Arte: Ester Brito
Namorar escondido remete a lembranças da adolescência. Beijos roubados, cartas de amor, encontros escondidos e por aí vai. A adrenalina de não ser descoberto deixa tudo mais excitante. Por outro lado, construir uma relação madura em segredo é viver com medo, e ter que lidar com isso pode trazer consequências para a integridade de algumas pessoas.
O receio do julgamento, da desaprovação, da invalidação e insegurança frente à exposição faz com que muitos optem por manter relacionamentos em segredo. Em alguns casos, o preconceito se torna uma desculpa velada para não seguir com a relação.
No Brasil, onde pessoas negras são 80% das vítimas de homicídio*, a discriminação racial as obriga a traçar um caminho mais longo e dolorido em busca do amor.
Dona Vera**, por exemplo, sentiu a dor de se envolver às escondidas em sua juventude por sua cor e condições econômicas. Naquela época, meados de 1960, ela, empregada doméstica, mantinha relações com o filho da patroa em segredo. Quando engravidou, percebeu que sempre seria vista como a empregada negra, com uma filha bastarda para criar sozinha.
A dificuldade de expor e sustentar relacionamentos com mulheres negras e pobres não se atém à época de Vera. Amanda, com metade de sua idade, já quis esconder seus traços de preta retinta com medo de não ser assumida.
O racismo não é o único motivo para ser o segredo de alguém. Casais homoafetivos também convivem com dificuldades para viver um amor livre de preconceitos.
Apesar de ter alcançado muitas conquistas ao longo dos anos, como os 25 anos de Parada LGBT em 2024, essa população ainda enfrenta desafios diários, sobretudo em um país que mais mata LGBTI+ no mundo***.
Após viver quase dois anos às escondidas com sua amada, Ana** conta que os olhares ácidos por aí não lhe incomodam tanto quanto dizer “amiga” aos seus pais.
O preconceito ainda limita o relacionamento de muitas pessoas. Mas movimentos e lutas continuam para que a necessidade de amar escondido fique apenas nas peripécias da juventude.
Colaboração: psicóloga Beatriz Bonfim e Amanda Nefer.
*Atlas da violência
**O nome da fonte foi alterado para preservar sua identidade
***Dossiê da Violência contra LGBTI+ no Brasil
Antes fosse licença poética, mas perder-se na pessoa amada para corresponder a expectativas e manter um relacionamento — algo citado por muitos eu líricos — é mais comum do que se imagina. A verdade é que conciliar o plano idealista com o de carne e osso tem lá seus choques de realidade.
No começo, os encontros são fáceis. As conversas, também. Nelas, o casal encontra muitas coincidências de vida e que parecem guiar ao porquê ambos estão ali, de mãos dadas. É quase óbvio o motivo pelo qual não deu certo com ninguém antes: é para dar certo agora. A euforia é tão grande que não sobra espaço para dúvidas.
De repente, já se passaram alguns meses. Aquele frio na barriga começa a diminuir, cedendo lugar para alguns desentendimentos. Mas outros casais também passam por problemas e continuam juntos mesmo assim… Por que esse relacionamento não sobreviveria também?
A causa pode ser tão banal quanto uma louça na pia. A falta de divisão de tarefas domésticas, que no início parece algo tão simples de ser resolvido, como um garfo e uma faca sujos, aos poucos se torna difícil de ser ignorada.
Outras vezes, o motivo é material, como o dinheiro. O problema não necessariamente se inicia pelo salário em termos numéricos, mas na proporção de gastos. Quando um casal é formado por uma pessoa que gasta mais do que recebe e outra que preza por economizar, a diferença passa a pesar.
E já que salários foram mencionados, a dedicação excessiva ao trabalho também pode ser um impasse. Um dia, o jantar a luz de velas é substituído por um happy hour de confraternização da empresa. Em outro, o roteiro romântico para degustar vinhos não sai do papel por conta de horas extras e viagens corporativas que minam o tempo a dois.
Em alguns casos, nem mesmo a convivência e a proximidade desejadas resolvem inseguranças exacerbadas. Difíceis demais de serem verbalizadas, elas ecoam dentro de quem as carrega. E sufocam. Em meio a essa agonia, os pedidos para cessá-las são vistos em crises de ciúmes, cobranças desmedidas e até mentiras.
Os incômodos iniciais parecem exceções, mas se prolongam. Nas entrelinhas, é perceptível que uma vida a dois já não é tão natural quanto antes. Mesmo assim, há esperanças de que, com uma conversa aqui e uma adaptação ali, a corda bamba do amor se torne menos traiçoeira.
Quando a tentativa para não cair é exagerada, a individualidade de cada um some. Isso se afasta da dinâmica de uma união saudável, em que os amantes são capazes de caminhar juntos e valorizar as particularidades de cada um, explica Zuleica Pretto, psicóloga especializada em relações amorosas.
Isso porque aos poucos as duas pessoas que existiam no início não se tornam apenas uma, como gostam de romantizar, mas nenhuma. O perder-se para se adaptar ao outro se transforma no querer-se de volta. E assim, o entrelaçar de dedos se desfaz e cada um segue por um caminho diferente.
De falta em falta e excesso em excesso, rompimentos acontecem. Um a cada três casamentos resulta em divórcio no país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em 2019. Para os que continuam juntos, resta pensar em como alcançar o tal equilíbrio.
Na corda bamba do amor, o que vale tentar? Infográfico: Gabrielle Yumi e Renan Sousa
Colaboraram:
Anne Brito, advogada especialista em Direito da Família e Sucessões;
Fabricio Posocco, especialista em Direito da Família
E pessoas que não quiseram se identificar e já passaram por términos de namoro e casamentos.