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Várias vidas em uma

 

Por Luiza Magalhaes

 

Freud está sozinho em seu escritório. É uma noite de tempestade e ele está velho, cansado, mas logo ela chega para atrapalhar seu descanso: batendo na porta de vidro e gritando, Jéssica pede para entrar, e não sai dali até conseguir o que quer. Sem sucesso com os gritos, ela puxa uma navalha.

Mulher intensa, impulsiva, Jéssica entra com seus cabelos curtos e um vestido roxo que acaba jogado no jardim do psicanalista quando ele se recusa a atendê-la. Incansável, ela tenta seduzi-lo, incomodá-lo. Vai brincando com ele até revelar a que realmente veio: quer questionar suas teorias e confrontá-lo a respeito do machismo nelas presente.

Estrela da peça Histeria, Jéssica é a mais recente das personagens interpretadas pela atriz Erica Montanheiro, e uma das mais marcantes.

Mas antes disso Erica foi Teresinha, personagem da Ópera do Malandro de Chico Buarque. Teresinha é ambiciosa. Filha de donos de bordel, ela é o retrato de uma classe que não faz parte da elite, mas que almeja ascender socialmente. Se apaixona pelo malandro, casa-se com ele e acaba o dominando: quer colocar nele seu espírito empreendedor.

 

DOISOIDOS

 

 

E antes disso Erica já foi Angelique, na peça O Libertino; Hérmia, em Sonhos de uma noite de verão; além de muitas outras, em seus 20 anos de carreira. Para ela, o que faz com que se identifique com uma personagem é entender qual é seu discurso: O que aquela figura quer dizer? O que ela significa? O que ela vai comunicar para o público, o que o público vai sair pensando? Vai se emocionar ou vai rir dela?

Ela diz que às vezes pode pensar que nunca agiria como alguma personagem, mas o que interessa é como ela conta aquela história. “Aí não importa a característica da personagem, se ela é rica, pobre, se ela é mimada, se ela é engraçada. Isso a gente constroi. O que me interessa é o discurso que elas carregam, o que elas estão dizendo”.

 

Em cena: ruídos no silêncio

 

Por Igor Truz

 

teatro

Um quarto escuro. Silêncio absoluto. Poucos feixes de luz revelam uma inesperada silhueta em frente à porta. Na ponta dos pés, com passos cuidadosos, a sombra avança com cautela pelo local.

 

O parágrafo acima retrata um suspense. O caminhar na ponta dos pés revela o mistério, a preocupação em não fazer ruído.

 

Isso não tem sentido para os surdos.

 

“Existem imagens relacionadas aos sons, como entrar de mansinho em uma sala. Para eles [surdos], não tem sentido”, explica Fabiano Moreira, diretor da Companhia Alvo de Teatro, que hoje desenvolve o ousado projeto Teatro para Surdos, um esforço conjunto para inclusão e aperfeiçoamento artístico.

 

O plano é ambicioso. Esqueça o intérprete em Libras no canto do palco, concorrendo com as cenas pela atenção do público. Não se trata de traduzir, mas sim de oferecer condições para que os surdos consigam sentir a experiência de acompanhar de maneira plena o espetáculo.

 

“A peça em Libras é a mesma coisa que em japonês. Você só vai falar a língua deles”, sentencia Fabiano, com um tom de voz baixo, calmo, mas gestos vigorosamente expressivos, que gritavam aos olhos. Já está no clima do projeto.

 

A ideia de fazer barulho é o objetivo central da Alvo de Teatro. Após um ano de estudos, a intenção é conseguir, nas encenações, transformar sons, falas, música, tudo que se pode ouvir, em movimentos corporais.

 

Os atores iniciarão, em breve, o primeiro ato do projeto na escola municipal Helen Keller, no centro de São Paulo, com apresentações de trechos de seus espetáculos adaptados para 200 alunos surdos.

 

Os jovens não serão coadjuvantes. A atuação será ativa. A deficiência, neste caso, será a qualidade indispensável para o trabalho de consultoria dos estudantes que, não apenas dirão o que entenderam das adaptações, mas também apontarão os caminhos para melhorar as atuações.

 

“O viés do trabalho é de aperfeiçoamento artístico”, lembra Fabiano, deixando claro que na relação com os alunos não existe hierarquia e sim a troca de conhecimentos e experiências. O líder da Companhia, que começou na dramaturgia organizando peças bíblicas, quer mergulhar no universo dos surdos para evoluir como ator. Explorar e aprender para ir além e tentar construir as bases metodológicas para produções teatrais mais inclusivas ao público com deficiência auditiva.

 

Antes disso, no entanto, ele e seus companheiros precisarão se reinventar. Acostumados com técnicas convencionais, os atores deverão encontrar maneiras criativas para se comunicar em silêncio. Assim como em um mergulho real, Fabiano não espera vida fácil no mundo sem sons: “é como tentar respirar debaixo d´água. Aquilo vai te fazer falta na peça”.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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