorrah na novela Senhora do Destino (2004-2005),   rolou de cima de uma escadaria graças a um empurrão da vilã. Já ouviu alguém dizer: “como novela ensina coisa errada!”. Essa frase deve ter sido repetida muitas vezes quando ela, Nazaré; Odete Roitman, de Vale Tudo (1988-1989); Flora, de A Favorita (2008); Carminha, de Avenida Brasil (2012); Félix, de Amor à Vida (2013-2014) e muitos outros vilões da nossa teledramaturgia estavam em cena. Mas será mesmo que a novela ensina coisas más ao público?

 

Essa pergunta é muito genérica, disse a professora Esther Hamburger, estudiosa de telenovelas da ECA-USP. É importante analisar caso a caso. Lembra o que aconteceu no último capítulo de Amor à Vida? Félix, vivido por Mateus Solano, e seu namorado, na pele de Thiago Fragoso, protagonizaram o primeiro beijo gay entre homens numa novela. O feito foi tão importante que virou pauta do Jornal Nacional. Mas será que as novelas vêm chocando mais que antes?

 

foto nazare

 

A verdade é que as novelas já vêm causando esses rebuliços na sociedade há muito tempo. Malu Mulher (1979-1980), por exemplo, tratou do aborto. “As novelas trataram também de divórcio antes dele virar realidade no Brasil; o sexo antes do casamento também foi um tabu durante muito tempo, mas foi desvelado pelas novelas”, conta Hamburger.

 

Será que a teledramaturgia tem o papel de mostrar o que é certo e errado? “Novela não é feita pra educar, e sim pra levantar polêmicas”, explica Esther. O crítico de TV Mauricio Stycer vai no mesmo caminho. Pra ele, “a novela, quando tem a intenção, pode ajudar a colocar em questão temas a respeito dos quais há excesso de preconceitos (…) Mas não iria tão longe a ponto de acreditar que uma novela seja capaz de ‘educar’ a sociedade”. Mas não dá a impressão de que as novelas mais recentes têm causado mais que as outras? Saiba que essa impressão não é real.

 

O fenômeno das redes sociais ampliou essa nossa percepção. As novelas sempre ousaram, e o número de “choques” não vem crescendo não, segundo Hamburger. Hoje qualquer um fala o que pensa sobre o capítulo da novela. E essas reações aparecem pra você em suas redes sociais. Que essas reações e as novelas, que geram tanta polêmica, continuem botando todo mundo pra discutir questões delicadas.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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